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Terceirizados na Ufam sofrem com as más condições de trabalho



Data: 30/03/2016

Eles pertencem a um grupo de centenas de trabalhadores vinculados às empresas de médio e pequeno porte contratadas pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) para a prestação de serviços como limpeza e conservação, segurança patrimonial, entre outros, mas sabem como ninguém o que é conviver diariamente com a falta de respeito e as más condições de trabalho. Responsáveis pela limpeza, os terceirizados da empresa ADAP Serviços de Limpeza Ltda., que atuam no Campus da Ufam desde 2013, trabalham oito horas por dia, descansam debaixo de árvores ou no chão de salas de aula, e guardam material de expediente e itens pessoais em lugares inadequados. Egressos de linhas de produção das fábricas do Distrito Industrial, dos canteiros de obras da construção civil e da área de serviço de casas de família esses trabalhadores viram na terceirização uma “tábua de salvação” para continuar sustentando os filhos depois que o avançar da idade lhes fechou as portas para a contratação direta.

Agente de limpeza na Faculdade de Estudos Sociais (FES), há um ano e três meses, Cláudia Gomes*, 52, conta que trabalhou por 16 anos no Distrito, antes de trabalhar como terceirizada. “Fui industriária por muito tempo, mas para a minha idade o Distrito acabou. Trabalhei em casa de família e pela primeira vez sou terceirizada”, lembra.

Segundo Cláudia, a discriminação por parte dos professores, alunos e técnico-administrativos foi o primeiro choque ao atuar na modalidade dentro da Ufam. Indiferença, xingamentos proferidos pelos discentes dentro dos banheiros e olhares de desdém de alguns docentes, de acordo com ela, são recorrentes. “Tem professor que discrimina e trata a gente diferente só porque tem mestrado e doutorado”, desabafa.

A também agente de limpeza, Soraia Nunes*, 33, que há dez meses trabalha na universidade, afirma que apesar do constrangimento, não adianta levar ao conhecimento do encarregado os maus tratos sofridos por elas no dia a dia. “Os alunos e servidores sempre estão com a razão”, explica.

Sem um local onde possam fazer as refeições, os terceirizados da limpeza e conservação almoçam onde dá. Alguns, de vez em quando, se arriscam à ir a copa do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), mas como o espaço é exclusivo para os servidores da instituição, a presença deles gera incômodo. “Como a copa é para os funcionários, eles não podem usar. O problema é que existe a questão da economia. Eles já ganham pouco, se todo dia gastarem com alimentação, acabam ganhando quase nada no final do mês”, ressalta uma servidora que acompanha de perto as dificuldades pelas quais os terceirizados passam.

Para a agente de limpeza, Sônia Fernandes*, 38, “a Ufam tinha por obrigação ter um canto para receber os terceirizados durante o almoço, independente se a comida consumida é comprada ou trazida de casa”.  Sônia reclama também da ausência de um vestiário e de uma sala onde os trabalhadores possam ficar durante as duas horas de almoço.

“Hoje, a gente não tem um local para trocar de roupa ou para guardar nossos objetos pessoais. O que a gente faz é usar a roupa por baixo da farda, porque quando o banheiro está trancado tiramos o uniforme no corredor mesmo. Para cochilar, improvisamos uma cama de papelão no chão da sala de aula. Às vezes, acordarmos e tem uma rodinha de alunos nos olhando”, conta.

Mas a falta de infraestrutura - com os trabalhadores sendo obrigados inclusive a esconder os produtos de limpeza e vassouras nos banheiros por falta de um depósito - ou a discriminação, que ocorre até nas redes sociais, não são os únicos obstáculos enfrentados pelos agentes terceirizados. Até nos casos em que a legislação trabalhista os contempla, como por exemplo o direito de ter as faltas abonadas mediante a apresentação de atestado médico e a instalação de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), há dificuldades.

De acordo com os trabalhadores, quem sofre um acidente de trabalho ou adoece precisa obrigatoriamente entregar o atestado médico no escritório da empresa, no Parque das Laranjeiras, mesmo havendo a presença de encarregados da Adap, em cada bloco da Ufam. Segundo eles, devido à burocracia, muitos terceirizados acabam trabalhando doentes. A instalação obrigatória da CIPA, conforme determinação da Norma Regulamentadora (NR5), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também é descumprida dentro da universidade. A Comissão, que segundo a legislação, “tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador”, deveria ser aplicada também “aos trabalhadores avulsos e às entidades que lhes tomem serviços”. O que não acontece, de acordo com os trabalhadores.

