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Análise jurídica sobre o teor da Lei Complementar nº 173/2020 - direito dos servidores públicos titulares de cargos efetivos

  12/06/2020



Brasília, 09 de junho de 2020,

Prezado Professor Antônio Gonçalves Filho,

Presidente Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior-ANDES-SINDICATO NACIONAL

REF: Análise jurídica sobre o teor da Lei Complementar nº 173/2020, no que se refere ao direito dos servidores públicos titulares de cargos efetivos.

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Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta Assessoria Jurídica Nacional, apresentar análise jurídica acerca da Lei Complementar nº 173, publicada no Diário Oficial da União em 28 de maio de 2020, no que se refere ao direito dos servidores públicos titulares de cargos efetivos do Distrito Federal.

 

Oriunda de uma série de medidas relativas à pandemia causada pelo COVID19, a Lei Complementar nº 173/2020 trouxe em seu bojo diversos apontamentos que prejudicam sobremaneira o direito dos servidores públicos e o andamento da prestação do serviço público em si. Instituidora do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV2 (COVID19), a lei foi propagada pelo Governo Federal como “a lei de ajuda a estados e municípios”, na medida em que contempla previsões legais sobre estruturação de dívidas, auxílio financeiro e reestruturação de crédito entre os entes federativos.

 

O foco dessa análise será, contudo, a afetação da LC 173/2020 ao direito dos servidores públicos, prevista em seu artigo 8º, que são contundentes e importantes. Primeiramente, cumpre salientar que as medidas referidas são aplicáveis a todos os entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios e terão validade até o dia 31 de dezembro de 2021. Até essa data ficam proibidos:

 

1 - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública.

 

Quanto ao primeiro ponto, toda e qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, exceto aquelas que tenham sido determinadas por lei antes da decretação de calamidade pública (ou oriundas de sentença judicial transitada em julgado), estarão proibidas de serem concedidas, tanto para os servidores titulares de cargos efetivos, quanto aos empregados públicos celetistas.

 

2 - criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

 

3 - alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

 

Nos pontos 2 e 3, a vedação se refere à criação de cargo, emprego ou função, mas desde que isso gere aumento de despesa. Assim, cargos, empregos e funções que não aumentem despesa poderão ser criados, o que permite o remanejamento entre os órgãos de poder. Da mesma maneira, as estruturas de carreira também poderão ser alteradas, desde que não impacte no aumento de despesa.

 

4 - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

 

5 - realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

 

Aqui, a vedação se refere aos atos de contratação e admissão de pessoal, inclusive quanto à realização de concurso público. O inciso IV permite que os cargos de chefia, de direção e de assessoramento sejam repostos, desde que sem aumento de despesa, assim como também permite que os cargos em vacância (efetivos ou vitalícios) sejam repostos e as contratações temporárias sejam admitidas. Já quanto à realização de concurso público, ele somente será permitido para as reposições de vacância. As hipóteses de vacância de cargos existentes são diversas, mas as mais comuns são aquelas oriundas de aposentadoria, morte, readaptação etc.

 

6 - criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

 

O ponto 6 proíbe a criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, ainda que sejam indenizatórios. Ou seja, aquilo que já existe, continuará sendo pago, mas fica vedada a criação de novos ou majoração dos existentes. Essa vedação se aplica tanto aos membros de Poder quanto aos servidores e empregados públicos e aos dependentes.

 

7 - criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

 

8 - adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

 

Quanto aos pontos 7 e 8, importante conceituar o que seria despesa obrigatória de caráter continuado. Este termo está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), em seu artigo 17, caput, que diz: “considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios”. Em suma, são os gastos públicos relacionados a serviços tidos por essenciais para a Administração Pública e que, em interpretação analógica da Lei 8.666/1993, são aqueles cuja interrupção importaria em sério risco da atividade administrativa. Assim, nos termos da LC 173/2020, é vedação não apenas a criação de despesa de caráter continuado como o seu reajuste para índices que superem a inflação. Importante salientar que as despesas de pessoal não estão incluídas nas despesas obrigatórias de caráter continuado.

 

9 - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.

 

Por fim, o último ponto relevante é aquele que veda a contabilização do tempo existente entre os dias 28 de maio de 2020 até 31 de dezembro de 2021 como tempo aquisitivo para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos que aumentem a despesa. Embora alguns desses benefícios não mais existam na esfera federal, como a licença-prêmio, ela ainda está prevista na legislação de diversos estados, municípios e do Distrito Federal. Porém, há que se fazer uma ressalva: a lei fala em mecanismos equivalentes, o que faz crer que a licença capacitação, que é equivalente à licença prêmio, seja afetada pela vedação. Quanto à contabilização desse tempo para efeitos de aposentadoria, não há qualquer prejuízo.

 

Importa salientar que os parágrafos do art. 8º da LC 173/2020 trazem algumas exceções de aplicabilidade a essas vedações, como permitir a criação de cargos ou de despesa obrigatória relativa às medidas de combate à calamidade pública do coronavírus. Outra exceção diz respeito aos profissionais de saúde e de assistência social, que não estão incluídos na vedação do ponto 6, o que significa que poderão ter a criação ou majoração de auxílios e outros incentivos.

