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Tramitação da 'reforma universitária': por que o sigilo?



O que se convencionou chamar de “reforma universitária” é um conjunto de 14 Projetos de Lei (PLs), em tramitação no Congresso Nacional, que poderá ter importantes conseqüências para a educação brasileira. Depois de vários anos de resguardo, a “reforma” foi ressuscitada em março do ano passado por meio da reativação de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Sob a presidência de Lelo Coimbra (PMDB), teve nomeado como Relator o deputado, por São Paulo, Jorginho Maluly (DEM), pouco conhecido nos meios educacionais. Após várias “Audiências Públicas”, pouco divulgadas, para as quais foram majoritariamente convidados representantes do setor mercantil da educação superior, a apresentação do relatório, que havia sido prometida para finais de 2009, foi suspensa. É possível que essa suspensão tenha sido provocada por manifestações de parcela da comunidade acadêmica ("Uma ‘reforma universitária’ sem doutor e sem pesquisa?", SBPC, Jornal da Ciência, 14 de agosto de 2009) e dos sindicatos da área (“Reforma universitária: quais os interesses envolvidos” – Andes-SN)

Com grande surpresa, já que nos meios usuais de comunicação da Câmara nada constava, verificou-se, no começo de junho, que, depois de mais de seis meses de interstício, havia sido chamada reunião da Comissão Especial, já para leitura e deliberação sobre um suposto Relatório Final, de que ninguém havia tido notícia. Mais surpreendente foi o cancelamento dessa reunião, transferida para o dia seguinte, 9 de junho, quando ocorreu novo cancelamento, com a curiosa justificativa de que o Relatório não pode ser completado, por dificuldades com “ajustes orçamentários”. Contudo, informações de assessores parlamentares alertam para a possibilidade de que, no meio da Copa, seja, convocada de véspera, como se tornou usual, nova reunião da Comissão Especial, com os mesmos objetivos, o que permitiria a votação em plenário (ou por acordo de líderes) ainda neste semestre. Urge, pois, relembrar (veja, por exemplo, “Reforma universitária: é isso mesmo?”, Jornal USP, ano XXII, n. 783 – novembro de 2006 [2]

Em comparações internacionais, a educação superior brasileira já se destaca por algumas características negativas, em especial, sua alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino. A oferta de educação superior por empreendimentos mercantis traz consigo uma série de conseqüências negativas para o país, que lhes são intrínsecas: a procura por lucro faz com que apenas sejam oferecidos cursos em áreas de conhecimento e regiões geográficas onde se encontra a clientela e não naquelas onde seriam mais necessários para a promoção do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social do país. Ao procurarem cortar seus “custos”, tais empresas ainda desqualificam o trabalho de seus docentes e não oferecem a seus estudantes formação integral, atendo-se a alguma espécie de treinamento, altamente inadequada a longo prazo, em um mundo em acelerada modificação, e de eficiência questionável mesmo no curto prazo.

Nesse contexto desfavorável, os projetos em tramitação e as 368 emendas com que o PL do governo foi agraciado caminham, como característica geral, no sentido de piorar a legislação atual do ponto de vista das necessidades e possibilidades nacionais. Mesmo o PL 7.200, depositado pelo poder executivo na Câmara dos Deputados, sob uma análise mais detalhada, apresenta uma quantidade considerável de problemas, como já denunciado à época (veja, por exemplo, o documento, de 2006, do Andes–SN “Análise do Projeto de Lei 7.200/2006: A Educação Superior em Perigo!”

Uma análise exaustiva do conteúdo dos PLs e das emendas seria impossível em um texto curto. Contudo, alguns exemplos podem servir para ilustrar a gravidade da situação. Segundo a LDB em vigor, para que uma instituição possa ser considerada universidade, é necessário que ela tenha “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado”, uma redação que afronta a inteligência de qualquer leitor: ela exigiria o mesmo se a redação fosse interrompida na palavra mestrado. Em sua versão original, PL 7.200, do governo federal, exige um mínimo de 25% de doutores no quadro docente de universidades e 11% em centros universitários, percentuais abaixo do que seria possível, considerando a realidade. Mas essa modesta exigência poderá ser derrubada pela força da bancada privatista no Congresso, como demonstram os dois PLs citados, que continuam a não exigir doutores em universidades, e as emendas que a eliminam do PL governamental. Portanto, uma das conseqüências da “reforma” é manter e agravar a situação atual.

