PARECER Nº2/2020
EMENTA: INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 207/2019. AUXÍLIO-TRANSPORTE. VIABILIDADE DE PROPOSITURA DE DEMANDA JUDICIAL PARA SERVIDORES QUE UTILIZEM VEÍCULO PRÓPRIO OU OUTRO MEIO DE TRANSPORTE ONEROSO.
I – DOS FATOS
Trata-se de consulta formulada pela ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – ADUA/SS, SEÇÃO SINDICAL DO SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR (ANDES/SN) acerca da Instrução Normativa nº 207, de 21 de outubro de 2019, que estabelece orientação quanto ao pagamento de auxílio-transporte ao servidor e ao empregado público nos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa.
É a síntese do necessário. Passa-se às considerações sobre a matéria.
II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Inicialmente, destaca-se que a Instrução Normativa nº 207/2019 revogou a Orientação Normativa SRH nº 4, de 8 de abril de 2011 e a Orientação Normativa SEGRT nº 4, de 21 de setembro de 2016, as quais tratavam do mesmo objeto (orientações quanto ao pagamento do auxílio-transporte aos servidores e empregados públicos).
Comparando a Instrução Normativa vigente com as Orientações Normativas revogadas, verifica-se que a Instrução Normativa em vigor contempla boa parte das disposições contidas nas Orientações Normativas revogadas, tendo sido efetuadas poucas alterações e inserções no texto.
Dessa forma, a presente análise será específica, ressaltando-se alguns pontos prejudiciais aos servidores e que poderão ser objeto de ação judicial coletiva a ser ajuizada em nome do Sindicato e em benefício de seus filiados, considerando o entendimento jurisprudencial sobre o assunto. Senão vejamos.
O artigo 2º, inciso I da mencionada Instrução Normativa veda o pagamento de auxílio-transporte para servidores que utilizem veículo próprio ou outro meio de transporte que não se enquadre como transporte coletivo:
Art. 2º É vedado o pagamento de auxílio-transporte:
I - quando utilizado veículo próprio ou qualquer outro meio de transporte que não se enquadre na disposição contida no §1º do art. 1º desta Instrução Normativa1;
[...]
V - nos deslocamentos entre residência e local de trabalho e vice-versa, quando utilizado serviço de transporte regular rodoviário seletivo ou especial.
Entretanto, há diversas decisões judiciais reconhecendo ser devido o pagamento do auxílio-transporte ao servidor, independentemente no meio de locomoção utilizado, seja através de veículo próprio, transporte regular rodoviário ou de transporte coletivo, desde que haja o efetivo gasto com deslocamento. Nesse sentido, vejamos as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO-TRANSPORTE. MP 2.165-36/2001. PROVIMENTO NEGADO. 1. O auxílio-transporte objetiva custear despesas realizadas pelos servidores públicos com transporte em veículo próprio ou coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual, relativas aos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa, nos termos da MP n. 2.165-36/2001, sendo devido, portanto, aos que se utilizam de "transporte regular rodoviário". Precedentes. 2. Ausência de violação da cláusula de reserva de plenário, tampouco da Súmula Vinculante n. 10 do STF, visto que não houve a declaração de inconstitucionalidade de lei. 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1119166/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 22/06/2015)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-TRANSPORTE. DESLOCAMENTO COM VEÍCULO PRÓPRIO DO SERVIDOR. POSSIBILIDADE. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, o auxílio-transporte tem por fim o custeio de despesas realizadas pelos servidores públicos com
1 Art. 1º O pagamento do auxílio-transporte, pago pela União, em pecúnia, possui natureza jurídica indenizatória, destinado ao custeio parcial das despesas realizadas com transporte coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual pelo servidor ou empregado público da Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações, nos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa.
§ 1º Para fins desta Instrução Normativa, entende-se por transporte coletivo o ônibus tipo urbano, o trem, o metrô, os transportes marítimos, fluviais e lacustres, dentre outros, desde que revestidos das características de transporte coletivo de passageiros e devidamente regulamentados pelas autoridades competentes.
transporte, através de veículo próprio ou coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual, relativas aos deslocamentos entre a residência e o local de trabalho e vice-versa. Precedentes do STJ. 2. Não há falar em incidência da Súmula 10/STF ou em ofensa ao art. 97 da CF/1988, nos casos em que o STJ decide aplicar entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema, sem declarar inconstitucionalidade do texto legal invocado. 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1418492/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 03/11/2014)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO-TRANSPORTE. DESLOCAMENTO COM VEÍCULO PRÓPRIO DO SERVIDOR. POSSIBILIDADE. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC, verifico que o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, o auxílio-transporte tem por fim o custeio de despesas realizadas pelos servidores públicos com transporte, através de veículo próprio ou coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual, relativas aos deslocamentos entre a residência e o local de trabalho e vice-versa. Precedentes do STJ. 3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp 471.367/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 22/04/2014)
Em tempo, ressalta-se que a Orientação Normativa SRH nº 4, de 8 de abril de 2011, alterada pela Orientação Normativa SEGRT nº 4, de 21 de setembro de 2016, ora revogadas, permitiam o pagamento do auxílio em comento quando utilizado serviço de transporte regular rodoviário seletivo ou especial, desde que o servidor apresentasse os bilhetes relativos ao transporte utilizado:
Art. 5º É vedado o pagamento de auxílio-transporte nos deslocamentos residência/trabalho/residência, quando utilizado serviço de transporte regular rodoviário seletivo ou especial.
[...]
