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  05/06/2023



Entrevista: “O governo sacrifica as áreas sociais para que sobre dinheiro para o Sistema da Dívida”, afirma Maria Lucia Fattorelli



 

 

 

 

Áreas sociais precisarão disputar recursos, alerta Fattorelli

 

 

 

Leia a entrevista exclusiva da ADUA com Maria Lucia Fattorelli, coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) 

 

 

ADUA: De que modo o “novo arcabouço fiscal” afeta o Serviço Público e a carreira dos(as) Servidores(as) Públicos(as) Federais (SPFs)?

 

Maria Lucia Fattorelli: O “novo arcabouço fiscal” representa a manutenção do Teto de Gastos e investimentos sociais e na estrutura do Estado, com um pífio acréscimo real que pode ser de apenas 0,6 a 2,5% em relação às despesas primárias do ano anterior, o que afetará drasticamente todo o Serviço Público no país.

 

Além de impedir que, de fato, possamos sair do fosso socioeconômico em que nos encontramos, a manutenção do Teto de Gastos acaba abrindo espaço para os que defendem a privatização de serviços essenciais, que estão ficando cada vez mais sucateados e, com a manutenção do Teto, não terão como se recuperar. Nesse sentido, o “arcabouço fiscal” aponta para a redução cada vez mais profunda da estrutura do Estado brasileiro, o que é extremamente prejudicial a toda a sociedade.

 

A versão original encaminhada pelo governo Lula à Câmara dos Deputados já colocava severas restrições para os gastos com pessoal, mas o relatório do deputado federal, Cláudio Cajado (PP/BA), inseriu diversas penalidades, caso as ambiciosas metas de “superavit primário” (superiores inclusive às expectativas do “mercado”) não sejam atingidas: proibição de reajustes, concursos públicos, novos Planos de Carreira, criação de cargos, criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório.

 

Outro fator prejudicial à sociedade é o fato de que o Teto coloca as áreas sociais em disputa entre si. É importante lembrar que o Teto incide somente sobre os gastos e investimentos do governo com as despesas primárias, que correspondem às despesas com os serviços prestados à população (saúde, educação, previdência, assistência social etc.) e com a manutenção da estrutura do Estado. Tal como o Teto de Gastos da EC/95, o novo teto do PLP 93/2023 também coloca as áreas sociais para disputar recursos, porque a totalidade desses gastos terá que caber dentro do Teto estabelecido. Por exemplo, para conceder reajuste maior ao salário mínimo, que apoiamos e reconhecemos ser necessário, outra área social receberá menos para que o conjunto de gastos caiba dentro do Teto.

 

O “arcabouço fiscal” coloca em risco até os pisos constitucionais da Saúde e Educação, conforme já noticiado.

 

“Segundo a equipe econômica, esses pisos criam problemas porque os gastos totais do governo estão submetidos a uma regra geral, que era o Teto de Gastos e será substituída pelo novo arcabouço fiscal. Dessa forma, caso os gastos com uma das duas áreas (Educação e Saúde) cresçam mais que a média das despesas, sobra uma fatia menor para outros tipos de gastos”.

 

Por outro lado, o “arcabouço fiscal” deixa livre, sem Teto ou controle algum os gastos financeiros que precisariam ser controlados, correspondentes aos juros e amortizações da chamada Dívida Pública, onde, de fato, se encontra o ralo das contas públicas, como a ACD tem denunciado há anos.

 

ADUA: O impacto desse sistema fiscal é considerado no desenvolvimento da Campanha Salarial de 2024 dos(as) SPFs. Por conta dessa medida, as categorias correm o risco real de ficarem sem reajuste? Por quê?

 

MLF: Quando se coloca sob um Teto a soma de todos os gastos e investimentos com a manutenção do Estado e todos os serviços prestados à sociedade (conjunto denominado despesas primárias), temos praticamente um engessamento total e as áreas sociais passam a disputar recursos entre si.

 

A possibilidade de crescimento real (acima da inflação) desse conjunto de despesas primárias é pífio (pode variar apenas entre 0,6% a 2,5% ao ano) e, dentro desse Teto, existem áreas como a Previdência e a Assistência Social, cujos gastos têm anualmente um crescimento automático, devido ao aumento populacional, envelhecimento da população que alcança a aposentadoria e a valorização do salário mínimo. Para acomodar esse crescimento vegetativo dentro do Teto, o governo precisará fazer redução de outras despesas. Desde a vigência da EC/95, assistimos o governo escolher servidores públicos para esse sacrifício, tendo em vista a ausência sequer de reposição inflacionária nos últimos anos.

