Documento sem título






     Notícias






Debate reforça posicionamento contrário à proposta de lei orgânica



A comunidade acadêmica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) rechaçou a proposta de Lei Orgânica das Universidades Federais, destinada a regulamentar a autonomia universitária de que trata o artigo 207 da Constituição Federal. Com exceção da fala dos representantes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) – entidade proponente da lei – e do Ministério da Educação (MEC), professores e técnicos que se manifestaram durante o debate público sobre o assunto, nesta sexta-feira (31), levantaram uma série de preocupações em relação ao tema. Aproximadamente 140 pessoas compareceram ao evento.

Na avaliação do professor Paulo Rizzo, representante do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), não há autonomia sem democracia e embora do artigo 207 defina esse termo, há uma espécie de “cipoal” de leis e decretos infraconstitucionais que impedem a verdadeira autonomia universitária.

“Para os governos esse debate reaparece sempre em períodos de crises fiscais. Esse é o ponto que toca o debate da autonomia, pois a única forma de tê-la é por meio do pleno financiamento público. Caso contrário, sua liberdade de produção é limitada”, afirmou. O diretor do ANDES-SN citou como exemplo casos de professores orientadores que obrigam doutorandos a não apresentar o resultado de sua pesquisa, para não ferir interesses da empresa financiadora do trabalho. “É a lógica da autonomia de mercado, a ‘eunomia’, com projetos pessoais e de empresas em disputa”.

Ele reforça que a proposta de lei orgânica apresentada pela Andifes acentua o caráter produtivista-mercantilista de um projeto que não prioriza a educação pública de qualidade. “A universidade pública não tem o papel de concorrer com outras universidades. Quem compete é a iniciativa privada!”, criticou Rizzo, chamando atenção para o caso de universidades públicas que oferecem cursos de especialização pagos. “É vedado pela Constituição Federal, no artigo 206, promover ensino pago, mas isso acontece através das fundações e isso é ilegal porque a fundação não é uma instituição de ensino e, portanto, não pode oferecer cursos. Todas as universidades se baseiam em um parecer do MEC de que especialização pode ser cobrada financeiramente”, arrematou.

O diretor do ANDES-SN destacou que o movimento docente se contrapõe à lógica do produtivismo e da mercantilização da educação baseada em metas quantitativas. “Uma das coisas para a quais somos pagos para fazer é pensar, mas se você não tem tempo para pensar porque tem que procurar alternativas para melhorar a sua remuneração, a Universidade deixa de cumprir o seu papel”, lamentou. Rizzo acrescentou ainda que as divergências entre a categoria docente e governo ocorrem em virtude da discordância quanto à concepção do que é universidade. “Não há necessidade de lei orgânica. Onde a Constituição Federal não impõe limites, a lei não pode fazê-lo”, completou.

A lógica produtivista está tão marcada na universidade que há casos de professores invertendo o modo de intervenção junto à sociedade, para atender a projetos de empresas, conforme o professor aposentado Menabarreto França. “Nós temos professores contratados em regime de dedicação exclusive captando recursos e fazendo estudos de impacto ambiental pelo valor R$ 1 milhão, como o realizado no Santa Etelvina”, disse. “A Ufam está privatizada”, lamentou França.

No entendimento do professor do Departamento de Filosofia, Alcimar Oliveira, essa lógica persiste em virtude da inversão de prioridades do governo. “O Brasil está hoje sob a intervenção da Fifa com doze elefantes brancos distribuídos pelo país, um deles aqui em Manaus. A sociedade brasileira precisa sim de uma universidade autônoma, mas esta luta é muito árdua e não deve ter uma solução a partir desta discussão”, acentuou.

Para o técnico-administrativo da Faculdade de Educação, Francisco Parente Júnior, a proposta é confusa e encontra divergências na própria Andifes. “Penso que há dificuldades dos reitores de lidar com a política dentro da Associação. Não está claro que autonomia é essa que se discute com a sociedade”, disse ele. “Qual a autonomia que a universidade precisa?”, emendou o presidente do Instituto Amazônico de Cidadania, Hamilton Leão, representante da sociedade civil. Ele questionou o fato de governo conceder bolsas de estudo em instituições de ensino superior privadas, enquanto deixa de investir nas universidades públicas.

