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  11/12/2019 - por Christian Crevels



A Ditadura Militar e Os mortos Imponderáveis



Apresentação


Como parte das comemorações pelos seus 40 anos de resistência na defesa dos direitos das/os docentes de ensino superior, a atual direção da ADUA-SSind. decidiu criar uma revista dedicada à reflexão crítica sobre o nosso país, a nossa sociedade e a nossa Universidade, uma revista de estudos e debates sobre o nosso tempo e os temas que nos dizem respeito.


Nesse sentido, o nome da nossa revista não poderia ser outro: Resistências – Revista da ADUA, afirmando o papel do nosso sindicato e de cada um de nós como sujeitos políticos críticos no mundo e resistentes no tempo em que vivemos.


Para este primeiro número, o tema escolhido foi Ecos e permanência da Ditadura na Amazônia. Com esse tema, Resistências aprofunda o debate sobre o atual momento político que vive o Brasil, inegavelmente um momento delicado, marcado por permanente crise política que se arrasta já há vários anos, colocando em risco tanto as instituições nacionais como as próprias condições de vida em sociedade.


Evidentemente a escolha deste tema não foi gratuita. Inegavelmente podemos caracterizar o governo Bolsonaro e os interesses que se uniram para levá-lo ao poder como uma reedição da Ditadura de 1964-1985, uma Ditadura Reeditada, inquestionavelmente piorada, se é que pode alguma ditadura ser considerada como melhor que outra.


Vale a pena lembrar as palavras de Florestan Fernandes em seu artigo “O significado da ditadura militar”, publicado em 1997, ao analisar as alianças de interesses que levaram ao golpe de 1964, palavras premonitórias e incrivelmente oportunas para descrever os dias atuais em nosso país: “[...] Os fios da contrarrevolução chegam aos nossos dias e de uma perspectiva militar que empobrece e inquieta as próprias forças armadas. [...] A ditadura, como constelação social de um bloco histórico de estratos militares e civis, não se.[...] A hegemonia militar perde [perdeu] terreno. A posição estratégica das elites militares – antigas ou renovadas – adquire, todavia, perspectivas de duração e de influência ultracompensadoras. Aquelas elites fixam-se ainda mais como esteio da defesa da ordem. Em suma, elas desprenderam-se da batalha militar (que não ultrapassou a encenação e alguns combates singulares), mas ganharam a guerra política. [...]” (Fernandes, 1997, 147-148).


Se hoje podemos dizer que vivemos uma ditadura disfarçada, devemos reconhecer que essa é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, uma vez que a concepção de país e sociedade que têm os militares hoje no poder, e os civis que a eles se aliam, é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, que levou o país aos desastrosos 21 anos Regime Militar e Ditadura.


Em sua maioria, os artigos reunidos neste nº 1 de Resistências foram escritos por colegas docentes da Ufam e outras Universidades, que responderam à “chamada para artigo” de parte da ADUA. Os 28 artigos aqui reunidos apresentam formatos diversos – ensaios, testemunhos, artigos de opinião e artigos acadêmicos – conformando quatro seções:


- Abrindo o Debate, seção especial com o mencionado artigo de Florestan, que, atualíssimo, lança luzes sobre o atual contexto político brasileiro;
- Ecos da Ditadura na Amazônia, artigos que discutem o impacto e efeitos da Ditadura na formação pessoal e da sociedade local amazonense;
- Permanências da Ditadura, artigos que analisam a herança do Regime Militar e da Ditadura ainda hoje presentes na vida nacional.
- A Ditadura reeditada, seção especial com o artigo “Conspiração e corrupção: uma hipótese muito provável”, de José Luís Fiori e William Nozaki, que explicita antigos interesses sempre renovados, que constrangem a política nacional à “conspiração” por regimes de exceção, que assinala estratégias, sempre renovadas, de perpetuação da subordinação nacional a interesses imperialistas.

