
Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real
A Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) publicou, nesta segunda-feira (10/11), uma nota de repúdio à posição assumida pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e por outras instituições estaduais que firmaram acordos de cooperação com a empresa Potássio do Brasil.
Segundo o documento, essas instituições “ao firmarem e celebrarem acordos de cooperação com a empresa Potássio do Brasil, concretizam a posição de alinhamento político e institucional a projeto de mineração que ameaça diretamente a integridade territorial, ambiental, cultural e os direitos fundamentais do povo Mura e de outros povos indígenas da Amazônia brasileira”.
A FAMDDI, entidade a qual a ADUA é integrante, reafirma seu compromisso com o Povo Mura e apresenta as seguintes reivindicações: Anulação imediata dos acordos com a empresa Potássio do Brasil, por representarem um ataque aos direitos dos povos indígenas, especialmente do povo Mura; Que a população amazonense, a sociedade civil e a comunidade acadêmica cobrem de suas instituições um compromisso ético; e que os órgãos de controle e o Sistema de Justiça investiguem e responsabilizem gestores e instituições que, cientes das ilegalidades e impactos, insistem em apoiar o empreendimento que é ataque a vida dos povos indígenas.
A ADUA e a FAMDDI têm mantido uma postura crítica sobre o tema, repudiando o apoio de instituições públicas de ensino à mineração em Terras Indígenas.
Leia a nota completa ou baixe o documento em PDF aqui.
NOTA DE REPÚDIO
UEA e IFAM FEREM A MISSÃO DE SUAS EXISTÊNCIAS
A Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI)¹ manifesta profunda indignação repúdio à posição assumida pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e por outras instituições estaduais², que, ao firmarem e celebrarem acordos de cooperação com a empresa Potássio do Brasil, concretizam a posição de alinhamento político e institucional a projeto de mineração que ameaça diretamente a integridade territorial, ambiental, cultural e os direitos fundamentais do povo Mura e de outros povos indígenas da Amazônia brasileira.
Atualmente, novos dados técnicos e jurídicos reforçam a gravidade e a ilegalidade do Projeto Potássio Autazes, cuja área de exploração sobrepõe-se ao território tradicional do Povo Mura, com impacto direto sobre a Terra Indígena Soares. Assim, manifestamos nossa solidariedade às organizações indígenas regionais e nacionais (OMIM, OIRMA, OLIMCV, FOREEIA, MEIAM, MAKIRA ËTA, COPIME, APIAM, COIAB e APIB), que vêm denunciando de modo firme e contínuo as violações de direitos e a má-fé institucional envolvida.
Em evento realizado no dia 16 de outubro de 2025, o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, afirmou que a parceria representaria “revitalização, desenvolvimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida”. Para a FAMDDI, é necessário questionar: que modelo de desenvolvimento é esse?
Quem se beneficia? Quem paga o custo ambiental e humano dessa escolha?
Ressaltamos que o sindicato de docentes da própria UEA já se manifestou contrário ao projeto, apontando seus riscos e inconsistências. Ao apoiar a iniciativa, UEA, IFAM e demais instituições estaduais1 alinham-se à conduta do governo estadual e da empresa em um movimento que abre precedentes perigosos para naturalizar a mineração em Terras Indígenas em todo o país, ampliando as ameaças sobre múltiplos povos.
O posicionamento de rejeição ao empreendimento, nesse caso no território Mura, não se trata de mera oposição e sim se fundamenta em dados sólidos, entre os quais:
Fracionamento indevido do processo de licenciamento ambiental;
Estudo de Impacto Ambiental com lacunas graves, incluindo ausência de avaliação sobre riscos de tremores e instalação de pilhas de rejeito em área inundável;
Ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada, conforme determina a Convenção 169 da OIT;
Sobreposição e proximidade da área de impacto com Terras Indígenas;
Incompetência legal do IPAAM para licenciar empreendimento de impacto interestadual e sobre áreas protegidas.
Adicionalmente, de 70% a 80% dos rejeitos da extração serão acumulados em grandes pilhas de sal tóxico a céu aberto, atingindo cerca de 25 metros de altura, magnitude comparável a um prédio de oito andares.