A coordenadora de Formação Sindical e Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Superior do Estado do Amazonas (Sintesam), Crizolda Araújo, questionou a limitada representatividade das universidades e dos trabalhadores na composição do Conselho das Universidades Públicas Federais, um dos tópicos da proposta de lei orgânica. “Não está claro, por exemplo, como será garantida a representatividade dos técnicos-administrativos nesse conselho”, disse.

Para o presidente da Adua, José Belizario, a proposta de lei orgânica trata-se de um novo “golpe” proposto pelos aliados do governo, após a irresponsável expansão que vem acarretando no sucateamento das universidades. “A proposta reduz a autonomia universitária à autonomia financeira, de acordo com o discurso daqueles que têm como projeto a mercantilização do ensino superior. E por outro lado, substitui a organização democrática por um obscuro Conselho das Universidades Públicas Federais, vinculado ao MEC”, disse.

Ele destacou que a proposta de retirar a autonomia das universidades é antiga, gestada na década de 1990, mas que vem sendo “barrada” pela atuação dos sindicatos e movimentos sociais, o que tem feito os governos retrocederem. “Esperamos que as universidades usem da sua autonomia para impedir a sua adesão”, disse. Belizario fez questão de destacar que o debate sobre o tema foi uma proposta da Adua, acatada por unanimidade pelo Conselho Universitário da Ufam.

Vozes dissonantes

Na fala de abertura do debate e após as indagações do público, a professora Ângela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e presidente da Comissão de Autonomia da Andifes – entidade proponente da lei orgânica – afirmou que o artigo 207 da Carta Magna está “desgastado” e, por isso, “sem condições de ser utilizado”. “Se ele [artigo] fosse autoaplicável, não estaríamos aqui fazendo essa discussão”, disse à plateia, à qual qualificou de “razoável” na contribuição ao debate, em comparação a outros fóruns de discussão.

Segundo Viana, a ideia geral da proposta é organizar um “sistema das universidades federais” de modo a garantir a defesa dos interesses da academia. O desrespeito às peculiaridades do modelo de universidade federal, de acordo com ela, estaria entre as causas que legitimam a criação de uma normatização específica para as instituições do segmento, hoje, tratadas em padrão de igualdade, por exemplo, com instituições financeiras, como o Banco do Brasil.

Para ela, a diferença com a aprovação da lei seria a oportunidade de as universidades serem representadas por um conselho e não mais a ocorrência de reivindicações individuais de cada reitor junto ao Ministério da Educação. “Esse conselho vai ouvir todas as propostas e políticas da instituição”, disse.

Apesar de não estar a par do assunto, como mencionou logo no início do debate, o representante do MEC, professor Antônio Simões, coordenador-geral de Expansão e Gestão das Instituições Federais de Ensino, considera o debate salutar para a melhoria da proposta, a qual compreende como uma iniciativa de defesa de universidade pública. “Os recursos estão em disputa. A Sesu [Secretaria de Educação Superior] tem vontade que autonomia aconteça, mas isso também depende de uma melhor articulação das universidades”. Ele citou como exemplo programas da National Geographic que tratam da ação de animais que estão no topo da cadeia alimentar. “Quando um animal quer atacar, ele isola a presa”, afirmou.

Destaques

Durante o evento, chamou atenção a baixa participação dos conselheiros da maior instância deliberativa da Ufam, que na segunda-feira (3) vão deliberar sobre o tema, marcando o posicionamento da universidade quanto ao assunto.

Outro aspecto marcante do seminário foi a apresentação-surpresa feita pelos professores Luiz Carlos Martins, Maria Rutimar de Jesus e Nereide Santiago, que, entre a exposição dos debatedores e as contribuições do público, fizeram ecoar o grito de "mentira", ao declamarem o poema “No caminho, com Maiakóvski”, escrito na década de 1960 como manifestação de revolta à intolerância e violência impostas pela ditadura militar. “Não foi um momento cultural. Foi político!”, avaliou o professor Lino João.

Fonte:
Adua



Galeria de Fotos