Segundo o gerente administrativo da Adap, em Manaus, Elvanir Maquiné, a disponibilização de um local para que os funcionários troquem de roupa e armazenem pertences pessoais não faz parte do contrato de prestação de serviço assinado com a Ufam. Ele afirma ainda que um ofício foi encaminhado à universidade para que a mesma viabilizasse um espaço com essa finalidade.

“Recentemente fomos acionados pelo Ministério do Trabalho, durante auditoria rotineira, sobre a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de um local para almoço e descanso, mas explicamos que cerca de 70% dos trabalhadores mora no Coroado e costuma almoçar em casa e que não está previsto no contrato o fornecimento deste espaço. O que fez o Ministério entender que cabe a Ufam viabilizá-lo”, afirmou o gerente administrativo da Adap.

Elvanir explicou ainda que casos de extravio de atestados médicos pelos encarregados levaram a prestadora a tornar obrigatória a entrega do documento exclusivamente no escritório da empresa. Sobre a discriminação sofrida pelos trabalhadores, o gerente destaca que a orientação é de que os mesmos não entrem em conflito, mas relatem ao encarregado os maus-tratos. “O encarregado, a partir da comunicação faz um ofício, encaminha à Prefeitura do Campus pedindo que o autor seja identificado e assine um termo de compromisso”, informou, destacando que um caso foi registrado em 2015 e dois em 2014.

Para o vice-presidente da ADUA, professor Lino João de Oliveira Neves, a terceirização não é algo novo e já existe na Ufam há muito tempo, com exemplos clássicos como as cantinas, os lavadores de carros e os vendedores ambulantes de trufas. “O sindicato é contrário à terceirização porque ela significa a precarização das relações de trabalho como um todo. A Ufam como universidade pública e socialmente referenciada não poderia adotar uma terceirização onde o direito trabalhista está precarizado”, afirma.

O vice-presidente ressalta ainda que os serviços prestados por terceiros são apenas uma parte da terceirização dentro da Ufam. Segundo Lino João, é ainda mais preocupante, pois consiste na venda de serviços às empresas privadas, pelos próprios professores, que utilizam não só a estrutura da Ufam e a titulação custeada com recursos públicos, como o horário que deveriam estar dedicando à instituição. “Nesses casos faz-se um julgamento errado, porque o professor diz que aquele horário de trabalho que ele está atuando no projeto é uma ação de pesquisa dele, quando na verdade está muito claro que ele está vendendo serviço e não fazendo pesquisa”, afirma.

Como se não fosse suficiente, de acordo com o vice-presidente da ADUA, o nome da Ufam e o prestígio trazido por ele também acabam sendo utilizados por certos docentes para terceirizar serviços à iniciativa privada. “O nome da Ufam é o que importa. Por que as empresas não procuram docentes das instituições particulares para consultorias? Porque elas não têm credibilidade acadêmica nenhuma. Então, além de tudo, há o fato de ser um doutor da Ufam. E isso é terceirização, sim”, criticou.

Custos
Principal argumento usado pelos simpatizantes ao Projeto de Lei nº 4.330, que entre outros pontos torna possível a terceirização também das atividades fim nas empresas e no setor público, a redução de custos, é vista com descrença pelo especialista em administração financeira, mestre em gestão de custos e professor da Ufam, Manoel Martins do Carmo Filho.
 
De acordo com o especialista, é inviável a adoção de uma postura meramente preocupada com a economia de custos, já que para se atingir este objetivo seria necessário a contratação dos trabalhadores por uma remuneração tão baixa, a ponto de contemplar uma redução real de gastos.

“Não creio que haja essa economia tão apregoada e em princípio não se pode também ficar só falando como um mero redutor de custos, que é o artifício criado atualmente. Em primeiro lugar para se chegar a esse cenário seria necessário que os valores das contratações fossem aviltados. A atividade é necessária e portanto tem que ser executada. Então, não vejo nenhuma possibilidade de redução de custo”, afirma Filho.

Um dos pontos polêmicos do PL, previsto no artigo 10 e que torna a contratante “subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços” é apenas um dos exemplos de como as empresas públicas e privadas poderão ter seus gastos ampliados, a partir da terceirização.

