Data: 03/10/2017
Bigênero, pangênero, agênero, gênero fluído, terceiro sexo, transexual, drag queen, drag king, crossdresser, gender bender, genderqueer, não-binário, homem e mulher. Não importa a classificação nem a nomenclatura se a sociedade em geral não tiver a capacidade de conviver com a diversidade, inclusive a diversidade que a cerca. A mensagem é de Uýra Sodoma, “drag queen com abordagem étnica, local, amazônica” que, assim como Pabllo Vittar, Liniker e Glória Groove – para citar alguns exemplos despontando no cenário nacional – carrega uma imagem e porta uma mensagem que desconstrói padrões.
Uýra, do tupi, é a abreviação singela de Uyrapuru, a ave que canta, encanta e voa livre. “Ela é uma personificação, a concretude da energia da mata. As coisas que sinto e que sei em relação à mata, e também a natureza em sua forma, cor, energia e sentimento”, explica Emerson Munduruku, 26, biólogo e consultor em educação ambiental da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) que dá vida à Uýra há um ano e meio. “É a mata encarnada em uma drag queen, que se veste com folhas, bichos e seres míticos do folclore”, explica. Esteticamente, nasce de um processo de maquiagem intuitiva que leva quase duas horas, entre pincéis, tintas, cílios e o que o chão da mata oferecer.
Assim como o pássaro, Uýra também quer alçar voos mais altos e a partir da liberdade de suas escolhas. “Há dez anos eu experimento coisas, procuro enxergar a beleza da mata e entender aquilo que poderia ser usado para dizer algo”, afirma Emerson, demonstrando profunda paixão pela biodiversidade, sentimento que brotou ainda pequeno, quando morava na Vila de Mojuí dos Campos, na época em que a localidade pertencia a Santarém (atualmente Mojuí é emancipada e constitui um município paraense), e se consolidou durante sua vida acadêmica em Manaus. “Esses seis anos estudando a fauna, a flora e a biodiversidade em geral foram momentos de muita experimentação e de vivência”, contou Emerson, que é mestre em Ecologia pelo Inpa.
Essas lembranças retroalimentam a energia de Uýra, a mata encarnada, conta Emerson, ao explicar o contexto em que a drag queen nasceu. “Uýra surge num momento muito decisivo da minha vida, num contexto social e político, em que começo a me empoderar contra a opressão e a entender a luta dos grupos sociais minoritários. Passei a ouvir os negros, as mulheres, as travestis, as bichas, o público LGBT em geral. Quando percebo um pouco mais a vivência do outro, começo a entender que é preciso gritar e fazer algo. E a arte é uma ferramenta importante nesse sentido porque ela afronta”, sentencia.
E como a arte, Uýra simplesmente flui, não se programa para aparecer. Ela, que começou com experimentações em festas fechadas para o público LGBT, passou a ganhar as ruas nas manifestações e a integrar cada vez mais a cena cultural e política da cidade. A drag desperta e reafirma o poder que tem o oprimido quando provoca a raiva do opressor. “Eu já sofri todo tipo de agressão na rua, desde xingamentos a agressão física. É a intolerância com o diferente. As pessoas não entendem e quando não entendem preferem agredir”, lamenta. Mas é desse enfretamento que Uýra – e outros tantos – vive. “Tem coisas que a gente não pode mais deixar passar”, afirma.
A todo momento, Emerson observa pessoas, comportamentos, processos e tenta enxergar o mundo de outra maneira. “Algumas coisas causam revoltas importantes, conflitos a partir de provocações do dia a dia: das coisas que ouço, vejo e são necessárias serem gritadas e não o são”, completa. “Hoje, nas cidades, se mata tudo que diverge em gênero e sexualidade, tudo que não tem fé no que é judaico-cristão, tudo que não tem a cor desejada. Se mata até a própria mata”, afirma Emerson. Uýra luta contra esse tipo de pensamento e de comportamento e com um grito de liberdade deixa seu recado: cada um pode ser o que quiser!
Imagens: Matheus Belém
Fonte: ADUA
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