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  02/10/2020 - por Egídio Morais



A Reforma Administrativa e o fim da estabilidade no Serviço Público



A mídia impressa e falada, assim como lideranças empresariais, políticas e representantes do setor financeiro têm abordado nos últimos anos a necessidade de uma mudança radical na administração pública federal, estadual e municipal sob o argumento de que a prestação de serviços públicos é de péssima qualidade, ultrapassada e que a remuneração dos servidores públicos destoa dos trabalhadores da iniciativa privada que exercem funções e atividades similares.

 

Argumentam ainda os defensores da reforma administrativa que os servidores públicos detêm direitos e garantias não estendidas aos trabalhadores da iniciativa privada, divulgados massivamente pela mídia burguesa como “privilégios”, em especial: a estabilidade no serviço público para os servidores aprovados em um concurso público de provas e títulos.

 

Essa estabilidade vigora quando o servidor é efetivado no respectivo cargo público após 03 (três) anos de estágio probatório, permitindo a sua exoneração somente após o término de processo administrativo disciplinar, assegurado seu direito ao contraditório e a ampla defesa, ou por sentença judicial transitada em julgado, ou seja, somente após esgotado todo o tramite processual.

 

Os defensores da reforma administrativa argumentam que até mesmo os empregados de empresa pública (capital 100% público), e os empregados das sociedades de economia mista (mescla de capital público e privado), tais como empregados dos Correios, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras são difíceis de serem demitidos.  Os nossos tribunais apesar de reconhecerem que estes não possuem estabilidade, ao longo dos anos passaram a exigir motivação justa e fundamentada para a respectiva dispensa, e de preferência por meio de um procedimento administrativo que assegurasse o direito do trabalhador ser submetido ao contraditório e ampla defesa.

 

Segundo a burguesia, tais exigências não encontram paralelo na iniciativa privada, dificultando a rotatividade dos trabalhadores, engessando tais empresas públicas, comprometendo a eficiência e qualidade do serviço público prestado. Diante disso aplaudem a proposta de reforma administrativa, pois expressamente dificulta a atuação das associações e entidades de classe dos trabalhadores das empresas públicas e das sociedades de economia mista, impossibilitando que os instrumentos de negociações coletivas contemplem direitos e garantias de emprego não estendidos aos trabalhadores da iniciativa privada.

 

Segundo a burguesia, a presente reforma administrativa, corrigiria essa distorção, ao restringir a estabilidade no serviço público apenas às atividades típicas e exclusivas de Estado – não confundir com atividades essenciais à população, como por exemplo saúde, educação, transporte e moradia – que em tese seriam aquelas atividades que não poderiam ser delegadas para a iniciativa privada, tais como as desempenhadas pelos membros do poder judiciário (Juízes, Desembargadores e Ministros dos Tribunais Superiores – STF, STJ, STM, TST), Membros do Ministério Público Estadual e Federal (Promotores, Procuradores de Justiça, Procuradores da República), Diplomatas e integrantes das forças armadas (marinha, exército e aeronáutica) e forças auxiliares (Policiais civis e militares).

 

Os demais servidores do poder executivo, judiciário e legislativo, ou seja, mais de 90% (noventa por cento) dos servidores públicos, em especial os agentes de saúde (médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, profissionais da limpeza e etc…) assim como os professores públicos, e auxiliares das redes municipais, estaduais e federais de ensino e etc. deixariam de ter estabilidade.

 

Com a aprovação dessa reforma a imensa maioria dos servidores públicos que ingressarem na administração pública não terá mais direito a um regime jurídico próprio, passando fatalmente a integrar o regime geral da previdência social, não detendo qualquer garantia de emprego, podendo ser exonerados sem qualquer motivação, favorecendo a ocorrência de assédio moral, sexual, discriminação por motivos ideológicos, partidários, de raça, cor, orientação sexual, por motivo de crença, o que ocorre rotineiramente apesar dos direitos e garantias garantidos previstos atualmente.

