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  04/12/2023



Mobilização estudantil reivindica melhorias na Ufam



 

Estudantes da Ufam em Parintins protestam após anúncio de corte de orçamento para auxílio acadêmico - Foto: divulgação

 

Sue Anne Cursino

 

Da resistência contra a implantação do golpe empresarial-militar, na luta pelo retorno do estado democrático com as “Diretas Já”, até a participação no recente movimento “Ele Não”, a categoria estudantil brasileira permanece engajada na mobilização pela transformação social.

 

Em conjunto com docentes, as entidades estudantis, como os Diretórios Centrais (DCEs), Uniões Estaduais (UEEs) e Centros Acadêmicos, têm desempenhado papel fundamental na defesa da educação pública. Não à toa uma palavra de ordem comumente é ouvida nas manifestações: “A nossa luta unificou. É estudante junto com trabalhador”.

 

Mobilizações recentes como a greve na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e paralisações nas universidades paulistas USP e Unicamp, assim como as ocupações na Federal do Maranhão (UFMA) e no campus de Porto Velho da Federal de Rondônia, refletem as demandas por cotas, melhoria na infraestrutura, ampliação das políticas de permanência estudantil e contratação de docentes. Essas bandeiras de luta perpassam pela defesa da Educação Pública atrelada à necessidade de recomposição do orçamento da Educação, pautas também levantadas pela categoria docente.

 

No Amazonas o cenário não é diferente. Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) são muitos os desafios enfrentados pela comunidade acadêmica, com problemas já enraizados e que se agravam com o passar dos anos, intensificados pelo desmonte da educação pública.

 

As demandas e desafios enfrentados evidenciam a importância do movimento estudantil na reivindicação de condições de permanência na universidade, espaço hoje também ocupado por ribeirinhos(as), indígenas, quilombolas, amazônidas, filhos e filhas da classe trabalhadora.

 

Universidade multicampi

 

Presente em cinco campi no interior do Amazonas (Benjamin Constant, Coari, Itacoatiara, Humaitá e Parintins), além da sede em Manaus, a federal do Amazonas reúne mais de 20 mil estudantes em cursos de graduação e 2 mil na pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) e lato sensu.

 

A resistência estudantil cobra soluções para os problemas que desafiam a qualidade do ambiente acadêmico, como a precariedade em infraestrutura, disparidades na distribuição de auxílios acadêmicos entre os campi, falta de servidores(as) e de diálogo da reitoria, problemas de segurança, transporte e acessibilidade para pessoas com deficiência (PcD).

 

Para fomentar o debate, a ADUA conversou com integrantes de movimentos estudantis que revelam um cenário multifacetado da Ufam a partir das suas experiências.

 

ISB

 

Com perucas coloridas e narizes vermelhos, estudantes do curso de Enfermagem do Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) em Coari realizaram uma mobilização no dia 27 de outubro por melhores condições na estrutura. Os e as estudantes denunciaram diversos problemas no ISB que incluem a necessidade de ativação do elevador e do gerador de luz para o campus II; uso das salas de estudo e ambulatórios, que atualmente servem como depósitos; aquisição de materiais para laboratórios de saúde; aumento no número de vagas para o curso de Enfermagem e permanência do estágio em Manaus.

 

“Nós estamos profundamente indignados com a crônica falta de recursos que ameaça a sobrevivência da universidade. A escassez de investimentos compromete a qualidade do ensino e prejudica o futuro acadêmico, nos sentimos frustrados e desamparados diante dessa situação alarmante. Temos dois campi, mas o orçamento que enviam é para arcar com o custo de apenas um, vivemos um sufoco”, afirma a vice-presidente do Centro Acadêmico de Enfermagem, Milena Souto. Na opinião da discente, a falta de diálogo entre estudantes e a Administração Superior revela uma lacuna significativa.

 

Cartazes e faixas denunciaram a falta de bebedouros, livros, chuveiros e problema em lâmpadas da biblioteca. Também foram citadas inoperâncias de ar-condicionado, acesso precário à internet e a falta de rota de ônibus e de acessibilidade para PcD.

