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  26/08/2020 - por José Alcimar de Oliveira



Filosofia, Direito e Ódio ao Pensamento no Brasil 2020



01. Para reflexão: alinhavo aqui considerações sobre recente artigo de Ivone Gebara, 75, Religiosa Agostiniana, Filósofa e Teóloga das mais reconhecidas, no Brasil e no exterior, por sua teologia feminista, balizada no itinerário da práxis teológica da libertação. Entre o final dos anos de 1970 e início dos luminosos anos de 1980 tive oportunidade de ouvi-la aqui em Manaus, no antigo Cenesch, quando à época era estudante de Filosofia e Teologia. Ivone Gebara continua luminosa. É como o bom vinho que rejuvenesce com o tempo. Como vivemos em tempos de ódio ao pensamento, ou, segundo o velho Adorno, tempos de “aversão à teoria”, seu artigo sobre a questão do aborto tem sido atacado dentro e fora dos muros eclesiásticos. Ivone Gebara não gosta de muros. Prefere antes ampliar os espaços reflexivos e libertários do Reino de Justiça e Paz de Jesus de Nazaré.

 

02. Teólogo sem cátedra ou como costumava dizer o meu profeta preferido do Antigo Testamento, Amós: não sou profeta nem filho de profeta, também não sou jurista nem filho de jurista, apenas um cultivador, não de sicômoros como Amós, mas de tucumãs filosóficos nessa Amazônia agredida pelo sociometabolismo do grande capital, a envenenar corações e mentes. Minha primeira observação ao artigo de Ivone Gebara é que ela não cede ao moralismo fácil, maniqueísta, e muito menos à defesa abstrata de princípios. Sei que princípios não envelhecem, mas nenhum princípio pode ser tomado ou aplicado sem referência a situações concretas. Vida alguma cabe num princípio. E princípio não deve conduzir a precipício.

 

03. Em abstrato ninguém é a favor do aborto, penso, mesmo quem a ele recorre numa situação histórica, concreta, como se deu no caso dessa criança de dez anos. Nada mais cômodo do que defender princípios no plano abstrato, sobretudo quando não se está diretamente implicado no caso. A criança não optou por ser mãe aos dez anos e nem caberia a ela, por ser criança e sem capacidade de discernir, optar, seja pela continuidade, seja pela interrupção da gravidez. Caberia aí, concretamente, a teoria do mal menor?

Do ponto de vista médico, pondo em abstrato considerações moralistas e mesmo morais: haveria possibilidade de levar a termo essa gravidez garantindo a vida de ambos, do ser em gestação e da criança, impedida de ser criança num país que cultiva a morte?

 

04. Nenhum princípio, por mais abrangente que seja, dá conta da complexidade concreta dos dilemas morais e humanos. O princípio, qualquer que seja, deve ser confrontado com cada situação concreta. Compreendo a preocupação kantiana ao afirmar que o pior desserviço que se pode prestar à moralidade é querer deduzi-la dos costumes. Mas se é inaceitável conferir validade universal a um costume concreto, também não é razoável condenar sem mais os costumes em nome de um princípio universal e abstrato. A relação dialética entre o todo e a parte, o universal e o particular, o geral e o específico, o abstrato e o concreto, o princípio e a decisão devem, necessariamente, considerar a condição humana, histórica do indivíduo como ser social. Para isso existem a hermenêutica jurídica e a exegese bíblica.

 

05. Desde que me banhei nas águas heraclíticas, adotei o princípio da precedência ontológica e lógica da realidade sobre a legalidade. A vida antecede o direito. O direito deve proteger a vida, não abstratamente, porque não habitamos um mundo abstrato. Na pegada do Mouro de Trier, não existe uma natureza humana abstrata, existe somente a natureza social e historicamente condicionada. É conhecida a sentença latina atribuída a Hobbes: primum vivere, deinde philosophari. Primeiro viver, depois filosofar. Mas viver e filosofar fazem bem à vida e à filosofia, sobretudo em tempos de recrudescimento do obscurantismo, do fundamentalismo, do sono da razão, como já reconhecia o grande Francisco de Goya, no século XVIII.

 

06. É conhecida a máxima agostiniana, Patrono de Ivone Gebara: necessitas non habet legem. A necessidade não tem lei. Ou no inverso, a necessidade faz a lei. Pergunto: Jesus de Nazaré, por acaso, diante da mulher flagrada em adultério (e os homens não adulteravam?) legitimou o moralismo farisaico de seu tempo, que determinava a aplicação da pena capital, por apedrejamento, àquela pobre mulher? Ressalto sua condição de pobreza, porque se fosse rica, esposa de algum Doutor da Lei, jamais seria submetida àquele linchamento moral e, mais, à morte a pedradas. Ou só havia adultério entre as mulheres pobres? Tenho certeza que Jesus de Nazaré não tinha em sua casa – e não consta que tenha tido morada fixa, e menos ainda biblioteca – acesso ao texto freudiano Psicologia das massas e análise do eu. Nem precisava. Segundo registra São João, 2, 25: ele bem sabia o que havia no homem. A identificação cega com o coletivo, hoje potencializada, não nasceu em 2020.

 

07. A seguir a tese do moralismo seria razoável concluir que Jesus de Nazaré, por ter tomado a defesa daquela mulher, humilhada e execrada publicamente, seria então a favor do adultério? Se de um lado não há registro nos Evangelhos de que tenha participado de passeatas a favor dessa ou daquela causa, é inegável que sempre tomou o lado da vida contra a morte, dos pobres, das mulheres, das viúvas, dos cegos, dos aleijados. Não defendeu vidas abstratas. Quando disse: vim para que tenham vida, comprometeu sua vida na luta concreta em defesa da vida e enfrentou a necrocracia dominante de seu tempo, tanto religiosa quanto política. Na conclusão dessas linhas, fui assaltado pela memória de um pequeno livro, que li há mais de 40 anos, sei que o tenho, e agora me ponho a procurá-lo e não o encontro: Jesus e os revolucionários de seu tempo, do teólogo de confissão luterana Oscar Cullman (1902-1999).

 

* José Alcimar de Oliveira, teólogo sem cátedra, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas e filho dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus-AM, em 23 de agosto do ano coronavirano de 2020.







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