Reprodução/Instituto Paulo Freire
"Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução autêntica.
Ela é revolução por isto. Dos golpes, seria uma ingenuidade esperar que estabelecessem diálogo com as massas.
Deles, o que se pode esperar é o engodo para legitimar-se ou a força que reprime" (Paulo Freire).
01. O dia é 02 de maio de 1997, data em que o Brasil perdia seu maior educador, Paulo Freire, nascido em 19 de setembro de 1921. 1997 marca o ano de sua segunda morte, esta inevitável, porque condição de nossa imanente finitude. Sua primeira morte, evitável, ocorreu em 1964, quando do regime ditatorial implantado pelo golpe empresarial-militar, que o obrigou a sair do País e a viver no exílio por quase duas décadas. Calado e perseguido no Brasil, Paulo Freire tornou-se cidadão do mundo.
02. Por força de sua constituição ontológica, política e educativa, de sujeito tecido por aquilo que Agnes Heller define como "invencibilidade da substância humana", Paulo Freire fez-se educador cosmopolita e ensinou ao Brasil e ao mundo que o direito à educação é tão universal quanto o direito à vida. Kant, nascido há 300 anos, classificava como crime de lesa-natureza negar à espécie humana o direito ao esclarecimento. Paulo Freire, foi além de Kant, porque via a espécie humana a partir do oprimido como classe.
03. O método do materialismo histórico e dialético de Marx e Engels contribuiu para que Paulo Freire não abstraísse do conceito de humanidade a condição social das oprimidas e dos oprimidos do mundo. O horizonte de sua pedagogia dialógica é o mundo-cão e tórrido dos povos oprimidos, submetidos à ordem do mutismo, o que é muito diferente da chamada "comunidade ideal de fala", objeto da temperada e insossa teoria da ação comunicativa de Habermas.
04. Mas a terceira e mais ignominiosa morte de Paulo Freire é a que ainda segue em curso neste Brasil de 2024. A ira insana e metódica da autocracia burguesa brasileira (da direita e notadamente da ignara extrema direita) ao legado teórico e prático do educador Paulo Freire é reveladora do quanto o Estado brasileiro tem regredido nesses últimos anos, presididos pelo ódio ao pensamento, afronta à cultura, criminalização da política, ataque à ciência, falsificação da história, destruição da memória e aversão às ideias.
05. Manter viva a memória de Paulo Freire, o maior educador do século XX, mundialmente conhecido e reconhecido, é um dever que se impõe a quem defende a educação como prática de liberdade a partir "dos esfarrapados do mundo". A sua Pedagogia (dialógica) do oprimido (como classe) já tem seu lugar como o grande e clássico manifesto em defesa da educação como direito do povo a dizer sua palavra. Palavra forjada na práxis, colada à luta pela humanização da classe trabalhadora.
06. Em Paulo Freire a pedagogia supera uma dupla amarra ideológica: a do redencionismo otimista e ingênuo, porque a educação sozinha não pode tudo; e a do pessimismo reprodutivista (ainda que crítico), que anula a ação e subtrai mística ao projeto de libertação. Educar como prática de liberdade (individual e coletiva) implica partir da compreensão e da situação histórica e concreta em que vivem os sujeitos da prática educativa. Sujeitos movidos pela vocação ontológica de aprender e ensinar.
07. Ao conjugar de forma pedagógica leitura de mundo e leitura da palavra, Paulo Freire está entre os poucos e grandes educadores que conferiram à prática educativa o estatuto filosófico (por isso, socrático) de uma verdadeira teoria do conhecimento. Porque incorporada à teoria do conhecimento, a prática (pedagógica, inclusive) torna-se critério dialético da verdade do pensar e do agir. Afinal, para concluir com as palavras do Mestre Universal de Angicos, "a educação é um ato de conhecimento".
*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas. Em Manaus, AM, 02 de maio de 2024.
Foto: Reprodução/Instituto Paulo Freire
|