 

Estudantes de Enfermagem usam do humor para denunciar problemas na Ufam em Coari - Foto: Divulgação 

 

ICSEZ

 

Em resposta ao anúncio de corte de 50% nos auxílios acadêmicos, estudantes do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ) protestaram no dia 12 de outubro, em Parintins, para pedir a recomposição de verba para auxílios moradia, acadêmico, creche e Residência Universitária (Runi). O estopim para a manifestação foi o fato de o orçamento de 2024 não atender às(aos) estudantes.

 

A representante do Centro Acadêmico de Pedagogia, Amanda Mendes, criticou a divisão do repasse entre os campi da Ufam. “Os interiores desde sempre são muito massacrados, ficamos com as sobras do que a capital manda”.

 

Problemas estruturais, falta de segurança e de transporte público também são preocupações dos e das discentes, assim como a falta de acessibilidade para PcD, pois instalações que deveriam atender a todos(as) se mostram ineficazes devido à falta de manutenção. “Muitos monitores de PcD acabam abandonando a função por não darem conta, pois a sobrecarga é grande”, afirmou a estudante do 8º período do curso de Serviço Social e atualmente representante no Conselho Diretor (Condir) e vice-presidente do Centro Acadêmico, Elouize Barbosa.

 

Divulgado em novembro de 2023, um documento de homologação de pré-seleção de auxílios mostra a notável demanda. Foram 588 inscrições para auxílio acadêmico e apenas 400 vagas ofertadas; já para auxílio curumim-cunhantã (creche), foram 85 concorrentes para 20 vagas.

 

Elouize afirma que a estrutura do instituto é muito fragilizada e recebe pessoas de outras cidades do Amazonas que precisam dos auxílios. “A Casa do Estudante funciona porque os estudantes se mobilizaram para ocupar, mas ainda está em construção. O restaurante universitário funciona no hall, porque não há um espaço próprio para alimentação. E só existe um auditório, que precisa ser dividido por todos os cursos. Tudo isso influencia no cotidiano acadêmico”.

 

Apesar do ICSEZ ter 15 anos de existência, o complexo poliesportivo do curso de Educação Física ainda não foi construído.  “Eu fico desanimada. Em Manaus tem quadras, vestiário, academia, espaços para pesquisa. Aqui não temos isso, já levantamos os problemas e até agora estamos sonhando com as soluções”, desabafou a presidente do Centro Acadêmico do curso de Educação Física, Karine Moraes.

 

A aluna do curso de Serviço Social e representante do Centro Acadêmico, Bruna Araújo, declarou que a última manifestação foi um grito de socorro. “Enfrentamos falta de equipamento, pisos quebrados, falta de professores e problemas de segurança. Não temos nem água gelada. Ficamos calados tempo demais, chegou o momento de dizer ‘chega!’”.

 

IEAA

 

O estudante do curso de Letras, do Instituto de Educação, Agricultura e Meio Ambiente (IEAA), Janderval Miranda, compartilha as dificuldades que assolam os(as) discentes do campus em Humaitá. Ele revela que uma das principais batalhas é a obtenção de bolsas.  “Isso tem causado riscos ou desistência de discentes, principalmente de quem vem de outra cidade. Temos exemplos de alguns que estão passando por necessidades financeiras”.

 

O estudante Del Belfort de Moraes, do 9º período de Engenharia Ambiental, integrante do DCE e do Centro Acadêmico de Engenharia Ambiental disse que foram feitas reivindicações dos movimentos estudantis cobrando celeridade no lançamento de editais de assistência estudantil, pois demoraram para ser lançados, apesar de haver novos(as) ingressantes de 2022 e 2023. “Desse movimento conjunto de representantes resultou as tratativas dos editais de auxílio moradia, acadêmico e auxílio creche, porém temos mais de 75% de vulneráveis socioeconomicamente e os auxílios não abarcam esse percentual”. 

