Prezado Professor Antônio Gonçalves Filho, Presidente do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta Assessoria Jurídica Nacional, apresentar análise acerca da Medida Provisória no 914, de 24 de dezembro de 2019, que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes das universidades federais, dos institutos federais e do Colégio Pedro II.
A medida provisória em referência foi apresentada sob a justificativa de que “o processo de escolha dos Reitores ainda é regido por legislação antiga e que precisa ser reformulada, com urgência, com vistas a atender, especialmente, aos princípios do Decreto no 9.203, de 22 de novembro de 2017, que dispõe sobre a política de governança da Administração Pública federal, direta, autárquica e fundacional, dentre os quais se destacam: capacidade de resposta; integridade; confiabilidade; prestação de contas e responsabilidade; e transparência.” Mas não a MP não trouxe em sua exposição de motivos qualquer evidência de como a regra anterior não atendia a esses princípios.
Sobre os exatos termos da MP 914, o art. 2o reforça a obrigatoriedade de consulta à comunidade acadêmica para a feitura da lista tríplice. Essa condição estava no art. 16, I e III, da Lei 9.192/95, que foi integralmente revogada pela MP 914. Outro ponto que foi reforçado pela MP foi o peso dos votos dos docentes. O inciso III do art. 16 da Lei 9.192/95 já previa o peso de 70% para a comunidade docente. A novidade em relação a este último ponto é a distribuição comum de 15% de peso ao restante da comunidade universitária, i.e., aos técnicos e aos alunos, respectivamente.
Quanto ao procedimento para consulta pública, o art. 3o determina as seguintes disposições para o procedimento de escolha da lista tríplice para reitor:
- a votação será direta, facultativa e preferencialmente eletrônica; - voto em apenas um candidato (ressalta-se previsão similar na lei revogada 9.192/95, pois determinava a votação uninominal);
- mandato de quatro anos (já previsto no art. 5o do Decreto 1.916 de 1996);
- a consulta para formação da lista tríplice será organizada por um colégio eleitoral criado especificamente para este fim. Frisa-se que o inciso I do art. 16 da Lei 9.192/95 já previa esse colégio eleitoral específico, mas como alternativo do colegiado máximo.
- O § 1o do art. 3o da MP determina o peso de 70% do corpo docente para a eleição do Reitor. Os incisos II e III do art. 16 da lei 9.192/95 já tinha essa previsão, assim como seu decreto regulamentador, no § 4o do seu art. 1o.
O art. 5o determina que o candidato a reitor fica automaticamente afastado do cargo em comissão ou da função de confiança que exercer a partir da homologação da sua candidatura. Determina, ademais, que o afastamento ocorre com prejuízo da remuneração daquele cargo ou função, mas com manutenção das parcelas remuneratórias permanentes. Por fim, o afastamento ocorre sem a dispensa das atividades do cargo efetivo.
Uma novidade da MP 914 diz respeito ao Vice-Reitor. Pela legislação anterior o Vice-Reitor era escolhido na mesma forma que o Reitor (art. 16, I, Lei 9.192/95). Todavia, a MP inova, prejudicialmente, ao determinar que a escolha do Vice-Reitor agora cabe ao Reitor escolhido e nomeado pelo Presidente da República (art. 6o, § 2o). Os requisitos para o candidato ser Reitor ou vice-Reitor não mudam, ou seja, que tenham título de doutor ou estejam nas duas últimas classes/níveis da carreira do Magistério Superior.
A nova forma de escolha do Vice-Reitor indubitavelmente é menos democrática que a maneira pretérita, haja vista que ela retira a participação de toda a comunidade universitária e concentra essa decisão nas mãos do Reitor escolhido e nomeado pelo Presidente da República.
Destarte, tem-se uma eventual inconstitucionalidade, pois afronta o art. 207 da CF, além de não cumprir requisitos formais para a sua edição, i.e., relevância e, principalmente está ausente a urgência requerida.
A MP não dispõe sobre a possibilidade de recondução. O parágrafo único do art. 16 da Lei 9.192/95 e o Decreto 1.916/96, que a regulamenta, permitiam apenas uma única recondução.
Outra circunstância bastante preocupante é a designação de reitor pro tempore. Há duas situações para esse tipo de designação. A primeira é a vacância concomitante dos cargos de Reitor e Vice-Reitor. A segunda é pela impossibilidade de homologação do resultado da votação quando verificadas irregularidades no processo de consulta. A primeira situação já era prevista no Decreto 1.916/96 (art. 7o). Porém, a segunda conjuntura é inédita e sem o requisito da urgência prevista constitucionalmente para a edição de uma MP. Ou seja, temos novamente inconstitucionalidades formais e materiais na MP, que podem repercutir de forma autoritária pelo Governo Federal. Salienta-se que esse tipo de designação era feita pelo Presidente da República, pela MP essa atividade caberá ao Ministro da Educação.
Quanto ao procedimento de escolha de dirigentes, a MP estabelece que os campi serão dirigidos por diretores-gerais que serão escolhidos e nomeados pelo Reitor. Poderão ser nomeados os ocupantes de cargo efetivo da carreira de docente ou de cargo efetivo de nível superior da carreira dos técnico-administrativos do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação.
Concernentemente ao diretor de unidade, a MP estabelece que os diretores e vice-diretores das unidades serão escolhidos e nomeados pelo Reitor, para mandato de quatro anos (art. 9o). Há uma diferença crucial em relação a legislação pretérita (art. 16, IV, Lei 9.192/95), que é o fato de que os diretores eram escolhidos pelo Reitor, entretanto havia a necessidade de observar o procedimento de escolha do Reitor e Vice-Reitor. Em suma, para a escolha de Diretor e Vice-Diretor havia a participação de toda a comunidade universitária, e agora o Reitor passará a escolhe-los sozinho. Sem dúvidas que essa previsão é atentatória à autonomia universitária e submete a comunidade acadêmica a uma maior vulnerabilidade.
Ao final, a MP estipula que ato do Ministro da Educação disporá sobre a integridade, a confidencialidade e a autenticidade dos processos de votação eletrônica. Por fim, mas não menos importante, a MP promove alteração absoluta na forma como os Institutos Federais deverão escolher seus reitores, haja vista que essas regras também lhes serão aplicadas.
A despeito de não haver dúvidas de que o tema não revela urgência que habilite a edição de Medida Provisória, bem como sob o entendimento de que toda e qualquer regulamentação de assunto tão sensível precise ser apreciado pelo Congresso Nacional, a análise jurídica da MP 914/2019 evidencia a sua inconstitucionalidade formal, mas também o seu desrespeito à autonomia universitária. Assim, e diante de todos os fundamentos aqui trazidos, colocamo-nos a inteira disposição desse Sindicato Nacional para maior aprofundamento das análises já apresentadas, bem como da construção da estratégica de combate judicial da medida.
Atenciosamente,
Leandro Madureira Silva
Advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES – Sindicato Nacional Subcoordenador de Direito Público do Escritório Mauro Menezes & Advogados
OAB/DF 24.298
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