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O interesse privado desestimula a sensibilidade crítica na universidade, segundo docente



Data: 06/05/2015

Nesta entrevista, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Flávio Henrique Albert Brayner discorre sobre os impactos sofridos pela universidade com a sobreposição dos “interesses individuais” ao interesse público e o desestímulo que a tentativa de comparação entre educação e produção acarreta para a sensibilidade crítica. Flávio Brayner esteve à frente da palestra “A Universidade que temos e a que não queremos”, proferida durante o 4º Encontro das Seções Sindicais da Região Norte 1, do ANDES-SN realizado, em Manaus, entre os dias 29 e 30 de abril. Brayner faz um alerta ainda sobre os perigos da produtividade acadêmica.

No artigo “A universidade que não queremos” o senhor afirma que o mais indesejável futuro para a universidade é a transformação da mesma de um lugar do “como pensar” em outro, o do “como fazer”. Na greve docente de 2015, a Ufam vivenciou a sobreposição dos interesses políticos individuais aos coletivos, suplantando o debate e a busca de uma educação pública, gratuita e de qualidade. Como o senhor avalia essa situação?

Ao defender a universidade do “como pensar”, não estou, para iniciar a conversa, oferecendo regras para o “bem pensar” ou um “método” de se abordar a realidade. Muito menos definindo os conteúdos deste pensar (o quê pensar), que restarão, felizmente, matéria aberta e submetida à pluralidade dos pontos de vista e interesses sociais. Faço apenas o contraponto entre meios e fins da vida universitária. A universidade, diferentemente da produção fabril, não é o lugar do como fazer (técnica) ou, para usar um termo mais sofisticado, da “razão instrumental”; mas o lugar institucional (e esta institucionalidade precisa ser discutida, porque ela produz a diferença entre saber e conhecimento) onde nos afastamos da facticidade da vida ordinária (o mundo da produção e da troca) para pensar se os fins que desejamos e projetamos para nossas ações, inclusive técnicas, são desejáveis. Quer dizer, o lugar onde supostamente dispomos de meios judicativos e conceituais capazes de nos oferecer critérios e balizas para a avaliação moral dos fins e suas consequências sociais. Por isto, uma universidade não pode ser senão “pública”, como apontei no artigo. Mas quando os “interesses individuais” (“naturalmente” presentes em qualquer instituição, na verdade) se sobrepõem ao interesse público, o “Bem Comum” republicano, o risco que corremos é o de que os “Meios” se tornem a força hegemônica de nossa razão de ser e não tenhamos mais condições de julgamento moral dos Fins. O interesse privado suprime da universidade seu sentido republicano; desestimula a sensibilidade crítica ao imaginar que educação e produção são compatíveis.

Em 2015, ainda durante a greve, a Ufam sofreu um duro ataque contra a sua Autonomia. Um grupo de docentes contrários ao movimento impediu, através de decisão judicial, a suspensão das aulas, prejudicando diversos estudantes. Em sua opinião, artifícios como a judicialização adotada na Ufam têm relação com a substituição dos fins pelos meios, sendo os fins formatados apenas para esconder os meios?

Quando trocamos os fins pelos meios, é porque abrimos mão de nossas utopias para viver o reino do “eterno retorno” do mesmo. Não há mais futuro com suas promessas de reconciliação, há um eterno presente sobre o qual alimentamos a ilusão de mudança com a ideia de “inovação” técnica, que não tem mais nada a ver com a emergência do “novo”, do insólito, do não pensado, da ruptura. Assim, segundo aspecto, não precisamos mais de “crítica”. Se a crítica era aquilo que se situava entre um passado a ser superado, um presente a ser denunciado e um futuro a ser anunciado, numa época em que o “presentismo” domina nossa relação com o tempo, a universidade deixa de ser formadora, para ser apenas produtora (de bens a produtos eternamente “inováveis” e eternamente consumíveis). É o fim também da política, substituída pela tecnocracia! A judicialização da política é apenas o primeiro passo de retirar a política de sua esfera “normal”, a praça pública, e confiná-la na decisão “técnica” (jurídica) e nas mãos de especialistas. A política se torna uma atividade supérflua e indesejada porque produtora de dissensos e conflitos.

Para a universidade quais devem ser os impactos políticos futuros do desaparecimento da “crítica”, da “democracia” e do “público” fomentado pelo mundo novo que a universidade ajudará a nascer?

Trazer a democracia para o interior da universidade foi uma proeza de nossa modernidade tardia (e 1968 tem muito a ver com isto!), reduzindo hierarquias, horizontalizando pedagogias, discutindo a validade de seus conteúdos e, sobretudo, abrindo a universidade para a sociedade (extensão). Tudo isto terá fim com a junção de tecnocracia com meritocracia, concepção que ganha cada vez mais adeptos em nosso meio. E as pessoas que serão educadas neste novo modelo, provavelmente o acharão tão legítimo como nós o achamos detestável. De qualquer forma, ele faz parte de um “Admirável Mundo Novo” que está surgindo, com sua linguagem, sua relação com a realidade, com seus projetos de subjetivação.

No aspecto político quais são os riscos de uma “universidade que não pensa”?

Pensar é, de certa forma, romper com os automatismos de nossas habituais respostas aos estímulos que aparecem no horizonte social. É tomar um susto consigo mesmo, uma “ad-miração”, um voltar a se encantar e se assustar com o mundo que supúnhamos “natural”, “já dado”. Quanto à uma “universidade que não pensa”, deixo para os leitores a conclusão...

Fonte: ADUA



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