 

Entre as reivindicações também estão a defesa pela regularização da distribuição de códigos de vagas para as disciplinas descobertas e abertura de vagas para Técnico-Administrativos(as) em Educação (TAEs). “Temos o número muito baixo de servidores à disposição da comunidade acadêmica”, ponderou o discente. 

 

ICET

 

A estudante Liliene Picanço, presidente do Centro Acadêmico de Engenharia de Software no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (Icet), de Itacoatiara, relata que são oferecidas as bolsas acadêmicas, que a biblioteca funciona e que há docentes qualificados(a), porém que é importante ter mais concursos para docentes e que sejam concluídas as reformas em laboratórios.

 

O estudante Francisco Emerson Pinto Borges, do 9º período do curso de Agronomia e representante no Conselho Universitário da Ufam (Consuni), destacou a dificuldade em revitalizar a mobilização estudantil após a pandemia da covid-19. Ele defendeu a importância de terem voz e que os auxílios para se manter na universidade sejam ajustados à realidade.

 

Ele afirma que existem laboratórios nos dois campi, porém há escassez de insumos. “No papel foi planejada a construção de 11 blocos no campus II, um mega campus, com fazenda experimental, mas que até agora só tem um bloco em pé. Mas antes da expansão para o campus II o curso de Agronomia não tinha laboratório. A gente ficava dividindo com outros cursos e, às vezes, dava conflito de horário entre profissionais”.

 

Dificuldade enfrentada também é que o restaurante é ofertado só no campus I, localizado na cidade, o que obriga em deslocamento para o campus II, na Rodovia. Porém, sem transporte público coletivo em Itacoatiara, a situação fica mais complexa. Atualmente a Casa de Estudante também está desabitada. “É um grande ‘elefante branco’, infelizmente, inaugurado na marra. Só deu para morar um curto período, pois depois veio a pandemia”, disse Francisco.

 

INC

 

A estudante do 12° período de Licenciatura em Ciências Biologicas e Química, do Instituto de Natureza e Cultura (INC), Elissadrina Felix Rodrigues, representante no Conselho Universitário (Consuni) e diretora de Interiorização na UEE-AM, afirma que, em Benjamim Constant, os e as estudantes se sentem limitados no diálogo por causa da distância geográfica. “Seria essencial ter, pelo menos, encontros mensais com a reitoria, para ouvirem as problemáticas que surgem e sanar os problemas”.

 

A falta de transporte fluvial para comunidades indígenas, como as de Umariaçu I e II, e do município de Tabatinga para chegar na universidade, além de ônibus para os(as) discentes do município de Atalaia do Norte, e a carência de auxílio-transporte intermunicipal também retratam um cenário desafiador compartilhado pela aluna.

 

Entre as reivindicações locais estão a construção de um espaço adequado para o Restaurante Universitário, melhoria na infraestrutura da residência universitária e a inserção do Dia dos Povos Originários no calendário acadêmico da universidade para ampliar a visibilidade das atividades culturais, considerando que o INC tem maior porcentagem de estudantes das etnias Tikuna, Kambeba, Witoto, Mayuruna, Matis, Kukamira, Marúbo e Kaixana.

 

A pandemia também trouxe desafios adicionais, como dificuldades no ensino remoto, falta de professores(as) e atrasos no calendário acadêmico, levando a trancamentos de cursos e dificuldades no acesso a disciplinas. “Existem discentes que não estão conseguindo cursar as disciplinas por causa do calendário acadêmico. Algumas disciplinas também não foram ofertadas por não haver professores(as) para ministrá-las. Por isso, têm pessoas que não estão conseguindo finalizar o curso, porque precisam esperar uma turma”, explicou Elissadrina.

 

Representantes de Centros Acadêmicos da Ufam participam de Fórum de Assistência e Permanência Estudantil  - Foto: Divulgação 

 

Diretório

 

Após sete anos sem DCE na Ufam, a mobilização estudantil tem enfrentado desafios significativos, agravados pela pandemia.  Para a estudante de Pedagogia e presidente do diretório, Rita Vieira, há indícios de avanços na articulação estudantil, com um aumento positivo na participação dos representantes de Centros Acadêmicos e nas reuniões de articulação.

