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Com aluguel alto no Rio, estrangeiros doutorandos se mudam para favelas



A alta de preços no Rio de Janeiro que afeta, principalmente, o valor dos aluguéis tem levado muitos estudantes estrangeiros a buscar moradia em favelas da cidade, onde os custos são compatíveis com as bolsas de estudo concedidas pelas instituições – que, atualmente, variam entre R$ 1.500 (mestrado) e R$ 2.220 (doutorado). Se antes havia a facilidade de morar próximo à unidade de ensino, agora, doutorandos vindos de outros países são obrigados a viver em locais mais distantes. É o caso de Róbinson Acosta, Erick Castro, Cesar Augusto, Juan Guillermo e Margarita Habran que deixaram seus países na América do Sul e escolheram o Rio para dar continuidade aos estudos.

O colombiano Róbinson Acosta, que chegou à cidade em 2012 para fazer Mestrado, já teve de se mudar duas vezes, para estudar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Urca, Zona Sul. Na época, ele recebia R$ 1.200 de bolsa e dividia um apartamento em Copacabana, também na Zona Sul, com 10 pessoas, pagando R$ 400 de aluguel.

No entanto, esse valor aumentou e o mestrando teve que se mudar para a favela Parque da Cidade, na Gávea, na Zona Sul, a cerca de 10 quilômetros do local onde morava. Lá, ele pagava R$ 500 em um imóvel que dividia com duas pessoas. Pouco tempo depois, o mestrando se mudou para uma casa na Tijuca, na Zona Norte, onde vive na casa de amigos que também cobram R$ 500 de aluguel.

Róbinson contou que a experiência na favela foi "muito tranquila" e que encontrou "pessoas muito amáveis". No entanto, segundo ele, com a chegada de estrangeiros na comunidade, os moradores sentiram os preços – não só de aluguéis mas também do comércio da favela – subirem.

"Eles reclamam que as coisas estão ficando caras na comunidade porque nós estrangeiros chegamos. No Parque da Cidade, como tem muito estudante da PUC, os donos das casas preferem alugar para estrangeiros para poder cobrar mais caro. Mas a convivência é tranquila, não há nenhum problema de discriminação", contou Róbinson, que, atualmente, faz doutorado em Física.

'Não sabia quão cara era a cidade', diz doutorando

O doutorando em Física Juan Guillermo Duenas Luna também já passou por muitas casas desde que chegou ao Rio em 2009. Na época, o então mestrando morava na Urca próximo ao CBPF, onde estuda. Com R$ 1.200 de bolsa, pagava entre R$ 350 e R$ 600 por um quarto. No ano seguinte, foi para o Flamengo, também na Zona Sul, onde morou por dois anos pagando R$ 550 de aluguel.

O colombiano voltou, então, ao seu país para visitar a família e, quando retornou ao Brasil, encontrou uma casa no Morro da Babilônia, no Leme, na Zona Sul, onde mora atualmente. Pagando R$ 800 para viver em uma casa com quarto, sala, cozinha e banheiro, ele vai a pé para o instituto de pesquisa. Já cursando doutorado, recebe uma bolsa de R$ 2.200. Depois de tantas mudanças, Juan Guillermo criticou a falta de suporte por parte das instituições aos estudantes.

“É um problema da cidade e dos centros de pesquisas que não prestam atenção nisso. Eles só tentam dar uma bolsa e pronto. Não se ligam que não é tão simples chegar em outra cidade. [A chegada] não foi a melhor experiência que pude ter. Eu não sabia como era aqui no Brasil, não sabia quão cara era a cidade. Realmente não foi muito agradável fazer o mestrado nessas condições. Tinha que fazer sempre o almoço, cozinhar, limpar a casa, o que é muito desgastante e implica nos estudos. Fora isso, há o desconforto de se comunicar com outras pessoas em outras línguas”, explicou.

Elogios aos moradores da favela e críticas à polícia


O colombiano Juan Guillermo disse que foi bem recebido e que os vizinhos foram cordiais tentando inserí-lo em atividades como pescar, jogar bola e participar de churrascos.

"Na comunidade, encontrei um ambiente mais humano. Você consegue interagir mais com as pessoas que num prédio. A paisagem da comunidade é fabulosa, o custo de vida é muito mais baixo também. Obviamente, o estilo de vida muda um pouco. Agora, a gente não procura tanto conforto, mas só condições básicas para viver. A arquitetura das comunidades é algo muito interessante, não é uma coisa padronizada e regular e alguns costumes são diferentes", disse Juan, acrescentando que poucas vezes teve a experiência de estar em comunidades na Colômbia, mas disse haver semelhanças entre as favelas brasileiras e as de seu país.

Sobre a rotina da favela, o estrangeiro criticou a presença ostensiva da polícia e a baixa qualidade da educação de jovens brasileiros.

"Uma das coisas que chamou muito minha atenção foram as UPPs e os policiais. Sempre geram um ambiente hostil por onde estão. Realmente, nunca me sinto à vontade com essa ostentação de poder que eles mostram com as armas. Outra coisa foi conhecer crianças que são pouco cuidadas. Garotos que, estando na escola pública, na terceira ou quarta série, apresentam problemas gravíssimos de leitura e escrita. Isso me surpreendeu muito e mostrou os grandes problemas do sistema de educação básica do Brasil. Outro aspecto que chamou minha atenção foi o problema de organização para a coleta de lixo. Uma cidade como o Rio, num país como o Brasil, com tanto dinheiro, não entendo como problemas de planejamento existam. Acho que as comunidades são um reflexo do problema político que o Brasil apresenta", analisou Juan.

