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  23/07/2024



Emancipação da classe demanda debate sobre gênero e sexualidade



 

 

 

Texto e Fotos: Daisy Melo

 

A resistência à inclusão dos temas sexualidade e gênero nos debates da classe trabalhadora foi uma das questões debatidas durante a “Roda de Conversa Diversidade e Unidade na Luta”, promovida pela ADUA no dia 05 de julho, no auditório da Seção Sindical. O encontro teve como convidadas a professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e integrante do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, Letícia Nascimento, e a transsexual não binária e secretária LGBTQIAPN+ no Amazonas do Partido Socialismo e Liberdade (Psol Amazonas), Álex Sousa.

 

“Quando tentamos pautar sexualidade e identidade de gênero dentro da luta revolucionária, muitas vezes, há resistência. E isso não ocorre somente com a direita que tem uma resistência conservadora e tenta a todo momento desmobilizar nossas lutas, mas dentro da própria esquerda (...) militantes mais à esquerda, muitas vezes, colocam de lado o debate da identidade de gênero, percebemos uma resistência quando tentamos pautar esse debate que é segregado até entre a classe trabalhadora”, comentou Álex, que abordou as “Lutas por Respeito à Diversidade Sexual na Perspectiva da Emancipação do Gênero Humano”.

 

Neste âmbito, a professora Letícia destacou que sexualidade e gênero são classificados, muitas vezes, entendidos como “outras lutas”. “Na concepção de alguns sindicalistas, marxistas, socialistas, existiria uma luta principal. Mas, eu não posso ser apenas uma mulher pobre, da força de trabalho. É indissociável a questão da negritude e da transexualidade, em nenhum momento fui apenas classe trabalhadora. Pelo contrário, foi mais fácil desenvolver uma consciência de raça e de transgeneridade do que minha consciência de classe, porque foi o que mais me afrontou ao longo da minha existência”.

 

Mas, a militante ressalta que não basta dizer apoiar a causa. “É fato que a esquerda está mais próxima da luta LGBTQIAPN+, mas isso não significa que estar presente nesse espaço fez com que as opressões deixassem de existir, senão não teríamos companheiras da militância denunciando, por exemplo, transfobia”. Neste aspecto, Letícia também tece críticas. “É interessante, por exemplo, os partidos políticos se colocarem como defensores das pautas LGBTs, mas na hora de decidir quem irá concorrer atuam de maneira discriminatória, e continuam escolhendo homens”.

 

Álex destaca que a emancipação da classe trabalhadora demanda a consideração às suas especificidades. “A realidade de uma pessoa trans no mercado de trabalho, no sistema capitalista, é diferente da realidade de uma pessoa cisgênero (...) Apesar de trabalharmos na coletividade, precisamos dar atenção qualificada às especificidades: raça, gênero, sexualidade, cultura e religião, tudo precisa ser levado em consideração para que possamos fazer com que a luta revolucionária consiga agregar cada vez mais”, comenta a secretária LGBTQIAPN+ do Psol.

 

A ausência da integração da pauta sexualidade/gênero promove a falta de adesão à luta da classe trabalhadora, segundo a docente da UFPI. “Isso historicamente tem afastado as pessoas da luta sindical, porque não é interessante estar em um sindicato que não entende a urgência de todas as opressões sofridas, em um espaço que eu vou ser considerada pela metade, que não considere que sou negra, trans, pobre, de candomblé, eu preciso de um sindicato que lute 100% por aquilo que eu sou”, frisa.

 

A escolha por ignorar as especificidades da classe trabalhadora fortalece o neoliberalismo, afirma a diretora do ANDES-SN. “Quando nós não trabalhamos essas questões numa perspectiva de classe, excluímos as pessoas dos nossos espaços, impedimos que elas desenvolvam uma consciência de classe e ainda possibilitamos que sejam arrebatadas por setores liberais. Isso fortalece os debates neoliberais que conseguem com muita rapidez se apropriar das nossas pautas, porque nós permitimos”.

 

Abrir espaço para as pessoas LGBTQIAPN+ significa aperfeiçoar a luta, segundo Álex. “É enfatizando, respeitando, descontruindo o que foi posto sobre sexualidade, o que é ser uma pessoa ‘aceitável’ na sociedade, que iremos conseguir alcançar novos pares, é por isso que às vezes não alcançamos a comunidade LGBTQIAPN+”. Para Letícia, a discussão de temáticas como machismo no âmbito sindical é um exemplo positivo. “As mulheres sofriam inúmeras situações de assédio dos companheiros, o debate de gênero fortaleceu a presença das mulheres no sindicato, porque elas começaram a se sentir mais seguras”.