 

Além do mais, é uma flagrante injustiça e covardia que tal iniciativa por parte das principais lideranças políticas e empresariais, principalmente do setor financeiro/especulativo, se dê justo quando atravessamos uma pandemia mundial do Covid-19 onde centenas de milhares de servidores públicos, em especial da área de saúde arriscaram a sua integridade física e psicológica para conscientizar e tratar milhões de infectados. E, vale destacar, que essa ação heroica se deu apesar desses servidores não contarem muitas vezes com o fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletivos adequados.

 

Não só isso, em muitos casos, sua atuação foi prejudicada por representantes dos poderes constituídos, que explicitamente incentivaram a população a não usar máscaras, e a não aderir à campanha pelo distanciamento social, procurando que retornassem abruptamente ao trabalho e aumentando exponencialmente o risco de contaminação por parte dos servidores públicos da área de saúde.

 

De acordo com informações do conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicadas no site da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 11 de agosto de 2020, quase triplicou o número de mortes de enfermeiros durante a pandemia. Os dados são do Observatório da Enfermagem, site criado pelo Cofen para concentrar os números de infectados, mortos e internados. Conforme o Observatório, pelo menos 09 profissionais morreram em menos de 24 horas, elevando de 341 para 350 o número de óbitos na categoria no país.

 

Os Estados Unidos e a Itália, países que foram epicentros da pandemia do novo coronavírus, juntos, registraram 204 óbitos de enfermeiros, segundo dados de julho do National Nurses United e Federação Nacional dos Enfermeiros da Itália (FNOPI).

 

Isso sem contar a ameaça de retorno às aulas que afetaria os milhões de professores das redes municipais e estaduais que muitas vezes não contam com instalações, remunerações adequadas, e que também arriscam a sua integridade física e vida ao darem aulas em locais dominados pelo tráfico de drogas ou pelas milícias, muitas vezes sendo estes (professores e auxiliares) o único elo do Estado com essa parcela marginalizada da sociedade.

 

Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e os deputados e senadores da frente parlamentar que apoiam a reforma administrativa passam por cima da definição da prestação de serviço público que não tem finalidade lucrativa, pelo contrário, tem forte conotação de proteção social, em especial da população mais carente, que não tem condições de custear planos de saúde privado, e o ensino particular.

 

Ao propor o fim da estabilidade no serviço público, retrocedem a história ao período anterior à revolução francesa que instituiu o concurso público para servidores do Estado acessível a qualquer cidadão. Isso constituiu uma importante conquista democrática, pois até então somente os nobres, o clero e os que tinham influência com a nobreza ingressavam no serviço público por indicação, estabelecendo um sistema um verdadeiro sistema de castas.

 

A estabilidade no serviço público é a concretização do princípio da impessoalidade, ou seja, quando o servidor público presta um serviço público, e/ou profere uma decisão administrativa deve fazê-lo em nome da administração pública por critérios objetivos previamente estabelecidos.

 

Ou seja, o servidor público deve atender da mesma forma as pessoas que procurarem a administração pública independentemente de sua convicção filosófica, política, religiosa, assim como as decisões administrativas devem ser pautadas pela objetividade, ou seja, mediante critérios técnicos previamente estabelecidos, independente da pessoa que busca o setor público.

 

A estabilidade no serviço público tem como objetivo garantir ao servidor autonomia em seu trabalho, dificultando que o servidor estável seja coagido a proferir decisões de ocasião, privilegiando pessoas e ou determinados grupos em detrimento de outros.

 

É claro que a estabilidade dos funcionários públicos não impede que maus servidores se deixem corromper ou que outros cedam às pressões dos seus superiores ou de políticos. Mas, a estabilidade procura justamente garantir que os servidores honestos possam cumprir suas funções sem a ameaça de demissão.

 

Mas, até mesmo com a estabilidade não são raros os servidores públicos que muitas vezes são transferidos de setor, localidade, por não cederem a pressões de grupos políticos temporariamente no poder, citando como exemplo as denúncias de corrupção junto a Petrobrás, fundos de pensões e autarquias, onde foi constatado a transferência arbitrária de servidores que não compactuaram com práticas ilegais ou no mínimo antiéticas de seus superiores hierárquicos.

 

Observa-se também não raras vezes servidores públicos efetivos serem exonerados de cargos em comissão (direção, assessoramento/chefia, de livre nomeação e exoneração) por não cederem a pressões de grupos políticos inescrupulosos.