 

Com Resistências, a Diretoria da ADUA-SSind. convida à reflexão crítica sobre o tempo em que vivemos, condição indispensável para a construção de uma sociedade mais justa, que acreditamos seja o propósito de todos nós docentes, sindicalizados ou não.
 

Boa leitura a todas e a todos!

 

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A Ditadura Militar e Os mortos Imponderáveis 

 

Afastam-se já os 30 anos do fim da Ditadura e ainda não lidamos adequadamente com os indígenas mortos pelo regime. Na esteira do pouco, mas louvável trabalho de acerto de contas com a história realizado após a redemocratização, o Brasil hesita frente a um dado recalcitrante: ao menos 8 mil indígenas assassinados - possivelmente mais.


Esse número vem do Volume II do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, no texto 5 “Violações de Direitos Humanos dos Povos Indígenas”, que veio a público em 2012. Há uma ambiguidade peculiar aí. Nota-se que este Volume do Relatório recomenda o reconhecimento da perseguição aos povos indígenas como “crime de motivação política, por incidir sobre o próprio modo de ser indígena” (p. 253). O Volume III do mesmo relatório, dedicado a “Mortos e Desaparecidos Políticos” que arrola uma lista de 434 vítimas, faz apenas menção à necessidade de se dar continuidade às investigações “no que se refere à repressão contra camponeses e indígenas”, o que pode parecer uma hesitação frente à recomendação anterior.


É muito comum que o número de 434 vítimas encontre seu caminho nos campos argumentativos em que a temática da Ditadura se faz presente como na mídia, espaços de formação social, salas de aula, entre outros, enquanto os milhares de casos indígenas não tão facilmente. A pergunta latente, então, é: por quê? Mesmo considerando que são centenas as vítimas políticas não indígenas do regime militar, são milhares de indígenas. E esse é um número desconcertantemente alto para que simplesmente desapareça do debate público e político.


Vale reiterar: a aferida necessidade de dar continuidade a essas investigações de modo algum significa que o que se tem até hoje são dados incertos. Muito antes do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, o chamado Relatório Figueiredo já denunciava o genocídio sistemático dos povos indígenas pelo governo brasileiro, contribuindo assim para a extinção do Serviço de Proteção ao Índio, em 1967, antecessor da Fundação Nacional do Índio (Funai). 


Para o caso dos Waimiri Atroari, o Relatório do Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas aponta o desaparecimento de, pelo menos, 2 mil indígenas Waimiri Atroari, sob táticas de extermínio do governo militar durante a construção da BR-174. Já não é possível negar a solidez dos indícios de uma política deliberada de extermínio dos povos indígenas por parte da Ditadura Militar.


Há algo de vil, sim, e de uma envergonhada cumplicidade nas reticências com que essas mortes, tornadas números, são tratadas. Talvez seja que, frente à sociedade brasileira, a morte indígena não gere tanto apelo, não vincule comoção, por ter um quê mais difícil de ser imaginada, por não associar identificação. Talvez, por outro lado, encaixe-se de subterfúgio em uma crença arraigada na inevitável extinção dos povos indígenas no correr da modernidade, sendo assim de sobremaneira naturalizada.


Certo parece ser que há um descompasso entre a imagem que o Brasil tem de si, amparada ainda nos ideais de uma pacífica democracia racial freyriana, e a constatação de que massacrou, dizimou e exterminou uma multidão indígena em seus anos militares. Pois, reconhecer esse genocídio seria ferir a ilusão do bem estar brasileiros entre os povos; seria assumir a responsabilidade social de processos históricos de depopulação antes tidos como naturais e inevitáveis; seria trazer para o escopo do recente uma violência que o Brasil insiste em pensar no passado longínquo e colonial, onde a culpa pode recair, fortuitamente, sobre Portugal. É para não assumir essa autocrítica severa de sua identidade nacional que o Brasil hesita e titubeia em lidar com suas mortes indígenas.

 

*Christian Crevels, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), christian.crevels@gmail.com







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