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  30/06/2015 - por



Greve na Ufam e os especialistas sem espírito: os limites da judicialização



Data: 30/06/2015

No final da obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber nos apresenta a alegoria da stahlhartes gehäuse (a iron cage, a jaula de ferro, conforme Parsons a traduziu). E nessa jaula, o ambiente de uma vida moderna instrumentalmente racionalizada, esvaziada de sentido, pululam o que Weber chamou de “especialistas sem espírito”, “sensualistas sem coração”, “nulidades”. Essa jaula e os seres que a habitam expressam a vida contemporânea; espelham a vida acadêmica no ensino superior brasileiro, e tudo isso se faz sentir, particularmente, na greve de docentes e técnico-administrativos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Nessa Universidade, na busca por desconstruir a greve, as nulidades sem espírito estão à solta, a apostar que uma medida burocrática possa esvaziá-la.

Os sensualistas sem coração atacaram a greve desde os momentos que antecederam à sua deflagração. Num híbrido de tucanos com “esquerda” de inspiração albanesa e mais o rebotalho de todas as formas de direita reacionária que saíram do casulo nos últimos tempos no país, têm feito uso de diversos recursos contra a greve: transformaram o espaço público da UFAM numa arena beligerante, buscaram boicotar o direito ao voto dos professores das unidades acadêmicas do interior, defenderam métodos de votação estranhos à prática de um sindicato autônomo, crítico. E quando todos esses recursos espúrios não deram certo, passaram a apostar todas as suas fichas no espectro da judicialização da greve.

A judicialização do movimento dos trabalhadores, cabe observar, é uma constante em nosso país, ao lado dos métodos de força policial repressiva. E após as “jornadas de junho de 2013”, esses métodos têm sido utilizados de modo cada vez mais voraz contra o mundo do trabalho. Para ficar só nas greves em educação, e apenas no ano de 2015, a judicialização e a repressão foram os recursos primordiais de “negociação” de governos estaduais de diversas siglas partidárias (PMDB, PT, PSBD, etc.) e cujo pico foi o banho de sangue promovido pela PM do Paraná contra os professores daquele Estado e a sistemática perseguição judicial contra a greve dos professores de São Paulo. A judicialização agora é acionada pelas nulidades da jaula de ferro para se opor à greve legítima dos docentes da UFAM.

Um dos produtos dessa tentativa de judicialização das decisões decorrentes da deflagração da greve foi um documento intitulado “Parecer Jurídico – Sobre a suspensão do Calendário Acadêmico elaborado por professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas”. O que chama a atenção nesse documento é que todo o seu fundamento está assentado na Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965. Uma lei de corte ditatorial, criada em plena ditadura militar! A veia reacionária fica aí exposta. Contra a greve e seus desdobramentos, as nulidades já não são capazes de produzir uma argumentação teórica crítica, e por isso, têm horror ao debate político, e recorrem então a instrumentos jurídicos produzidos à época mais sombria da história do Brasil.

Agora, às vésperas da reunião do CONSUNI que deliberará sobre a suspensão ou não do calendário acadêmico, os especialistas sem espírito estão agitados com a publicação da Recomendação 034/2015, do Ministério Público Federal, que faz ponderações sobre a decisão a ser tomada e a difundem na intenção de pressionar os membros da instância máxima de deliberação da Universidade Federal do Amazonas. Por meio da judicialização, esses especialistas sem espírito querem fazer calar o debate no CONSUNI, querem reduzir a decisão à uma mera formalidade instrumental, vazia, desprovida de conteúdo político refletido. A Universidade que emerge da angulação desses sensualistas sem espírito é cinza, sombria, entristecida, encurvada e submissa à lógica do corte de recursos para a educação, ao desmonte de sua infraestrutura de pesquisa e ensino, e à precarização do trabalho docente.

Mas as nulidades da jaula de ferro silenciam sobre a reunião entre o MPF e o sindicato dos docentes (ADUA), e da qual resultou uma Ata em que claramente está reconhecida a legitimidade da greve e a ausência de irregularidade na deflagração da mesma.

A essa altura, cabe aqui apontar o limite no cálculo daqueles que se opõem à greve docente e buscam reduzi-la a um processo de judicialização: limite teórico-ontológico da argumentação jurídica de corte instrumental. Essa argumentação bebe numa linguagem positivista que, conforme György Lukács, promove uma redução da práxis. A jaula de ferro, então, produz sensualistas sem espírito pois nela a práxis é esvaziada de seu conteúdo filosófico-prático. E sem esse conteúdo, as contradições materiais e espirituais a que está submetido o ensino superior público se impõem como um peso inexorável.
 
Em a Ontologia do Ser Social, Lukács assinala que essa redução da práxis pela argumentação positivista ocorre como desdobramento do divórcio que as ciências modernas promoveram entre seus objetos de estudo e a dimensão ontológica. Para as ciências positivistas as dimensões mais gerais da ontologia, o inorgânico e o orgânico, inexistem ou são ignoradas, e entregues à religião e à metafísica. A ontologia do ser social, então, é completamente desprezada. A linguagem positivista, desse modo, se reconhece como um circuito fechado, cuja objetividade não tem necessidade de se reportar ao ser social. E essa oposição à greve de trabalhadores por meio do processo de judicialização, bebe nessa fonte em que o ser social é afastado, em que as contradições econômicas, políticas, culturais, fundamentais para a compreensão da totalidade do real, já não dizem respeito aos seus formuladores.

Os sensualistas sem espírito estão aprisionados na jaula de ferro e apaixonados por ela, satisfeitos com os postos que galgaram na burocracia acadêmica e em outras esferas estatais. Por isso, lhes basta a linguagem reduzida e distante do ser social. Mas, os trabalhadores, sejam eles docentes, técnicos administrativos e discentes que apoiam a greve em questão, sabem que essa linguagem positivista lhes é insuficiente, pois a dimensão do ser social, de sua objetividade e de sua reprodução tem como fundamento a práxis. E nesse contexto, a greve é a práxis. Por isso ela é educadora, pois ela é o conteúdo teórico-prático em movimento. E por isso, expõe criticamente as falácias da judicialização, que se pretende objetiva, mas responde a anseios privados mais inconfessos, desde cálculos partidários de sujeitos ligados ao PSDB, ou aos partidos governistas da esfera federal, ou ainda, aos estratos mais reacionários da política brasileira, até a manutenção de algum conforto que uma posição na burocracia pode oferecer.

Desse modo, a greve é a expressão da práxis, produto filosófico e prático do intelectual coletivo que são os trabalhadores; por meio dela reconecta as contradições locais com os movimentos mais gerais da financeirização, da priorização de superávit primário, do corte de verbas para a educação, do desmonte das universidades públicas, etc. Como diria Lukács, ela é o “critério decisivo de todo conhecimento correto”. Sabem os trabalhadores em greve que a rejeição da argumentação e da pressão judicializada dos especialistas sem espírito é a defesa do pensamento autônomo, crítico, criativo, e das instituições de ensino capazes de refletir tal disposição.

Luiz Fernando Souza Santos é professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam. Atualmente é doutorando em Sociologia na Unicamp.



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