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  06/09/2023



Entrevista: Desafios e estratégias na defesa dos direitos docentes marcam início de gestão do ANDES-SN



 

 

Sob nova direção, o ANDES-SN encara desafios na conjuntura atual, que demanda a reconstrução da base sindical da categoria docente e a resistência frente aos obstáculos nas negociações com o governo por melhores condições salariais, de trabalho e de carreira. Para esta edição, a ADUA entrevistou o novo presidente do Sindicato Nacional (gestão 2023 a 2025), Gustavo Seferian, que é professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Entre os temas abordados estão a situação universitária na América Latina; estratégias adotadas pelo Sindicato frente aos cortes nas políticas públicas para a educação; iniciativas para atrair sindicalizados(as) e consolidar sua base; a contribuição na luta contra a discriminação e por inclusão, bem como ações para fomentar a coesão do funcionalismo público, especialmente na luta pelos direitos da categoria no âmbito federal.

 

ADUA: Decisão que distancia a recuperação de políticas públicas para a Educação, o governo Lula cortou R$ 333 milhões no já deficitário orçamento do setor. Como analisa esta medida e quais as ações previstas pelo Sindicato em defesa de mais investimentos para a Educação?

 

Gustavo: A medida mencionada de bloqueio de verbas para a Educação e outras áreas indispensáveis para a reprodução da vida da classe trabalhadora revela sintomaticamente que não vivemos sob um governo federal “dos trabalhadores” ou de perfil popular. Muito embora, com o devido acerto, nosso sindicato, atendendo às deliberações de sua base, tenha no segundo turno se somado aos esforços para derrotar Bolsonaro nas urnas, é de se ter em conta que tal esforço não se fez de forma aderente ou crédula de que teríamos um governo com outro perfil que não de alinhamento com os mais imediatos interesses dos diversos segmentos do capital – agronegócio, rentistas, indústria, serviços etc. Na pasta da Educação, a indicação do privatista Camilo Santana é emblemática nesse sentido.

 

Trata-se assim de mais uma dentre outras tantas medidas próprias de uma agenda de austeridade que expressa uma linha contínua, matizada apenas pela sua intensidade, na retração de direitos e condições de vida experimentada pela nossa classe desde o desfecho do ascenso que pôs fim à ditadura empresarial-militar e estabeleceu um novo pacto político nacional com a Constituição de 1988.

 

Revela o quanto a mobilização permanente em defesa de nossos interesses se faz necessária para que possamos não só ter uma recomposição adequada de orçamento para Educação, mas o incremento de investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia, contratação de pessoal e melhoria das condições de trabalho. A inação, a “trégua” com o governo – que pode ser a leitura de alguns ou algumas no que se refere à lida com o governo Lula, legitimada pelo que foram os seis anos de destruição pós-golpe – não é uma opção para quem não quer ser esmagado pelo andar de cima, que segue operando a todo vapor.

 

 

 

ADUA: Que análise faz do atual momento por qual passam as universidades públicas brasileiras no contexto da América Latina?

 

Gustavo: Nossa Pátria Grande vive um momento convulsivo e contraditório, com diversos traços de ineditismo. Se de um lado é perceptível o avanço da extrema direita – do “bukelismo” [relativo à política de Nayib Bukele, presidente de El Salvador] às recentes eleições argentinas –, de outro as resistências populares fervilham: greves camponesas, mobilizações indígenas, auto-organização de mulheres na luta por direitos sexuais e reprodutivos, novas ondas “progressistas” também despontaram em países que se viram sob a égide de governos de direita – invariavelmente ditatoriais – nas últimas décadas, como são os casos da Colômbia, Peru e Chile.

 

No âmbito da Educação, porém, percebe-se uma ofensiva da perspectiva privatista, que alcança também a realidade brasileira como expressão articulada do capital financeiro para a corrosão dos fundos públicos, descrédito da educação pública, fomento a grandes conglomerados educacionais e mercadorização da educação. Talvez um dos casos mais significativos seja o chileno, que, muito embora a mercadorização da educação – e sobretudo da educação superior – tenha se colocado como uma tônica do regime ditatorial instituído pelo golpe empresarial-militar encabeçado por Pinochet em 11 de setembro de 1973, teve na costura da Constituinte um lugar central, a ser alçado como um direito social de todos e todas, estruturado a partir de um sistema público, contemplando uma viragem aos registros conservadores que então regiam os processos educacionais formais no país, sob o mote de uma “educação sexual, pública, feminista e não sexista”.

 

Este tema foi um dos grandes cavalos de batalha que a extrema direita chilena mobilizou em uma campanha pública pela rejeição do texto elaborado pela Constituinte, que não passou pelo referendo popular e reclamará nova rodada, com um novo texto rebaixadíssimo no que se refere a conquistas sociais e correlação de forças bastante desfavorável àquela que irrompe com o ascenso popular de 2019.

 

A batalha pela educação pública, voltada aos interesses populares, que comporte um horizonte avesso a toda forma de exploração e opressão, se coloca ainda mais necessária em toda América Latina.

 

ADUA: Como a Diretoria do ANDES-SN analisa a relação do atual número de sindicalizados(as) e a representatividade do Sindicato e que medidas estão/serão empreendidas para conquistar novos(as) filiados(as) e a participação deles(as) nas atividades sindicais?

 

Gustavo: É fundamental perceber que o ANDES-SN, como a grande maioria dos sindicatos brasileiros, passou por uma queda de sindicalizados e sindicalizadas no último período. Isso tanto em pequenas como em grandes seções sindicais, donde o exemplo mais evidente de redução – tanto em expressividade proporcional quanto nominal – foi a ADUFRJ. Seria leviano, porém, projetar a responsabilidade deste diagnóstico à direção de alguma seção sindical, quanto menos à direção nacional do ANDES-SN.