Estudos demonstram que tais resíduos possuem toxicidade cinco vezes superior à dos rejeitos que desencadearam o desastre de Brumadinho (MG), oferecendo riscos concretos de salinização de nascentes, igarapés e rios da bacia do Amazonas.
Laudos técnicos recentes (2024), elaborados por especialistas em geologia, engenharia florestal, biologia e antropologia, confirmam tais riscos. O laudo ambiental aponta que a Licença de Instalação nº 024/24 foi concedida de forma precipitada, ignorando a existência de Terra Indígena em processo de demarcação. O laudo antropológico demonstra repercussões severas sobre a organização social e a continuidade cultural do Povo Mura.
Não procede o argumento de que o país depende dessa mineração em território indígena para garantir sua segurança alimentar. Estudos da UFMG mostram que apenas 17% das reservas nacionais de potássio estão na Amazônia, e somente 11% se sobrepõem a Terras Indígenas. Há reservas suficientes fora dessas áreas para garantir a soberania nacional em fertilizantes até pelo menos 2100.
O conglomerado Potássio do Brasil busca legitimação social por meio de patrocínios, convênios e discursos de responsabilidade corporativa, obter apoios institucionais e deslegitimar a ciência, o território, a vida indígena e as lutas indígenas pelo direito de viver e ter seus territórios livres da opressão.
É muito grave o posicionamento defendido pelo reitor da UEA, em entrevista publicada no jornal A CRITICA (p.A2, edição de 8 de novembro de 2025), quando afirma que “a UEA é Universidade Sustentável Indígena”, na tentativa de justificar o acordo e o apoio institucional ao projeto da Potássio nas terras dos Mura.
Para a FAMDDI, a UEA nunca foi, não se esforça para ser e não é indígena ou dos indígenas. Se assim o fosse, não teria assinado tal acordo. O ato, consumado na declaração do reitor, exprime a verdade: a UEA nega os direitos indígenas, apropria-se inadequadamente da causa indígena para fechar parcerias e afasta-se do esforço de formar alianças a partir dos interesses e dos valores dos povos indígenas.
O verdadeiro desenvolvimento sustentável exige respeito aos direitos territoriais, proteção dos ecossistemas e soberania alimentar construída com justiça socioambiental, não às custas da destruição dos povos que há séculos mantêm viva a floresta.
Diante dessa realidade de ameaças e de ataque a preceitos constitucionais, a FAMDDI reafirma seu compromisso com o Povo Mura da Resistência e reivindica:
1. À Reitoria da UEA e do IFAM: Anulação dos acordos por serem parte de um mecanismo que consagra uma política de ataque aos direitos dos povos indígenas e, em particular, do povo Mura, submetendo-os ainda mais a conflitos, adoecimentos e mortes; e retratação pública pela violação de direitos e pelo desrespeito à autonomia indígena e ao conhecimento acadêmico crítico.
2. À população amazonense, sociedade civil e comunidade acadêmica: Que cobrem de suas instituições compromisso ético. O silêncio neste momento é cumplicidade.
3. Aos órgãos de controle e ao Sistema de Justiça: Investigação e responsabilização de gestores e instituições que, cientes das ilegalidades e impactos, insistem em apoiar o empreendimento.
Manaus, 10 de novembro de 2025.
FRENTE AMAZÔNICA DE MOBILIZAÇÃO EM DEFESA DOS DIREITOS
INDÍGENAS (FAMDDI
¹ - A FAMDDI, movimento da sociedade civil composto por organizações indígenas, indigenistas e movimentos sociais, foi constituída em dezembro de 2018, em espaço público e simbólico da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com o propósito de fortalecer a articulação e a vigilância permanente em defesa dos Direitos Indígenas.
²- Outros órgãos estaduais que apoiam oficialmente o projeto são: a Secretaria de Estado de Energia, Mineração e Recursos Hídricos (Semir), o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), o Instituto Federal do Amazonas (Ifam), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Amazonas (Sebrae-AM), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Amazonas (Senar-AM); o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Amazonas (Senai-AM).
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