§3º O pagamento do auxílio-transporte nas situações previstas no caput fica condicionado à apresentação dos "bilhetes" de transportes utilizados pelos servidores.
Tal exigência não fora mantida na Instrução Normativa em vigor, de modo que atualmente está dispensada a apresentação de bilhetes, alinhando-se ao entendimento jurisprudencial sobre o assunto.
Nesta oportunidade, destaca-se que a Instrução Normativa em análise estabelece a obrigatoriedade de os servidores utilizarem o Módulo Requerimento do Sistema de Gestão de Pessoas - SIGEPE, para requerer a concessão, a atualização e a exclusão do auxílio-transporte, bem como realizar o recadastramento do benefício, consoante os dispositivos a seguir transcritos:
Art. 3º Compete ao servidor ou empregado público requerer a concessão, a atualização e a exclusão do auxílio-transporte obrigatoriamente pelo Módulo de Requerimentos do Sistema de Gestão de Pessoas (SIGEPE).
§ 1º Os requerimentos de concessão e de atualização de que tratam o caput deverão ser assinados eletronicamente pelo servidor ou empregado público e conterão obrigatoriamente as seguintes informações:
I - dados funcionais do servidor ou empregado público;
II - endereço residencial completo;
III - informações sobre os meios de transporte utilizados nos deslocamentos do servidor ou empregado público e o percurso entre residência e local de trabalho e vice-versa; e
IV - valores das despesas com cada percurso e valores totais, diário e mensal, das despesas com o transporte, observado o disposto no §2º do art. 4º do Decreto nº 2.880, de 15 de dezembro de 1998.
§ 2º O servidor ou empregado público deverá manter atualizado o seu endereço residencial junto às unidades de gestão de pessoas, cabendo inclusive, informar sempre que ocorrer alteração das circunstâncias que fundamentam a concessão do benefício.
§3º O requerimento de exclusão de que trata o caput deverá ser assinado eletronicamente pelo servidor ou empregado público e conterá obrigatoriamente a motivação para a solicitação da exclusão.
[...]
Art. 5º Os órgãos setoriais, seccionais e correlatos do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) deverão realizar o recadastramento do auxílio-transporte pelo servidor ou empregado público, a cada dois anos, a contar a partir do exercício de 2020.
Parágrafo único. O recadastramento a que se refere o caput deverá ser realizado obrigatoriamente pelo Módulo de Requerimentos do Sistema de Gestão de Pessoas (SIGEPE).
Dessa forma, imperioso evidenciar que, ao inserir tais informações no sistema, o servidor declara que as informações prestadas são verdadeiras, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal (art. 299 do Código Penal – falsidade ideológica).
A Instrução Normativa traz em seu texto a possibilidade de recebimento do auxílio-transporte decorrente do deslocamento entre locais de trabalho para servidores que detém mais de um cargo acumulável, na forma do §5º do art. 1º:
Art. 1º [...] § 5º No caso de acumulação lícita de cargos ou empregos, poderá o servidor ou empregado público optar pela percepção do auxílio-transporte relativo ao deslocamento entre os locais de trabalho, em substituição àquele relativo ao deslocamento entre o local de trabalho e sua residência.
Vale lembrar que o auxílio-transporte é benefício de natureza indenizatória, previsto pela Lei 8.112/90 (RJU) e pela MP 2.165-36, de 2001, a regulamentação fora destinada para impedir que o servidor usasse parte de seus rendimentos com transporte para o local de trabalho.
O artigo 1º da IN 207/2019, manteve a natureza indenizatória do auxílio-transporte
Art. 1º O pagamento do auxílio-transporte, pago pela União, em pecúnia, possui natureza jurídica indenizatória, destinado ao custeio parcial das despesas realizadas com transporte coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual pelo servidor ou empregado público da Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações, nos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa.
Apesar do mencionado normativo alijar o direito daqueles que eventualmente necessitem utilizar veículo próprio em seus deslocamentos ou outro tipo de transportes peculiares de municípios distantes da capital, o dever de indenizar é mantido.
Outro absurdo que a IN 207/19 traz é a cessação do pagamento do auxílio-transporte a servidores que sejam atendidos por lei municipal que concede gratuidade às pessoas com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos o direito à gratuidade no sistema de transporte público.
Art. 2º É vedado o pagamento de auxílio-transporte:
...
IV - ao servidor ou empregado público que faça jus à gratuidade prevista no §2º do art. 230 da Constituição Federal de 1988; ...
Ora, o direito à gratuidade no transporte público pelo idoso é uma faculdade e não pode ser exigido o seu exercício pelo empregador, trata-se de um direito social e não advém de sua condição de trabalhador.
Estas são as principais alterações provenientes da publicação da Instrução Normativa nº 207, de 21 de outubro de 2019.
III – DA CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se pela viabilidade da propositura de demanda judicial com o objetivo de possibilitar o pagamento de auxílio-transporte aos servidores filiados que utilizem veículo próprio ou outros meios de transportes onerosos, bem como, para os servidores com idade igual ou superior a 65 anos.
Em tempo, orienta-se aos servidores que efetuem o recadastramento no prazo indicado (31/03/2020). Havendo negativa pelos motivos expostos nesta nota, os servidores deverão aguardar a decisão da ação coletiva a ser proposta.
É o que temos a considerar.
Manaus, 18 de fevereiro de 2020.
Mª AUXILIADORA BICHARRA DA S. SANTANA
ADVOGADA – OAB/AM 3.004
FERNANDA KELEN SOUSA DA SILVA
ADVOGADA – OAB/AM 11.739
|