 

O DCE, em conjunto com a ADUA e o Sintesam, compõe o Comitê de Lutas da Ufam, que tem atuado em defesa de pautas comuns da comunidade acadêmica, por meio de reuniões com a reitoria e atos públicos, dentre elas segurança, calendário acadêmico e sobre os cortes sistemáticos no orçamento da educação, que comprometem os programas de assistência estudantil e desvaloriza a classe trabalhadora da educação.

 

Em relação aos problemas enfrentados na capital e no interior, entre os itens já compartilhados anteriormente, Rita destaca que também existem relatos de assédio moral e sexual e problemas físicos e mentais enfrentados, muitas vezes, sem assistência adequada.

 

O estudante do 5º período de Ciências Biológicas e presidente do Centro Acadêmico do curso, Adryan Golvim, compartilha alguns problemas enfrentados por estudantes em Manaus, como a falta de professores(as) para algumas disciplinas, o que gera sobrecarga às (aos) docentes ou a não oferta de matérias. “O curso de Ciências Biológicas está com problema no calendário acadêmico, pois, pelo curto período de tempo das aulas, muitas práticas de campo foram feitas no meio da semana, atrapalhando outras aulas essenciais, ocasionando bastante desconforto nas relações entre os alunos, professores e direção”, afirma o aluno, que também relata  o sucateamento do ônibus para as tarefas de campo, além da falta de materiais nos laboratórios.

 

Problema comum aos campi localizados no interior são os provocados pela estiagem que ocorre no Amazonas, assim como impactos das queimadas nas florestas e sequelas da pandemia.

 

No dia 16 de novembro, a Diretoria de Assistência Estudantil (Daest) e o DCE realizaram o I Fórum de Assistência e Permanência Estudantil, em Manaus, com a participação de cerca de 95 representantes da comunidade acadêmica das unidades da capital e dos institutos fora da sede, com representação de movimentos indígenas, da pós-graduação e dos centros acadêmicos.

 

Na avaliação do DCE, “o Fórum foi considerado proveitoso, mas há necessidade de mais tempo para diálogo”. Os principais tópicos debatidos foram alimentação, moradia, transporte, atenção à saúde e apoio pedagógico.

 

Até o fechamento desta edição o Daest não respondeu aos questionamentos sobre o tema. 

 

Nos debates do Fórum ficou claro que embora a oferta de bolsas exista, ainda é insuficiente para atender estudantes em vulnerabilidade socioeconômica e que o calendário acadêmico acarreta prejuízos irremediáveis. “Compreende-se a necessidade do calendário acadêmico, mas ele ainda é recebido de forma negativa pela comunidade discente por causar prejuízos, como ausência de curso de férias, tempo reduzido e comprometimento da formação. Há sobrecarga aos estudantes, que ficam sem tempo hábil para desenvolver as atividades exigidas. Deve haver um replanejamento e adaptações ao calendário”, defende Rita.

 

O DCE apresentou propostas para a Assistência Estudantil, incluindo o Programa Saúde Integral do Estudante, auxílio jurídico, melhorias no transporte, acessibilidade e internet, criação de um Comitê de Políticas Indígenas, creche universitária, espaços para esporte e lazer, ambiente ecumênico, reforço na segurança, entre outros pontos.

 

A bandeira dos e das estudantes é a necessidade de melhoria do ensino, pesquisa e extensão, com aumento na oferta de bolsas e políticas de permanência que visem proporcionar condições adequadas para que todos e todas possam se dedicar aos três pilares fundamentais da universidade.

 

As manifestações de indignação revelam não apenas uma questão financeira, mas uma batalha por condições básicas de estudo e a necessidade de soluções urgentes. Segundo Rita, as entidades estudantis vão se manter vigilantes diante das decisões dos órgãos superiores e poderão organizar novas manifestações caso as reivindicações não sejam atendidas.

 

Estudantes ocupam reitoria da Ufam em repúdio à violência policial praticada contra discentes no campus - Foto: Sue Anne Cursino/ Ascom ADUA 

 



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