Data: 12/09/2017
Após uma série de problemas com interstícios acumulados, a questão da progressão e promoção na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) ganha um novo capítulo com a resolução 013/2017, que redefine as regras para o desenvolvimento na carreira. Ao suprimir atividades; reduzir pontuações para algumas e alterar radicalmente o texto de outras, a substituta da 005/2015 interfere profundamente no trabalho acadêmico e, consequentemente, na contribuição social da universidade. Um exemplo desse impacto é a supervalorização das atividades da área de administração em detrimento ao ensino, pesquisa e extensão, eixo fundamental da universidade brasileira.
Participante de um grupo de trabalho que discutiu a progressão e promoção no último Conselho do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Conad), a professora do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Ufam, Ana Lúcia Gomes, critica o impacto da nova resolução na dinâmica da universidade. “A atividade fim da universidade é o ensino, mas quando você pega a resolução quem está mais embaixo? Quem vai dar aula é que vai sofrer, quem não está nessa área administrativa será muito penalizado. Isso é gritante”, disse. Gomes apontou que a pontuação para o ensino é imensamente inferior à concedida para as atividades administrativas, o que já ocorria na resolução anterior e poderia ter sido corrigido. “Não sabemos também qual foi o cálculo para chegar às pontuações. Como eles chegaram, por exemplo, a esse 0,022 [por hora aula]. Por exemplo, a parte administrativa: que critério eles usaram para dar uma pontuação tão alta e por mês? Veja: 2,6 pontos por mês para quem é reitor, vice-reitor. E as outras atividades?”, questiona.
O 1º secretário do ANDES-SN e professor da Faculdade de Educação (Faced) da Ufam, Jacob Paiva, ressalta que a carreira docente deve prezar pelo fortalecimento da concepção de universidade pública, democrática, laica, autônoma, de qualidade e socialmente referenciada. “A carreira se articula com as atividades de ensino, pesquisa e extensão e também de gestão universitária, mas não podemos, na construção do processo da promoção e da progressão, priorizar ou supervalorizar um dos itens. Esses vários componentes que constituem o fazer acadêmico devem ter pesos equânimes. Senão a gente vai considerar que a pesquisa é mais importante que o ensino, que a extensão é mais importante que o ensino e a pesquisa”, afirma.
Especificidades
O texto das atividades de administração/representação e participação em bancas examinadoras foi um dos mais alterados (ver quadro na página 5) e preocupantes na opinião dos docentes. Entre os argumentos estão os de que a 013 acaba por beneficiar um determinado grupo dos professores; foi elaborada por poucos e aprovada às pressas sem a ampla e devida discussão na universidade. Além disso, o formato enxuto evidencia a falta de consideração das especificidades de cada curso.
Paiva alertou que as alterações em normas na docência universitária não podem ser feitas apressadamente e conforme os interesses de cada administração. “Esse processo não pode ser casuísta, é melhor que demore mais tempo e tenha mais diálogo com a comunidade para se tomar uma resolução do que fazer de forma apressada e, às vezes, lamentavelmente, para privilegiar determinado tipo de atividade, à qual estão ligadas as pessoas que estão ali com o poder de tomar essas decisões”, afirmou. Segundo o professor, tal situação pode gerar a supervalorização de determinadas atividades na universidade. “Daqui a pouco as pessoas vão menosprezar a sala de aula, já que ser administrador, pró-reitor, reitor pode render muito mais possibilidades de progressão e promoção do que efetivamente estar na graduação, na pós-graduação ou fazendo extensão nas comunidades, nos bairros, na zona rural”, afirma.
A geração de disputa por cargos dentro da universidade motivada por essa nova resolução é uma das graves consequências das novas regras e representa mais um golpe na identidade da universidade. “A resolução dá mais peso para administração, como se nós fossemos uma empresa. Antes, ninguém queria ser chefe, hoje está tendo briga para ser chefe, coordenador, hoje tem pessoas inventando programas para pontuar. E quem perde com tudo isso? É o aluno, porque os professores ficam inventando atividades, o objetivo final agora passou a ser atender a resolução”, critica Ana Lúcia.
A atividade fim da universidade é a produção e a socialização do conhecimento de forma qualitativa, ressalta o 1º secretário do ANDES. “Fundamentalmente as atividades de ensino, pesquisa e extensão é que devem merecer uma maior consideração na hora de avaliar o nosso trabalho para efeitos de progressão e promoção”, afirmou. Paiva comenta que a burocracia para atender às exigências é outro problema. “Em alguns lugares as administrações são mais realistas que o rei. Ninguém daqui está reivindicando um trem da alegria que qualquer pessoa possa progredir, ser promovido, sem ter as condições atingidas, mas a gente não pode admitir a colocação de critérios absurdos que vão impedir o professor de ser promovido, de progredir”.
Além de mudar alguns textos, a nova resolução não apenas desconsiderou a inserção de atividades como eliminou algumas antes contempladas. No texto referente à pesquisa, produção acadêmica, criação e inovação foram extintas, por exemplo, atividades como elaboração de projetos e relatórios de pesquisa; atuação de vice-líder de grupo de pesquisa, participação em eventos (congressos, simpósios, seminários, etc.) e conclusão de estágio de pós-doutorado. Já em extensão são identificadas mais perdas com a subtração de atividades como elaboração de projetos de extensão; registro e aprovação de relatório de programa e de projetos de extensão; participação em programas/projetos de extensão e coordenação de eventos (cursos de extensão, jornadas, seminários, exposições, etc). Além disso, as atividades de vice-coordenação de programas e projetos de extensão também deixaram de pontuar.
Outros Estados
No contato feito com docentes de seções sindicais de outros Estados, Ana Lúcia Gomes comenta que ficou evidente que a nova resolução penaliza o professor da Ufam. Nas federais de Sergipe e Maranhão, segundo ela, os relatos foram de que ocorreram reuniões e ampla discussão para a elaboração da nova resolução, diferente do que ocorreu na Ufam. “A resolução foi pouco discutida, foi feita por um seleto grupo. Você coloca na comissão de sete a oito pessoas, enquanto que na universidade temos mais de 40 cursos, você não atende todo mundo. O mínimo que você deveria ter era um representante de cada curso para saber as particularidades (...) Temos cursos variados, não dá para comparar Biologia com Artes, que tem outra metodologia, tinha que ouvir as pessoas, as atividades que elas desenvolvem”, disse.
A professora do ICB alertou que questões acadêmicas importantes não foram contempladas na 013/2017. “Nessa resolução, por exemplo, a EAD [Educação à Distância] não está contemplada. Hoje, 20% das disciplinas podem ser ministradas pela EAD, ela tinha que ser considerada, o trabalho dessas pessoas não está valendo para universidade”. Enquanto atividades de docência são desconsideradas pela nova resolução da Ufam, nos outros Estados a realidade é diferente. “Tudo contabiliza ponto. Em Sergipe, até a avaliação que os alunos fazem do professor. O aluno entra no portal e ele tem por obrigação escolher um professor para avaliar. Toda reunião de departamento conta ponto. A nossa não contempla”, comentou.
Com esse panorama, fica evidente que a nova resolução desconsidera a realidade do ensino na Ufam e acarreta prejuízos, não apenas para a carreira docente, mas para a qualidade do ensino na universidade, uma das principais bandeiras de luta da ADUA. A supervalorização da gestão em detrimento ao ensino não apenas descaracteriza o trabalho acadêmico como prejudica a plena execução da função social da universidade.
Fonte: ADUA
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