 

Exemplo mais recente da manipulação do funcionalismo público é a atitude do atual chefe do poder executivo fluminense, Marcelo Crivella, que criou um grupo denominado de “guardiões de crivella”, integrado por funcionários comissionados, na sua maioria sem vínculo anterior com a administração pública, com o objetivo de evitar que cidadãos insatisfeitos com a prestação de serviços públicos de saúde fossem entrevistados por jornalistas e verbalizassem a sua insatisfação com o atendimento hospitalar.

 

Este grupo usava de práticas criminosas como hostilização, intimidação e agressões físicas, verbais e psicológicas, dirigidas a jornalistas e cidadãos insatisfeitos, destoando totalmente do princípio da impessoalidade, legalidade, honestidade e moralidade do serviço público, agravado pelo fato desta gangue ser financiada com recursos dos, contribuintes.

 

Antes do estatuto da estabilidade, o serviço público era em sua imensa maioria loteado pelas lideranças políticas vigentes, permitindo que senadores, deputados federais, estaduais e as lideranças políticas locais/regionais designassem servidores públicos da área da saúde e educação, utilizando critérios escusos, e favores pessoais, sexuais, familiares, políticos ou religiosos.

 

Essa situação foi, em parte, abrandada com a entrada em vigor da Constituição de 1988, que prescreveu a necessidade dos cargos públicos serem em regra providos mediante realização de concursos públicos de provas e títulos, garantindo aos aprovados após o fim do estágio probatório a estabilidade no serviço público.

 

O fim da estabilidade no serviço público permite a aceleração do sucateamento do funcionalismo público, compromete a lisura e honestidade no trato com a coisa pública e compromete ainda a eficiência na prestação de serviço público, pois facilitará a escolha não do melhor candidato, mas daqueles servidores que se comprometam a atender interesses escusos de lideranças políticas temporariamente no poder.

 

Registre-se, que o ente governamental (União, estados e municípios) não efetua recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para os servidores públicos, justo pela existência do instituto da estabilidade. Esse fundo é uma proteção para prevenir possíveis processos de demissão sem justa causa, como ocorre na iniciativa privada. Na medida em que a reforma administrativa propõe o fim da estabilidade, não só coloca em risco a eficiência e impessoalidade nos serviços públicos, como condena, de forma extraordinária, os servidores à uma situação de discriminação e prejuízo constitucional frente aos demais trabalhadores.

 

Outro argumento constantemente propagado pelos defensores da reforma refere-se ao pseudo “rombo da previdência”, provocado pelas aposentadorias e pensões dos servidores públicos. Ora, o servidor público contribui para o Plano de Seguridade Social (o INSS dos servidores) com uma alíquota que varia de 11% a 14%, enquanto no setor privado essa alíquota é de 8%. No setor privado, a patronal contribui com outras duas partes para o fundo previdenciário. Porém, no setor público, apesar da legislação prever essas mesmas duas partes, nem União, estados ou municípios, gerem, administram o que deveria ser um fundo previdenciário, senão que pagam aposentadorias e pensões diretamente no Orçamento Anual das respectivas esferas, descarregando a despesa no Sistema Geral de Previdência sem o aporte correspondente às suas duas partes. Não é uma mera manipulação orçamentária, mas um “assalto” dos governos ao fundo previdenciário, cuja responsabilidade é atribuída, mais uma vez, aos “privilégios” do servidor público.

 

Por fim, é importante assinalar que a presente reforma administrativa não modifica o processo de admissão e exoneração dos Membros do Poder Judiciário, Membros do Ministério Público, deputados federais, senadores da república, dos cargos comissionados, dos integrantes dos tribunais de contas dos estados, dos tribunais superiores, que representam a nata da administração pública, com salários estratosféricos, que superam o teto do funcionalismo público, conforme dados fornecidos pelo próprio Conselho Nacional de Justiça. Esses funcionários privilegiados, consomem uma parte significativa dos gastos do funcionalismo público, apesar de representarem um percentual ínfimo do universo dos servidores públicos.

 

*Egídio Freitas Morais Júnior é advogado militante na área trabalhista e previdenciária

** Texto publicado originalmente no site da CSP-Conlutas

 

Imagem: Sindserv Santos/Reprodução







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