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  01/07/2024 - por José Alcimar de Oliveira



Amazônia de Parintins: da heteronomia capitalista à autonomia da cultura popular



 

 

 

O consumo diferenciado (ou conspícuo) deve aparecer como expressão de uma sensibilidade também diferenciada. O rico que só tem dinheiro é um rico bronco (Jessé Souza)

 

01. No prefácio de 1967 ao seu História e consciência de classe, publicado em 1923, Georg Lukács escreve: “Nunca incorri no erro de me deixar impressionar pelo mundo capitalista, o que diversas vezes pude observar em muitos operários e intelectuais pequeno-burgueses. O ódio cheio de desprezo que sentia desde os tempos de infância pela vida no capitalismo preservou-me disso”. O mestre-educador brasileiro Paulo Freire, em sua necessária Pedagogia do oprimido (como classe), arremata: “Insistindo as elites dominadoras na manipulação, vão inoculando nos indivíduos o apetite burguês do êxito pessoal”.  Do luxo arrogante das elites do atraso (conforme Jessé Souza) procede o lixo que infesta e degrada a vida do povo brasileiro, nas cidades e nos campos.

  

02. Vem da rebeldia estética de Cazuza, que viveu nas fronteiras entre o apolíneo socrático e o dionisíaco nietzscheano, o reconhecimento por faro de canina cognição de que a “a burguesia fede, fede. Nem o perfume mais caro disfarça o cheiro de merda que eles têm na pele. Tô ligado que vocês me odeiam, me consideram perigoso (...)”.  Nasci em Bela Vista, comunidade de Manacapuru, AM, às margens do portentoso Solimões, mas sou igualmente filho, por força da origem alencarina de Ana Nilda e Marcondes, das águas escassas do rio Jaguaribe, em Jaguaruana, CE, que juntos conformam o maior rio seco do mundo e a capital mundial das redes, de dormir no caso, e também de leitura, no contracurso das redes ditas sociais, embaladas e movidas pelas potestades da baixa cognição.

 

03. Amo a Amazônia de Manaus e suas contradições de cidade com face indígena, que concentra a maior população de indígenas urbanos do Brasil, mas não consegue disfarçar preconceito e ódio às populações originárias. O Brasil precisa saber o quanto é difícil ser indígena na Amazônia de Manaus. Amo a Amazônia de São Gabriel da Cachoeira, no alto rio Negro, o município mais indígena do Brasil, e para o qual a geopolítica brasileira e amazonense, aí incluídas a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade do Estado do Amazonas, ainda tateiam em ali instituir o mais importante Centro de Pesquisa, de Estudos e de Afirmação dos Direitos dos Povos Originários. O Brasil oficial discursa, mas pouco dialoga com a Amazônia Indígena. Mas os fantasmas da heteronomia cultural, interna e externa, continuam a rondar a Amazônia.      

 

04. Amo a Amazônia de Parintins, no baixo rio Amazonas e o mais importante, festejado e alegre pórtico de entrada do Estado do Amazonas. Mas de quem ama também se espera o cuidado e a crítica insubmissa, notadamente quando os destinos da cidade se desviam da vocação do que, desde a Filosofia Política grega, é reconhecido como a forma mais elevada da vida social. Desde Aristóteles, autor da mais reconhecida Teoria da Cidade de todos os tempos, temos na Pólis o lugar em que o povo se reúne para viver bem. É da natureza da Filosofia introduzir o espírito de contradição onde reina a falsa harmonia. Embora ideal, a Pólis grega de Aristóteles não garantia espaço, nem político, nem de fala, para escravos, estrangeiros, mulheres e crianças. Parintins e demais Pólis brasileiras reativam a contradição.

 

05. A Pólis real brasileira pouco ou nada aprendeu da configuração política, ainda que atravessada por contradições, da propositura de Aristóteles. Para o estagirita, os ricos (a burguesia hoje) são mais danosos para a cidade do que os empobrecidos. Estes constroem as cidades, mas delas são expulsos. Os ricos, com sua perversa lógica de condomínio e de privatização do bem-estar, tudo fazem para se proteger das cidades, e constroem cidades condominiais para o próprio uso e desfrute. Os ricos gostam, gastam e abusam de Parintins por três dias. Mas a Parintins que se mostra pelas lentes assépticas e controladas pela comunicação das corporações mediáticas, sob filtros os mais sequelados, está longe de se reconhecer pela Parintins cotidiana. Porque o cotidiano, escreve Heller, é toda a nossa vida.

        

06. A cada festival assoma em Parintins o luxo da classe dominante, sempre à custa do lixo legado às classes dominadas. Ao naturalizar e sacralizar um paradigma bovinocultural, a classe dominante (local e externa) leva ao paroxismo o conceito adorniano de indústria cultural. É o máximo do cultivo de si mesmo sem si mesmo, numa estética carente de reflexão e tão profunda quanto à fundura de um pires. Aliás, é um aviltamento do conceito chamar de elite essa classe dominante, culturalmente rasa e tosca. É um engodo espiritual engolir esse discurso, que ao se apropriar da riqueza artística das tradições populares e dos povos originários, termina por mercantilizar valores e instrumentalizar as manifestações da cultura popular, a cada dia vilipendiada e massificada pela ideologia burguesa.

 

07. É parte da ideologia burguesa nutrir profundo ódio e desprezo pela vida cotidiana do povo. A população de Parintins não é exceção a essa regra sociológica e discriminatória. Está, ou já passa da hora, da Amazônia de Parintins se apropriar de sua potencialidade estética e transformar a Ilha Tupinabarana numa grande oficina estética a céu aberto, urbana e ribeirinha, verdadeiramente popular, ambiental e irradiadora de autonomia e de formas de vida no contracurso do lucro e da predação do sociometabolismo do capital. É preciso recuperar o espírito cabano e libertário dos parintintins e fazer frente à heteronomia estética, braço armado da dominação cultural. Pensar a Parintins cultural para além de três dias, porque cultura, antes de quaisquer artifícios mediáticos, é modo de vida do povo.

 

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical, filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe e devoto do espirito libertário do povo parintinense. Em Manaus, AM, aos 30 dias do mês de junho de 2024.

 







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