 

Trata-se de reflexo de uma série de elementos de ordem estrutural que acometem as organizações da classe trabalhadora, que passam pelo esgarçamento dos laços de solidariedade social, projetando descrédito aos sindicatos, isso para além dos discursos e práticas criminalizadoras que se projetam contra a classe. Soma-se a tudo isso a crescente precarização das condições de vida das e dos docentes, com grande índice de endividamento, que leva inclusive à dificuldade de cumprir com aquele que é um dos mais relevantes critérios de militância em nosso sindicato, condição de sua autonomia, que é o autofinanciamento. Todavia, como toda tendência posta, pode ser infirmada politicamente.

 

A nova diretoria do ANDES-SN, já em sua primeira reunião, definiu como prioridade empenhar campanha de sindicalização em todo país. Ademais, o esforço de organização da nossa categoria e ampliação de nossa base vêm ensejando a criação de novas seções sindicais: nos últimos três meses, foram três as novas entidades de bases constituídas em nosso sindicato, agregando parcelas da classe outrora não representadas pelo ANDES-SN. Somado à promoção de políticas sempre alinhadas com as deliberações e posições de nossa base, esperamos poder recolocar a luta sindical como tarefa imprescindível à nossa categoria, fortalecendo ainda mais nosso sindicato para o próximo período.

 

 

 

ADUA: A unidade do funcionalismo público para a luta por direitos é uma necessidade premente. Que estratégias estão sendo articuladas para alcançá-la?

 

Gustavo: Sem dúvidas a ação unitária é algo que sempre deve ser buscado em nossas construções. A unidade de ação, aliás, é princípio constitutivo do sindicalismo classista, considerando que nossa entidade representa o conjunto de uma categoria plural.

 

A estrutura sindical brasileira, infelizmente, proporcionou e proporciona fraturas que impedem que o conjunto da classe – ou ainda, que frações maiores da mesma – se articulem em uma mesma entidade de classe. Romper com essa fratura institucional passa pelo fortalecimento de frentes e fóruns não só com servidores e servidoras, mas com o conjunto de nossa classe.

 

Trata-se, inclusive, de um dos grandes desafios que nos lançamos em processo de reorganização necessário dada a desvinculação atual para com centrais sindicais.

 

Deste modo, é possível destacar que, se de um lado o ânimo no impulso de iniciativas como o Fórum Sindical, Popular e da Juventude é algo imprescindível, também se mostra necessária a articulação local e regional entre defensores e defensoras dos serviços públicos – como se notam em muitos estados do país –, para não dizer a importância estratégica que projeta o ANDES-SN na construção do Fonasefe, fórum indispensável na formulação de pautas conjuntas e unitárias dos(as) servidores(as) públicos(as) federais, que, junto ao Fonacate, vem nesse último período, dentre outras lutas, se empenhando no processo da campanha salarial 2024, com indicativo de fortes mobilizações na disputa pela recomposição salarial que ao menos retire os déficits experimentados nos últimos anos, isso para além de outras pautas de relevo. Sem articulação e mobilização unitária, que entendemos imprescindíveis, não teremos forças para afirmar nossos maiores interesses.

 

 

ADUA: Nos últimos anos, foram registrados avanços na ampliação da diversidade nos espaços do ANDES-SN. Hoje, o que tem sido planejado para combater a discriminação e garantir cada vez mais a inclusão nesses ambientes?

 

Gustavo: De fato, o nosso sindicato nacional passou no último período por diversas transformações progressivas naquilo que se refere ao enfrentamento a opressões – de gênero, raça, sexualidade, origem nacional, capacitistas –, bem como à assunção de lutas socioambientais, dimensões constitutivas e estruturais do modo de produção capitalista, que qualificam e aprofundam o processo de exploração imprescindível à reprodução deste modo de (destruição de) vida.

 

Isso trouxe mudanças importantes, todas frutos da luta auto-organizada das e dos docentes, como alterações estatutárias que garantem a paridade de gênero na composição de diretorias; nos nossos espaços nacionais, a criação de comissão de enfrentamento ao assédio, a manutenção de espaço de cuidado para dependentes de congressistas e acolhida de pessoas com deficiência, para não deixar de mencionar o imprescindível processo de auto-organização das pessoas LGBTQIAPN+, negras e negros de nossa categoria. Há ainda, porém, muito que se avançar.

 

Primeiramente, o enfrentamento às opressões e as lutas ecológicas devem se enraizar no conjunto da militância do sindicato, assumindo a integralidade de nossas pautas. Não se tratam de demandas de “segmentos” da categoria, muito menos de desvios ao seu lugar de sindicato classista: são, em verdade, demandas constitutivas da luta de classe, que afetam de uma forma ou de outra o conjunto da categoria e devem ser apreendidas por todas e todos nós, de corpo e alma, sem usos conforme a conveniência.

 

Em segundo lugar, parece-nos imprescindível avançar no incremento não só na composição de nossa categoria por negras e negros – daí a importância estratégica da atenção das leis de cotas, tanto para ingresso no Ensino Superior e pós-graduação, como no serviço público –, como também que passem a ter um lugar cada vez maior nos espaços de poder no sindicato.

 

Por fim, a luta anticapacitista deve passar por ações contundentes e vanguardistas da entidade, não estando a reboque de necessidades pontuais que se façam necessárias a atender docentes que participem nos nossos espaços. Devemos nos adiantar a garantir acessibilidade aos espaços como condição, inclusive, da participação mais intensa de pessoas com deficiência em nossas construções de luta.



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