O colombiano também afirma que os moradores começaram a aumentar os preços de aluguéis ao perceber que estrangeiros estavam buscando moradia na favela. "A especulação imobiliária é absurda e isso se refletiu também na comunidade. Além disso, a criação de muitos hostels mostrou que iria ter uma chegada maciça de pessoas. Não só os preços da moradia aumentaram, mas os preços de qualquer coisa", disse o doutorando.

Crescimento desenfreado


Conterrâneo de Róbinson e Juan Guillermo, Cesar Augusto Diaz Mendoza chegou ao Rio em março de 2012 para cursar mestrado em Física na PUC-Rio, na Gávea. Recebendo bolsa de R$ 1.200 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ele passou seus primeiros três meses na cidade morando em uma quitinete em Copacabana, onde dividia o valor do aluguel do imóvel – R$ 1.500 – com mais cinco colegas.
Com o aumento do preço, Cesar decidiu se mudar para a favela Parque da Cidade, localizada a cerca de 20 minutos da universidade. Atualmente cursando o doutorado na mesma instituição, o colombiano recebe R$ 2.200 e divide uma casa de dois quartos com a namorada e mais um casal.

O doutorando afirmou que, mesmo dentro da comunidade, os preços estão subindo e ressaltou que o problema não é somente a defasagem das bolsas, mas o aumento desenfreado dos aluguéis.
“Muita gente quer se aproveitar de que a gente é estudante estrangeiro para aumentar muito o aluguel dentro da comunidade. Na Colômbia, eu teria uma casa, um quarto para estudar. Aqui, tenho que compartilhar o quarto, que pode ser com um colega ou um estranho”, disse.

Cesar destacou que, além do aluguel, ainda teve outras despesas com a compra de geladeira, fogão e móveis. O estudante afirmou ainda que ele e seus colegas também não conseguem voltar ao seu país para visitar os familiares porque, com o alto custo de vida na cidade, não conseguem juntar dinheiro para comprar a passagem.

Para economizar, estudante recorre a 'bandejão'

Margarita Habran Estevan, 28 anos, chegou ao Rio em 2011 para se tornar mestre em Engenharia de Materiais na PUC. Recém-chegada da Colômbia, seu país de origem, alugou uma dependência em um apartamento na Gávea, próximo à universidade. Na época, recebia R$ 1.200 e pagava R$ 450 de aluguel. Mas o desconforto de morar na casa de uma estranha e a dificuldade de encontrar uma moradia por um preço acessível na mesma região fizeram com que ela também se mudasse para a favela do Parque da Cidade, onde vive atualmente com o namorado dividindo uma quitinete cujo aluguel é R$ 900.

Terminado o mestrado, ela ingressou no doutorado. O valor da bolsa aumentou para R$ 2.200, mas ainda assim ela diz ter determinadas estratégias para sobreviver no Rio. "Eu e meu namorado pegamos um ônibus e vamos até o supermercado mais barato, que fica em outro bairro, para fazermos compras. Tentamos deixar o almoço pronto e quando não dá, vamos ao 'bandejão' da PUC", explicou.

Bolsa é insuficiente, diz estudante


O venezuelano Erick Castro chegou à cidade em 2013 para fazer mestrado em Física, também no CBPF. Inicialmente, o estudante morava em um quarto pequeno que alugava na Urca – próximo ao centro de pesquisas – por R$ 600. Um mês depois, o valor subiu para R$ 800, o que dificultou sua permanência no local, já que a bolsa concedida pelo Capes é R$ 1.500. A saída encontrada por ele foi se mudar para uma vila próxima à Central do Brasil, no Centro do Rio. Lá, ele divide o aluguel de R$ 1.500 com a namorada, mestranda em História, e outro estudante de Direito.

Erick destacou que, além do valor do aluguel, os preços de alimentação no Centro – que são mais baixos – também foram atrativos, embora, agora, ele tenha despesas com transporte para chegar à unidade de ensino. "Além do valor da bolsa ser baixo, não temos seguro médico. Isso dificulta bastante", disse.

No entanto, se os preços mais baixos são uma vantagem, o venezuelano aponta a principal desvantagem do Centro: a insegurança. "A gente fala que depois das 22h é melhor chegar de táxi pela insegurança. Gostaria de morar mais perto da Zona Sul, mas a bolsa é insuficente para pagar os exorbitantes aluguéis. Minha impressão sincera é que as pessoas na Zona Sul fazem mais especulação com os preços do aluguel", disse Erick.

O professor do CBPF Cássio Leite Vieira percebeu o movimento de "migração" dos alunos para outras regiões da cidade e os reflexos provocados nos estudos. Cássio chamou a atenção para a defasagem do valor das bolsas e acrescentou que a mesma quantia é paga em estados com realidades econômicas diferentes.

"Mil e quinhentos reais para um estudante de mestrado que vive em Alagoas pode ser razoável. Os gastos com aluguel são mais baratos, o transporte não é tão caro. Mas este valor para um estudante que mora no Rio, cidade que saiu no ranking das mais caras no quesito alimentação, é um equívoco", disse Cássio, acrescentando que uma solução plausível seria um auxílio-transporte para os estudantes por parte da Prefeitura do Rio.

Fonte: G1/ Rio de Janeiro



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