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  17/11/2022 - por José Luís Ferraro



O anti-Édipo e as premissas para uma educação libertadora



 

 

Em O anti-Édipo, os autores colocam em xeque a estrutura edípica, a relação falta/desejo, o que enseja um repensar o recalcamento e das formas de repressão do desejo e, a partir disto, nossa relação com as formas de fascismos cotidianos.

 

Dos microfascismos que, segundo Foucault, são capazes de nos seduzir e nos paralisar; nos fazendo tanto cair de amores pelo poder, quanto desejar tudo aquilo que nos domina e nos explora.

 

Ao situar seu prefácio como uma introdução à vida não fascista, o filósofo joga luzes sobre nossa atuação em relação aos nossos próprios desejos, deslocando-nos criticamente em relação a nós mesmos.

 

Se foi com Theodor Adorno em Educação após Auschwitz que aprendemos que a educação é “a exigência que Auschwitz não se repita”, poderá ser Foucault, leitor de O anti-Édipo, o mote para que possamos debater uma educação não fascista; que coincida com as premissas por ele estabelecidas e relacionadas ao cotidiano como uma espécie de arte contrária ou modo de resistência às variadas formas de fascismo.

 

Premissas estas que, em relação à realidade atual do país, podem integrar um projeto educativo liberador do bolsonarismo frente ao desrespeito sistemático à Constituição Federal.

 

Essa afronta à Constituição nos últimos quatro anos culminou com a onda de manifestações antidemocráticas pós-resultado do segundo turno das eleições presidenciais, considerando a violência gratuita, saudações nazistas entre outros crimes protagonizados.

 

Assistimos a diversos episódios antidemocráticos em escolas, em um momento configurado como de perigo, em que é preciso que as instituições abandonem sua inércia e se convertam em agências do antifascismo, pois, como alerta o próprio Foucault, se tudo é perigoso, sempre temos algo a fazer.

 

Papel da escola para uma educação não fascista

 

As escolas devem deixar de temer certos discursos, certas palavras, mas principalmente, certas famílias.

 

Nenhuma instituição de ensino deve se tornar ou permanecer refém de quaisquer famílias, abdicando de seu projeto educativo em detrimento de uma ideia ou modelo particular de educação.

 

É preciso valorizar os quadros docentes e equipes pedagógicas, reforçando sua atuação junto aos estudantes, bem como investir em processos inclusivos, em uma educação pautada pelos direitos humanos, liberando a educação de “toda paranoia unitária e totalizante”, nas palavras do próprio Foucault.

 

Pensar uma educação não fascista significa fazê-lo em um sentido lato sensu. Trata-se de uma escolha como construção ética que deve ser realizada tanto por gestores, quanto apoiada como projeto educativo por toda a comunidade escolar.

 

A instituição deve priorizar um ambiente de diálogo e participação, mitigando suas relações hierárquicas, reduzindo-as ao limite necessário, convertendo-se em uma estrutura de hierarquia suficiente.

 

Isso também se aplica aos processos ensino e aprendizagem, que devem envolver a síntese do pensamento em toda sua diversidade: construir pela fusão, em movimentos de (dis)junção, justaposição de saberes.

 

Assim, em tempos de (particip)ação política irrefletida e de um fundamentalismo religioso exacerbado como ameaça à democracia brasileira, é dever da escola um posicionamento pedagógico firme.

 

Se antes o conceito de doutrinação assustava porque era pautado pelo pensamento dos conservadores (que até então tinham algo a conservar), hoje, mais do que nunca, as escolas são reféns de um discurso vazio (afinal, o bolsonarismo esvaziou a própria pauta conservadora tradicional) e que, por medo ou receio, se recusam a combater.

 

A doutrinação nunca foi pauta da esquerda

 

Hoje está claro e é ponto pacífico: a doutrinação nunca foi pauta da esquerda, mas sempre esteve do outro lado.

 

A escola por sua vez, nunca foi poupada pelo fascismo, tendo sido acusada de fazer aquilo que, no fundo, era o seu próprio modus operandi: é no gozo sádico do fascista que repousa o desejo da doutrinação e de aniquilação do outro, do diferente.

 

O fato é que a educação é um dos meios para que o fascismo possa ser extirpado da sociedade brasileira a médio e longo prazo.

 

Para tanto, e para além de um projeto educativo, é preciso coragem para abandonar as posturas reacionárias, recuperando a alegria do desejo, do comprometimento com o que é revolucionário e que se produz cotidianamente nos espaços escolares a partir de práticas educativas inclusivas e propositivas.

 

Não mais aquelas pautas construídas sobre os delírios de quem acredita que deve privilegiar determinados grupos ou serem oferecidas a estes de maneira distinta, em detrimento de suas condições socioeconômicas ou culturais. Ou, ainda, acreditar que as práticas voltadas a estes grupos são as que devem prevalecer.

 

Ao prefaciar O anti-Édipo, Foucault nos incita a pensar limites e possibilidades de uma vida não fascista que ao ser estendida ao universo educativo nos permite perceber não apenas a educação como prática política, mas a própria prática política como intensificadora do pensamento.

 

É assim que, estender esta análise da prática à práxis serviria para que, no âmbito pedagógico da luta contra o fascismo, esta potencialização pudesse ser compreendida como um despertar de uma consciência crítica sempre coletiva. Portanto, não há espaço para o privilégio, mas para o desejo que surge do agenciamento de uma coletividade heterogênea.

 

É neste sentido que não há espaço para uma educação que ensine ou incite os estudantes a se apaixonarem pelo poder, como o último, mas não menos importante princípio essencial sublinhado por Foucault (e que soa como imperativo), no texto de seu célebre prefácio.

 

“Não se apaixonem pelo poder”, diz o filósofo.

 

Trata-se de um conselho para o distanciamento, um afastamento do sujeito das formas de soberania, de dominação – que devem ser recusadas por qualquer educação que deseje realmente libertar, derrotar o fascismo ou quaisquer expressões autoritárias/totalitárias – o bolsonarismo, no caso brasileiro – seja onde for.

 

Por fim, uma educação não fascista pressupõe o estímulo às formas de solidariedade orgânica, de reconhecimento do outro, bem como o combate às políticas de inimizade. É na escola não fascista – lóci de maquinações criativas e superações identitárias totalizantes – que se estabelecem alianças e se potencializam encontros; que se valoriza a alteridade; elemento humanizador que nos permite reconhecer que agenciados somamos forças pelas convivências plurais constituídas.

 

* José Luís Ferraro é doutor em Educação, pesquisador e professor universitário. Bolsista Produtividade do CNPq.

 

** O texto foi publicado originalmente no dia 11 de novembro de 2022 em www.extraclasse.org.br

 







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