 

Outro risco está ligado às arrojadas metas de resultado primário estabelecidas que, se não forem cumpridas, serão acionadas as punições já citadas.

 

O gráfico mostra a perda sofrida por servidores nos últimos anos, já que a linha referente a Pessoal e Encargos (que engloba todos os gastos com servidores ativos, aposentados e pensionistas, inclusive encargos), apresenta uma queda:

 

 

 

 

O gráfico revela também o imenso privilégio dos gastos com o Sistema da Dívida, que ficaram fora do Teto, sem controle ou limite algum, pois o objetivo do projeto apresentado pelo governo, conforme constou da exposição de motivos assinada por sua equipe econômica, é “guardar recursos importantes para abatimento do endividamento público!”

 

Dessa forma, o Teto de Gastos Sociais, mantido no arcabouço fiscal, se presta a jogar as distintas áreas sociais e servidores públicos para disputar uma limitada fatia do fundo público, enquanto bancos, super ricos e rentistas da dívida pública ficam com a maior parte dos recursos, sem limite algum.

 

ADUA: Em que basicamente o “Novo Arcabouço Fiscal” de Lula difere da Emenda Constitucional (EC) n. 95, de Michel Temer?

 

MLF: A Emenda Constitucional 95/2016 estabeleceu um congelamento por 20 anos para a soma das despesas primárias, permitindo, em cada ano, apenas a reposição pela inflação (IPCA) sobre o valor das despesas primárias do ano anterior, o que já gerou uma série de prejuízos aos servidores públicos, que acumularam sérias perdas inflacionárias nos últimos anos.

 

A proposta do “Novo Arcabouço Fiscal” mantém esta lógica, permitindo apenas a reposição pela inflação (IPCA) sobre o valor das despesas primárias do ano anterior, acrescido de pífio crescimento real de apenas 0,6% ao ano, podendo chegar a 2,5% ao ano, desde que haja crescimento da arrecadação tributária e sejam cumpridas as metas de resultado primário. Caso não sejam cumpridas essas metas de resultado primário, o governo aplicará as punições a servidores públicos, proibindo reajustes salariais, concursos etc., como antes comentado. Essas punições não constavam na EC/95.

 

Adicionalmente, o arcabouço fiscal colocou mais gastos sociais sujeitos ao Teto, como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), o que prejudicará a manutenção do ensino básico em todo o país. Foi também incluído no Teto o Fundo Constitucional do Distrito Federal, o que irá prejudicar a prestação de serviços públicos e os servidores do Governo do Distrito Federal, como policiais, professores e médicos.

 

É importante questionar por que regras tão restritivas estão sendo aplicadas no país, tendo em vista que possuímos mais de R$ 1,6 trilhão na Conta Única do Tesouro Nacional, além de mais de R$ 3 trilhões no caixa do Banco Central e em Reservas Internacionais. Tudo isso fica disponível para garantir os pagamentos de juros e amortizações aos sigilosos detentores de títulos da dívida pública nunca auditada.

 

Enquanto o governo brasileiro sacrifica as áreas sociais para que sobre mais dinheiro ainda para servir ao Sistema da Dívida, os governos dos Estados Unidos e de países europeus têm praticado enormes déficits para garantir o seu desenvolvimento socioeconômico.

 

ADUA: O que o funcionalismo público deve exigir e como deve confrontar esse cenário para que não acumule mais perdas?  

 

MLF: Deve compreender onde, de fato, está o rombo das contas públicas (Sistema da Dívida e gastos com juros e amortizações da chamada Dívida Pública) e inserir na pauta de reivindicações de suas entidades representativas a necessidade de estabelecer limite dos juros em lei (PLP 104/22); reivindicar auditoria da Dívida Pública com participação social e apoiar a Frente Parlamentar sobre o Limite dos Juros e a Auditoria da Dívida Pública com Participação Popular.

 

Se não se enfrentar o Sistema da Dívida, a população brasileira continuará submetida a contínuas contrarreformas, privatizações, Teto de Gastos Sociais e uma escassez que a coloca no avesso de onde deveria estar, tendo em vista as imensas possibilidades do país.

 

 

 

Foto: ANDES-SN/Divulgação



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