 

 

Representatividade

 

Desmontar o discurso da direita de “ideologia de gênero”, por exemplo, que se espalhou pela sociedade é um desafio que tem relação direta com o estímulo do debate sobre sexualidade. “Demanda atenção em colocar as pessoas LGBTQIAPN+ para falar sobre essa questão, mas não apenas colocar uma pessoa para falar sua experiência individual, isso não define a comunidade, é perigoso, não precisamos de representatividade simbólica, mas com conteúdo, que afirme o compromisso com a vida de todas as pessoas independentemente de classe, raça, gênero e sexualidade”, comenta Álex.

 

Outro desafio, segundo ela, é desmitificar a ideia de que as pessoas LGBTQIAPN+ em posições políticas estão aptas apenas para tratar sobre temas de gênero. “Precisamos quebrar esse estereótipo, e nos organizar enquanto movimento para fazer com que a sociedade nos enxergue como pessoas capacitadas a representar outras pautas, sem segregação. A gente é mais do que LGBTQIAPN+, é cidadã, é classe trabalhadora, e não vamos parar enquanto não conseguirmos transformar a sociedade”.

 

A Ditadura e a defesa da moral e dos bons costumes

 

Durante a Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985), a repressão não se restringiu às(aos) pessoas ligadas a movimentos e partidos políticos, frisa Letícia, que tratou também durante a roda de conversa sobre “Violência do Estado contra os corpos LGBTQIAPN+ em tempos do Golpe Empresarial-Militar”. “A travesti que estava na esquina, na prostituição, foi presa durante a Ditadura não porque era comunista, porque leu Marx, porque estava em alguma célula de partido, mas porque era travesti”.

 

A docente explica que a Ditadura deu suporte à perseguição das pessoas LGBTs com o intuito de manter o país numa perspectiva conservadora. “O fantasma do comunismo que rondava nosso país veste também as cores do arco-íris, era o medo de que com o comunismo todas as pessoas seriam LGBTs, seriam depravadas, não teriam moral, era a defesa da moral e dos bons costumes, porque o comunismo acabaria com tudo isso, todos esses fantasmas são invocados”, comenta.

 

Na mesma esteira da repressão às(aos) homossexuais estava também a determinadas manifestações artísticas. “Nós fazemos política com nossos corpos, com a arte. A direita, os conversadores entenderam que isso balançava a estrutura dominante, por isso queria fechar os teatros, as rodas de samba e de capoeira, porque tudo isso representava o perigo à ordem vigente”. A ideia era inibir essas movimentações.

 

Neste aspecto, foi durante o período ditatorial em que ocorreram algumas operações policiais. “Tivemos a Operação Sapatão em 1980 nas ruas de São Paulo, quando foram presas cerca de 200 mulheres que estavam em um bar conhecido por ser frequentado por lésbicas. Elas foram fichadas, foi um alerta. Tivemos a Operação Tarântula especializada em prender travestis em zonas de prostituição no Rio de Janeiro, era uma tentativa de impedir essas pessoas a saírem nas ruas, uma maneira de conduzir para a moralidade”, conta a diretora do ANDES-SN.

 

A intenção era, portanto, abafar o surgimento de movimentos sociais. “Se não houvesse o AI-5 [Ato Institucional n. 5], é provável que o movimento LGBT teria surgido antes”. Mas houve quem resistiu, enfrentou e afrontou o regime. Letícia citou como exemplos o jornal Lampião da Esquina, representante da imprensa marginal do período; a escritora lésbica Cassandra Rios que teve inúmeras obras censuradas, e os Dzi Croquetes, grupo artístico formado por homens que incentivavam uma masculinidade não hegemônica.

 

“Aquilo também era perigoso, ter um homem rebolando e dançando na televisão, passando batom, vestido outras roupas. Toda essa repressão não ficou apenas restrita às pessoas que tinham participação em atos políticos houve também repressão e violência contra pessoas LGBTs, mulheres, negra, a cultura, a arte. E é por isso que nós devemos seguir em luta na defesa dos nossos direitos, para que isso não volte a acontecer. Ditadura nunca mais”.

 

 



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