Em 1996, ano de aprovação da LDB, o Brasil já tinha um número de doutores suficiente para que as exigências fossem mais rigorosas. Atualmente, quando o país tem mais do que 100 mil doutores, crescendo a uma taxa aproximada de 10 mil por ano, é inconcebível uma instituição de ensino superior sem doutor em seu corpo docente, ainda mais se for uma universidade. Além disso, ao persistir a situação – internacionalmente inaceitável – de não haver exigência por doutores nos corpos docentes de instituições de educação superior, a manutenção da taxa de crescimento de pessoas tituladas e o próprio sistema nacional de pós‑graduação, e a pesquisa daí resultante, quase certamente estarão comprometidos.

O PL 4.221, o mais abrangente e perigoso, apresentado em 2004 em segundo lugar, de forma ardilosa, pretende abarcar toda educação superior com sua uma centena de artigos, parte deles enfocando até mesmo a composição e as atribuições do Conselho Nacional de Educação. Entre outras arbitrariedades, arvora-se a apresentar uma redefinição do que deva ser entendido pela exigência constitucional da realização de pesquisa. Segundo o texto desse PL, a exigência mínima para que uma instituição possa ser considerada uma universidade seria de que apenas 3% do total dos docentes(!), não necessariamente doutores(!), se dedicassem a esta tarefa, reunidos em pelo menos dois grupos de pesquisa(!), reconhecidos como tal pela própria instituição(!). Ademais, a simples existência de pós-graduação poderia se constituir em alternativa à exigência anterior, mesmo que restrita a apenas um único “curso ou programa”, em nível de mestrado.

A articulação dos interesses mercantis é cabalmente evidenciada pelas emendas ao PL 7.200: para eliminar alguma possível restrição ao setor privado, uma emenda propõe a eliminação de um determinado artigo; caso esta não seja aprovada, há sempre outra que altera sua redação; caso ainda haja insucesso, outra emenda procura eliminar ou alterar alguns parágrafos do artigo.

Em relação às condições do trabalho docente, há propostas de reduzir, ainda mais, o percentual de docentes contratados por 40 horas e em dedicação integral a uma instituição, aumentando-se a participação dos, assim chamados, professores horistas ou de contratados em tempo parcial.

Enfim, se uma pequena parte dessas propostas, que tratam a educação superior como apenas mais um ramo do setor comercial, tiverem êxito no substitutivo a ser apresentado pelo relator, Jorginho Maluly, nossos doutores continuarão desempregados ou sub-empregados, nossos cursos continuarão fracos e as necessidades nacionais continuarão sem solução.

Há, ainda, outras pérolas no PL 4.221/04: o Art. 32 fixa durações mínima e máxima dos cursos de graduação: assim, a licenciatura teria mínimo de 2.400 horas e máximo de 3.200 horas; engenharias teriam mínimo de 2.800 horas e máximo de 3.600 horas; ciências biológicas e da saúde teriam entre 2.800 e 3.800 horas, exceto medicina, cujo mínimo seria de 6.000 horas e o máximo de 8.000 horas. O que se pretende com esses máximos? Limitar a qualidade de cursos oferecidos por instituições públicas? Forçar o setor público a ser mais parecido com o setor privado? Ainda mais: o Art. 48 determina, curiosamente, que cada dia letivo deva ter a duração máxima de 6 horas. O que se quer com isso? Facilitar ainda mais os cursos de fim de semana, que, se vierem a ter mais do que 6 horas de atividade em um único dia, esse será contado como dois?

Por fim, o PL 4.221 pretende alterar o conteúdo do Art. 209 da Constituição Federal, o qual exige do setor privado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Essa alteração aparece no Art. 67 daquele PL: “Para os efeitos do Art. 209 da Constituição, esta lei engloba as normas gerais da educação nacional para a autorização e avaliação de qualidade de cursos e instituições mantidas pela iniciativa privada”, seguido de um parágrafo único que veda ao Poder Executivo o estabelecimento de requisitos ou regulamentos que ampliem ou reduzam as normas estabelecidas nesta lei.

É possível supor que, tendo em vista a necessidade de composições para enfrentar a eleição, o governo esteja “fechando os olhos” e abrindo caminho para a aprovação de um projeto substitutivo ao gosto do setor mercantil, formado pelo 7.200, com suas emendas, e pelo 4.221.

Frente a essa situação e considerando o perfil privatista do Congresso brasileiro, é necessária uma forte ação para reduzir os estragos que a “reforma universitária” poderá causar ao país. A atuação decisiva dos colegiados das instituições de ensino superior, sérias e comprometidas com o desenvolvimento nacional, das associações profissionais e acadêmicas, das entidades representativas de docentes e estudantes, entre diversos outros setores da sociedade civil, se faz necessária e poderá contribuir para evitar o perigoso retrocesso que se desenha para a nação.

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP e vice-presidente da regional São Paulo do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN)

Fonte: Caros Amigos



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