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  15/07/2024 - por José Alcimar de Oliveira



A necessidade da filosofia e a deliquência acadêmica



 

 

No mundo ocidental o econômico predomina sobre o político. E isso equivale a dizer que o Ocidente está cavando a própria cova. Em todo o mundo manifestam-se tendências à ditadura militar e ao totalitarismo, pois a liberdade se degrada. Os povos se fazem presa dos poderosos (Karl Jaspers).

 

               01. Escreve Marilena Chauí que “a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes”. Digno de nota é que Chauí, sábia, reconhecida e militante pensadora brasileira, situa a filosofia como um saber na vasta constelação dos saberes do ser social. Não é um saber qualquer, não é, no sentido técnico e formal das ciências, uma ciência a mais, menos ainda a ciência das ciências. Como também não é um saber que se define, na forma e no conteúdo, como reduplicação do senso comum, do cotidiano que, afinal, é toda a nossa vida e dele não podemos escapar. Seguramente, o mais infecundo modo de pensar a filosofia reside em querer enredá-la nas malhas de uma definição. Porque definir é limitar, e é da natureza do pensar filosófico transpor limites, cercas ou bolhas cognitivas, tais como as tantas que delimitam hoje o mundo digital. Os cercadinhos, quaisquer que sejam, são danosos ao pensamento filosófico.

 

               02. Sobre a razão e na razão há sintonias de toda ordem, inclusive a filosófica, esta a cada dia menos frequentada e com limitado espaço de operação. Em Santo Agostinho a sintonia filosófica seria um modo de ser da alma, uma forma sábia de viver. Modus ergo animi sapientia est: a sabedoria como medida da alma, o que não é apanágio dos cientistas ou do filósofo especialista e cioso de seu conhecimento especializado. Nos limites de um alegado eugenismo filosófico, academicamente enredado em sua pretendida pureza e formalmente protegido por um tipo de mandarinato intelectual, há pouco espaço para o cultivo da sabedoria. Pela regra, onde sobra poder falta sabedoria. Onde sobra moral falta ética. Se é inoportuno ou não reconhecer, é preciso dizer: há muita delinquência sob abrigo acadêmico. Há bem mais de 40 anos o irredento Maurício Tragtenberg chamava de “delinquência acadêmica” o poder sem saber e o saber sem poder.

 

               03. A prática da filosofia como amor e cultivo da sabedoria está longe de definir a forma de vida nos espaços ditos acadêmicos, sempre mais refratários ao pensar filosófico. A filosofia não é útil à funcionalidade pragmática (e medida) do modo dominante de pensar, regrado pela razão instrumental e que orienta a produção do conhecimento nos espaços formais de ensino e pesquisa. Por resistir a essa lógica, da metrificação do saber e da produção técnica, a filosofia é julgada improdutiva, sem valor de mercado e disfuncional à ordem, seja a disciplinar, seja a do desempenho do sujeito sistêmico e bem integrado à cadeia produtiva da Universidade alinhada e a serviço das demandas do capital. Na Universidade do saber medido, parametrizado pela racionalidade autoritária, bem instalado nos aposentos assepsiados e apartados da vida como ela é, a filosofia é confinada e reduzida ao andar mais baixo, reservado aos saberes considerados improdutivos.

 

               04. Longe de mim – distância a maior possível – defender para a filosofia um lugar de mercado ou submetê-la à eficiência “coach” dos domesticadores de espírito. Longe de mim reduzir o pensar libertário de Heráclito, Epicuro, Spinoza, Marx, Nietzsche... a dosagens desidratadas, de fácil assimilação, das técnicas de autoajuda. Fico com a filosofia de Carolina Maria de Jesus, irredenta pensadora preta, favelada, que por conta própria aprendeu a ler e escrever, e pensou o Brasil desde o Quarto de despejo, obra homônima de sua autoria. No diário de 25 de dezembro de 1958, anota: “não sei por que é que estes comerciantes inconscientes vem jogar seus produtos deteriorados aqui perto da favela, para as crianças ver e comer. Na minha opinião os atacadistas de São Paulo estão se divertindo com o povo igual os Cesar quando torturava os cristãos. Só que o Cesar da atualidade supera o Cesar do passado. Os outros era perseguido pela fé. E nós, pela fome!”

 

               05. Num pequeno livro, publicado no Brasil sob o título Introdução ao pensamento filosófico, que reúne treze conferências filosóficas transmitidas pela Rádio e Televisão Baviera, nos anos 1960, o pensador alemão Karl Jaspers (orientador da tese doutoral de Hannah Arendt), denominou a última das suas conferências de A filosofia no mundo. Escreve Jaspers que a filosofia “rompe os quadros do mundo para lançar-se ao infinito. Mas retorna ao finito para aí encontrar seu fundamento histórico sempre original”. Toda filosofia nasce do mundo, jamais de um mundo abstrato, porque ninguém habita um mundo abstrato. Desde a filosofia da práxis, constituída pelo materialismo histórico e dialético, é no mínimo uma blasfêmia epistemológica advogar a ideia de uma natureza humana abstrata. A única natureza humana conhecida pelo ser social é aquela modificada pela história, ensina o Mouro de Trier.

 

               06. A despeito da defesa eugênica da filosofia acadêmica, como atividade restrita a um círculo de iniciados que se recusa a meter (e a sujar) mãos e mentes nas contradições e dilaceramentos reais do mundo, essas figuras, que se julgam acima do bem e do mal, são sempre muito ciosas dos benefícios e privilégios de ordem material em que vivem, e à custa do necessário compromisso ético do pensamento filosófico. Sobre esses benefícios e privilégios a defesa nunca é abstrata. Dito doutra forma, e em argumento reverso, jamais são abstratas as consequências socialmente perversas das ditas mãos invisíveis (e sempre sujas) produzidas pela ordem do capital. Muito provavelmente, em consequência de propor a libertação da filosofia das malhas do academicismo, Marx e Engels dificilmente, ou apenas de forma marginal, encontram abrigo entre muitos historiadores da filosofia, e em seus compêndios bem assepsiados do pensamento crítico.

 

               07. Karl Jaspers, em cujo pensamento não há o menor indício da crítica herdeira do materialismo histórico e dialético, nunca pensou a filosofia como atividade refratária às contradições do mundo. Escreve que a filosofia é “objeto de desprezo (pelo mundo). A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática”. Embora nunca tenha pisado em solo brasileiro, Jaspers, há mais de sessenta anos, foi incisivo: “Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência de filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia”. 

 

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana – CE). Em Manaus, AM, 14 de julho de 2024, aos 235 anos da Queda da Bastilha.

 







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