Já empregado na iniciativa privada, segundo o especialista em gestão financeira, o princípio da solidariedade exposto no artigo 10 do PL faz com que as empresas assumam a responsabilidade de fiscalizar se as terceirizadas estão cumprindo as obrigações trabalhistas e se a contratada goza de situação financeira necessária ao cumprimento destas obrigações. “A fiscalização não se restringe somente à adimplência e obrigações trabalhistas e previdenciárias. Há necessidade de se verificar também a saúde financeira dessas empresas, o que é um dos maiores problemas. Nas contratações e no serviço público acho que esse é o grande dilema, pois há uma preocupação muito grande de qualificar o fornecedor por ocasião da contratação e acaba ocorrendo um artificialismo nas informações, com a criação de números fictícios para aparentar uma boa performance financeira que não existe”, destaca o especialista.

De acordo com Filho, dentro da Ufam, o caso recente da empresa de limpeza e conservação Rudary é um exemplo da não observação da saúde financeira das terceirizadas ao longo do contrato e que acabam deixando o gestor público de “mãos atadas”, uma vez que qualquer medida adotada por ele como, por exemplo, a retenção de uma parte do contrato, complicará ainda mais a situação. Em outubro de 2013, mais de 70 funcionários da Rudary fecharam por duas vezes, em menos de uma semana (foto), o acesso ao Campus Universitário para reivindicar o pagamento de férias e salários atrasados, assim como, o registro das demissões em carteira. Somente após a concessão de uma liminar pela Justiça Federal, os trabalhadores puderam receber diretamente da universidade os proventos reivindicados.

“Por todas essas questões eu, particularmente, não vejo economia e sim um risco. E ainda uma possibilidade maior de aumentar algum custo, pois a lei ao remeter ao gestor a obrigação de fiscalizar o contrato, torna necessária a criação de setores especializados dentro da gestão pública. Setores esses, que hoje, não existem dentro das instituições, incluindo a Ufam, que tem sua Controladoria e Departamento de Auditoria Interna limitados a ações focadas na atividade-fim, precisando aumentar o escopo e tornar os funcionários mais habilitados para fazer esse tipo de fiscalização”, alerta, Filho.
 
Para o especialista, a definição efetiva dos serviços que poderão ou não ser terceirizados é essencial para que se mensure o aumento de custos acarretado pelo novo modelo. Atividades consideradas meio, dentro da universidade, como por exemplo, a infraestrutura de apoio, composta por secretarias, caso terceirizadas podem ser tão prejudiciais quanto a terceirização dos professores em sala de aula. “A infraestrutura de apoio apesar de considerada uma atividade -meio é uma atividade-fim, pois se ela não for bem desenhada dentro da arquitetura da universidade, pode sofrer uma solução de continuidade, já que para ter uma boa atuação em sala de aula o professor depende muito do apoio dessas atividades de suporte”, esclarece.

A contratação com caráter temporário do professor substituto, dentro da Ufam e nas demais universidades públicas brasileiras, mesmo não configurada como terceirização, também não pode deixar de ser observada como algo “deplorável”, de acordo com Filho. Contratados por um pequeno espaço de tempo e submetidos ao mesmo nível de exigência feito a um professor de carreira, esses docentes, acabam não se comprometendo com a instituição. “Isso, no meu ponto de vista, acaba sendo muito danoso para o estudante, pois acontece de o professor substituto desistir no meio do processo, e ser necessário retomar a contratação do início”, destacou.
Para Filho a falta de locais para descanso e almoço configuram problema de gestão.

Tendência

Por acreditar que a terceirização não pode trazer nenhum risco e nenhum aumento de custo às contas e à administração públicas, o mestre em administração e professor da Ufam com experiência em finanças públicas Raimundo Nonato Pinheiro afirma que o “PL 4.330/ 2004 não trata da questão fiscal, portanto não tem em si nenhuma influência direta em proporcionar economia ao governo”.

Segundo Pinheiro, a terceirização é uma tendência mundial e apenas no Brasil ainda está restrita às atividades-meio, o que acaba dificultando a conceituação dos serviços.