 

As medidas relativas à proibição de admissão ou contratação de pessoal, criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, realização de concurso público, concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, além de vedação de contabilização desse período como aquisitivo na concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio ou mecanismos equivalentes que promovam aumento de despesa com pessoal, são algumas das absurdas previsões da referida lei. Para além das latentes inconstitucionalidades, fica claro que a medida tem a intenção de congelar a vida e os vencimentos dos servidores públicos que estão em atividade, sob a justificativa da pandemia do coronavírus.

 

O que se percebe é que a pauta de ajuste fiscal às custas dos servidores e empregados públicos permanece latente, mesmo diante da maior situação de risco já enfrentada pela população mundial. A despeito da absoluta ausência de dados técnicos que sinalizem que as medidas restritivas deveriam durar até 31.12.2021, o arrocho fiscal promovido pela LC 173/2020 parece funcionar mais como uma medida preparatória às eleições de 2022.

 

Uma das preocupações que mais emerge à categoria é aquela relativa ao direito desses servidores poderem ou não realizar os processos de promoção e progressão na carreira. Quando o legislador quis proibir determinado direito do servidor, ele o fez expressamente. Assim, não há dúvidas de que estão proibidas até 31/12/2021 a concessão de reajuste a todos os servidores públicos. Também não se discute a presença evidente da proibição da realização de concurso público.

 

Porém, quando da análise sobre o direito de progressão ou promoção, não há qualquer ressalva expressa que evidencie a proibição de análise de desempenho dos servidores ou de efetivação de seu encaminhamento na carreira. Logo, se naquilo que ele quis proibir, o legislador o fez de maneira expressa, entende-se que as demais questões, inclusive o direito às progressões e promoções, não estão previstas no texto da lei. Contudo, é preciso diferenciar aquilo que é a intenção do governo federal e da equipe econômica de Paulo Guedes daquilo que foi expressamente previsto na LC 173/2020. Embora se compreenda que não há vedação às progressões e promoções, destaca-se a existência de elementos normativos que compõem o texto e que podem ser interpretados de maneira prejudicial.

 

Quanto a algumas das controvérsias previstas na LC 173/2020, o próprio Ministério da Economia soltou uma Nota Técnica em que diz, expressamente, por intermédio do seu Departamento de Carreiras e Desenvolvimento de Pessoas da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal que qualquer concessão derivada de determinação legal anterior à calamidade pública poderão ser implementadas, ainda que implique em aumento de despesa com pessoal. A Nota ainda diz que, no âmbito do Poder Executivo Federal, a concessão de Retribuição de Titulação, Incentivo à Qualificação, Gratificação por Qualificação continuam permitidas, na medida em que os critérios de sua concessão se relacionam à comprovação de certificação ou titulação ou cumprimento de requisitos técnico-funcionais, acadêmicos e organizacionais.

 

Já quanto à concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos, o Ministério da Economia entende que os servidores que tenham completado o período aquisitivo desses benefícios até 27 de maio de 2020 (data anterior à publicação da LC 173/2020) terão os efeitos financeiros implementados, mas aqueles que completem após esse período, terão a contagem suspensa até 31 de dezembro de 2021 e retomada em 1º de janeiro de 2022. A nota reafirma o entendimento que a contagem de tempo transcorrido para licença prêmio pode ser utilizado no conceito de licença capacitação, o que significa que, para o Ministério da Economia, a licença para capacitação ou os afastamento para participação em programas de Pós-Graduação Stricto Sensu no país e em programa de pós-graduação no exterior cujos períodos aquisitivos tenham sido completados até 27 de maio de 2020 poderão ser usufruídos. Já os períodos aquisitivos que não tenham sido completados até essa data terão a contagem suspensa até 31 de dezembro de 2021, e retomada a partir de 1º de janeiro de 2022.

 

Por fim, quanto às progressões e promoções, a Nota do Ministério da Economia diz que não há nenhuma vedação a sua ocorrência, pois que não se enquadram nas vedações da LC 173/2020, já que são formas de desenvolvimento nas carreiras amparadas em leis anteriores e concedidas de acordo com critérios de desempenho.

 

De certo, o texto da Lei Complementar nº 173/2020 trouxe diversas previsões que afrontam o texto constitucional, em especial quanto à irredutibilidade de vencimentos, a vedação do retrocesso social, a autonomia universitária e a isonomia, que são passíveis de gerar enfrentamento judicial específico. Quanto às progressões e promoções, qualquer tentativa administrativa de vedá-las estará à margem do texto legal, para além de também incorrer no mesmo malferimento constitucional, e será devaneio interpretativo extensivo a ser enfrentado e repudiado no Poder Judiciário.

 

Sendo o que tínhamos para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

 

Atenciosamente,

Leandro Madureira Silva

OAB/DF nº 24.298

Rodrigo Peres Torelly

OAB/DF nº 12.557

 

Assessoria Jurídica Nacional

Mauro Menezes & Advogados