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  03/06/2020 - por Maria Fernanda Ribeiro



Pandemia já deixa rastro de destruição nos quilombos da Amazônia



O novo coronavírus chegou aos territórios quilombolas da Amazônia e já deixa seu rastro de destruição com mortes, descaso do poder público, dificuldades de acesso ao sistema de saúde, falta de máscaras, auxílios emergenciais do governo que não chegam às comunidades e incertezas de quantos, quais são os contaminados e onde exatamente eles estão. Em comunidades de todo o Brasil, são 63 casos confirmados de Covid-19 e 17 óbitos, sendo que três estados do Norte do país somam sozinhos 11 mortes: sete no Amapá, três no Pará e uma no Maranhão. O levantamento é da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) junto aos territórios.

 

Moacyr Silva, 57 anos, foi o primeiro quilombola que faleceu vítima da Covid-19, no dia 11 de abril. Ele morava no Quilombo Abacate da Pedreira, em Macapá. Simone Paixão Moraes, 29 anos, do quilombo Espírito Santo, no Pará, morreu oito dias depois.

 

Dados da transmissão da doença em territórios quilombolas são subnotificados, pois muitas secretarias municipais deixam de informar quando a transmissão da doença e morte ocorre entre quilombolas, por isso foi necessário que a coordenação articulasse maneiras de encontrar e registrar os próprios números.

 

De acordo com Givânia Silva, coordenadora da Conaq, uma rede de articulação própria foi criada para identificar os casos entre os quilombolas. Para ela, é importante que os registros sejam feitos, pois em muitas regiões é como se os negros e os quilombolas não existissem; “sobretudo na Amazônia”.

 

“A nossa preocupação para que façam a declaração de raça e cor é porque a doença, ao se interiorizar, certamente terá os negros na linha de frente da morte e na Amazônia serão os negros e os indígenas”, disse Givânia. “O fato de não ter serviço de saúde nessas comunidades não tem nada a ver com a pandemia, se trata de uma ausência histórica que o coronavírus reforça e mostra como essas populações vivem à margem dos serviços de saúde. A Covid-19 piorou um quadro que historicamente sempre foi pior”.

 

Comunidades sem água potável

 

Érica Monteiro, da coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, a Malungu, acompanhou de perto a trajetória familiar de Jacivaldo Franco do Nascimento, 68 anos, a quinta vítima de Covid-19 registrada entre os quilombolas. Ambos são da mesma comunidade – Itacoã Mirim – no município de Acará. Ele faleceu em 20 de abril, em uma unidade hospitalar na capital Belém, e a família, além de ter esperado oito dias para receber a confirmação positiva da testagem, não recebeu nenhuma orientação para o isolamento.

 

Para piorar o cenário do caos, a casa da viúva de Jacivaldo ainda se encontrava sem água potável, condição básica para lavar as mãos e evitar o contágio do vírus.  A bomba de captação havia queimado e a água não chegava até a torneira na casa da família de Jacivaldo e a mulher precisava se deslocar até o igarapé para lavar louça e tomar banho e a água para o preparo dos alimentos eram os vizinhos que cediam.

 

Situação, relata Érica, que se estende para várias comunidades quilombolas do Pará e que dependem da rede de solidariedade local para serem solucionadas.

 

Para José Carlos do Nascimento Galiza, coordenador da Conaq no Pará, os problemas das comunidades se estendem para outras dimensões, como a insegurança alimentar e as produções oriundas do extrativismo e da agricultura familiar que já não têm mais para onde escoar. Além da subsistência, a venda dos produtos nas cidades é o que garante a renda para que outros produtos de necessidade básica, como os próprios kits de limpeza, possam ser adquiridos.

 

“Muitas famílias já não querem mais produzir por não terem para onde vender, o que vai gerar outros problemas lá na frente. Se não vendem, também não compram. Vai demorar muito para nossas comunidades se recuperarem”, afirma Galiza.

 

A cadeia de problemas parece não ter fim. Há ainda a dificuldade em recorrer aos auxílios emergenciais do governo, não só devido à distância das comunidades até as cidades, como a ausência de internet nas residências. Há relatos de pessoas que precisaram caminhar por quilômetros até alcançarem um ponto de acesso.

 

Quilombos em números

 

Os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que antecipam o Censo 2021, mostram que na região Norte há 873 comunidades quilombolas, sendo 516 somente no Pará, que também é o estado com a maioria das localidades com delimitação oficial, com 75 registros. Em todo o Norte são 94.

 

Barreirinha, no Amazonas, é a cidade com mais localidades quilombolas do país (167), seguida de Alcântara (74) e Itapecuru Mirim (45), ambas no Maranhão, e Oriximiná (41) e Moju (38), no Pará. A estimativa é que todo país possua 5.972 localidades quilombolas, em 1.672 municípios brasileiros, sendo 404 territórios oficialmente reconhecidos.

 

Isolamento comprometido

 

Isis Tatiane Santos é moradora do quilombo do Curiaú, na capital Macapá. Ela conta que a comunidade, por meio de um documento, decretou medidas de isolamento, inclusive por conta do balneário que existe no local e é frequentado por pessoas de fora, mas as ações são desrespeitadas e já foi necessário até chamar a polícia devido às aglomerações no local.

 

O caso no Curiaú não é isolado. Nubia Cristina, coordenadora da Conaq no Amapá, afirma que as campanhas de prevenção não chegam às comunidades e, por isso, estão sendo adotados os fechamentos de alguns quilombos.  “Algumas comunidades vão derrubar árvores para tentar barrar os acessos, como uma maneira de tentar prevenir, já que não tem ação do Estado. E muitas já fecharam”.

 

Mas, as barreiras nem sempre são possíveis, pois há comunidades localizadas às margens das rodovias e que também possuem acesso pelos rios. Há relatos de fluxo intenso de carros desde às seis da manhã. Nas comunidades mais afastadas, o problema é outro: a falta de comida. “Um caos tremendo com famílias que não conseguem se alimentar”, afirma Nubia.

 

Cem cestas básicas, oriundas de uma rede de solidariedade chegaram, mas não foi suficiente para todos. “Não tem remédio, não tem vacinas para gripe, as pessoas estão sem trabalhar, as cestas básicas não são suficientes e temos que escolher as famílias para receber comida”.

 

Máscara também não tem

 

A falta de máscaras também tem movimentado a rede solidária para que os quilombolas garantam o acesso a esse item básico de proteção em tempo de pandemia. No Amapá, a busca é por tecidos para que eles possam confeccionar os próprios acessórios e distribuir. “Nem todo mundo tem condições de comprar máscaras porque as famílias são muito carentes e eu me refiro a um número enorme de pessoas”.

 

No Amazonas, o Instituto Tenho um Pé na África, em parceria com a Associação das Crioulas de São Benedito, lançou uma campanha com valores a partir de R$ 10 para compra de máscaras de tecidos com forro em algodão. Cada máscara sairá ao preço de R$ 5,00. Também é possível colaborar com tecidos em algodão e elástico.

 

*Maria Fernanda Ribeiro é jornalista multimídia e autora do blog Eu na Floresta (O Estado de São Paulo).

 

**Artigo publicado no dia 6 de maio de 2020 em www.amazoniareal.com.br

 

Foto: CONAQ/REPRODUÇÃO







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