Terceirizado da Ufam reverte na Justiça demissão por justa causa

Funcionário terceirizado pela empresa Global Service Segurança e Vigilância Ltda., uma das prestadoras de serviço na Ufam, por dois anos e dez meses, o vigilante Edilson Albuquerque conta que precisou recorrer à Justiça do Trabalho para receber a rescisão a que tinha direito, após uma demissão por justa causa injustificada.

O registro feito por Edilson no livro de ocorrências sobre irregularidades no posto de serviço, a sede da TV Ufam, renderam ao funcionário uma demissão por justa causa sob a alegação de insubordinação. O trabalhador reclamou sobre a demora na oferta de um vigilante substituto para idas ao banheiro e falta de fardamento, assim como ausência do balístico que protege o segurança contra projéteis.

“Houve um dia que pedi às 8h30 um apoio para ir ao banheiro e só fui atendido às 11h30, fato que registrei no livro. O fardamento, deve ser trocado a cada seis meses, mas só era feito a cada dez, isso se tivesse todas as peças. Meu colete balístico, rasgou e passei oito meses usando só a capa, fingindo estar protegido”, relembra.

Lotado no mesmo posto de serviço desde a admissão, no dia 1º de janeiro de 2012, o vigilante afirma ainda que estava doente quando foi desligado da empresa no dia 12 de novembro de 2014 e que dias antes foi obrigado a trabalhar mesmo tendo liberação médica, irregularidade também registrada por Edilson no livro de serviço. “A alegação foi de que se eu estava doente, não deveria ter ido. E como fui teria que ficar. Registrei no livro o caso e o inspetor assinou e carimbou”, afirma.

Segundo Edilson, mesmo com direito à uma hora de almoço e intervalos de dez minutos à cada uma hora trabalhada, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o único intervalo que tirava, durante a jornada diária das 7h às 19h, era os 15 minutos cronometrados pela chefia para o almoço. “Para evitar ser chamado atenção, eu até evitava ir ao banheiro. Geralmente ia ao banheiro apenas duas vezes ao longo do serviço, porque a gente fica tão abalado com medo de pegar a conta que acaba abrindo mão dos direitos”, conta.

Em dezembro de 2014, Edilson deu entrada na Justiça do Trabalho no pedido de reversão da demissão por justa causa, com a primeira audiência ocorrendo em janeiro de 2015. Durante a audiência, o vigilante afirma que a representante da empresa mais uma vez alegou insubordição para justificar a demissão. Porém, sem provas e nem testemunhas, a Justiça concedeu ao ex-vigilante a reversão da justa causa e o direito ao seguro-desemprego e ao FGTS.

PL da terceirização tramita no senado desde abril de 2015

A redação final do projeto de lei que regulamenta a terceirização nas empresas foi aprovada pela Câmara dos deputados em abril de 2015 e chegou ao Senado no dia 28 do mesmo mês. Cercado de polêmicas, o texto deve passar por alterações dos senadores e tramitar de forma lenta na Casa.

A proposta estava parada na Câmara havia 11 anos e foi resgatada pelo presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Entre os pontos mais polêmicos da matéria aprovada pelos deputados está a emenda que permite que as empresas contratem trabalhadores terceirizados para atividades-fim.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) chegou a criticar a “pressa” com que o texto foi aprovado na Câmara e disse que a permissão para a terceirização da atividade-fim representava uma “pedalada no direito do trabalhador”. Na época, Calheiros chegou a afirmar que a matéria terá “uma discussão criteriosa no Senado”.

Antes de ser encaminhado ao plenário do Senado, o projeto de lei deve ser analisado pelos senadores nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Econômicos (CAE), Assuntos Sociais (CAS) e Direitos Humanos (CDH).  Uma sessão temática em Plenário também deve ser convocada para debater a proposição com os senadores. A data do debate ainda não foi definida.

Pelas normas do Congresso Nacional, um projeto de iniciativa de uma das Casas e aprovado com alterações na outra, deve ser submetido à nova análise pelos parlamentares de origem. Caso o texto da terceirização seja aprovado pelo Senado com qualquer alteração, terá de retornar à Câmara para que os deputados decidam se aceitam ou não a mudança proposta na matéria.

Diante da possibilidade de o projeto de lei vir a ser alterado no Senado, Cunha afirmou que a última palavra sobre o texto seria da Câmara, em razão de a proposta ser de autoria de um deputado federal.


* Nomes fictícios para preservar a identidade dos informantes.

Fonte: ADUA



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