A esperança indígena é absolutamente revolucionaria. O próprio mito, a própria ideia, são agentes decisivos no despertar de outros velhos povos... em colapso (José Carlos Mariátegui – 1894-1930).
01. Neste 05 de setembro de 2023, Dia da Amazônia, é tempo de reavivar a memória de quem lutou, e já não se encontra entre nós, e tempo de fortalecer de forma orgânica os projetos de quem luta no presente em defesa da Amazônia, da terra e do povo, de modo especial dos povos indígenas, da simbiose mais que milenar entre natureza e cultura de seus modos de viver. Os arcanos da Amazônia pertencem à sabedoria indígena. Erra a ciência cartesiana em não reconhecer essa verdade epistêmica.
02. Para nós que moramos na Amazônia, e em sua terra e gente encontramos abrigo, é dia de agradecer pela generosa acolhida. Agredir a Amazônia, agredir sua terra, suas formas de vida vegetal e animal, agredir seus povos originários, a rica diversidade de seus modos de vida, de suas culturas, é agredir o coração biológico da Mãe Terra. Sobre a Amazônia podemos repetir o que Marx afirmava sobre a Natureza: a Amazônia é o nosso corpo inorgânico.
03. A agressão à Amazônia implica sempre uma forma de autoagressão. Em cada povo indígena agredido, dizimado; em cada forma de saber, língua e cultura que o sistema do capital destrói; em cada rio, paraná, furo, igarapé, lago, que a venalidade do valor de troca converte em mercadoria, perverte-se o sentido de ser humano. Cada espécie extinta, cada árvore arrancada ao ventre da Amazônia, cada fonte de água secada, nos onera a todas e todos em nossa dignidade de mamíferos ditos racionais.
04. A Amazônia nos antecede a todos. Nela chegamos depois. Sem a Mãe Natureza, sem a Mãe Amazônia, nada somos. Em nossa condição de ser social nada agregamos ao devir da Natureza e da Amazônia. Sem nós e a despeito de nós, e por nós aviltada, a Amazônia seguirá seu curso noutras formas de vida que a Natureza lhe reservar. A unidade spinozista do Deus sive Natura (Deus ou Natureza) desagravará os crimes de ontem e de hoje do capital contra a Amazônia. A Natureza tem suas armas e razão próprias.
05. A Amazônia enquanto ser social não terá futuro fora da simbiose entre Natureza e Cultura que os povos indígenas milenarmente construíram pelo trabalho comunal. O paradigma cartesiano da ciência e da técnica ocidentais resiste em reconhecer que o ser natural da Amazônia é constitutivo ontológico do ser social da Amazônia. Descartes pouco aprendeu de Heráclito, que recusava a dicotomia entre logos e physis. A episteme de uma criança indígena é bem mais heraclítica do que cartesiana.
06. Sob o sistema do capital o parasitismo prevalece sobre a simbiose. O que é o sistema do capital senão o mais abrangente e poderoso sistema de parasitismo? O parasitismo é a sua essência envenenada. E a burguesia, essencialmente parasitária, é o operador universal desse sistema ecocida. A Amazônia hoje está no centro dessa geopolítica parasitária e para ela convergem os interesses mais estratégicos e venais desse perverso metabolismo social.
07. Da Amazônia de Manaus para o mundo, urbi et orbi, urge ecoar o caráter revolucionário e paciente da esperança indígena, e voltar – nessa quadra a mais destrutiva do capital sobre a Amazônia e sobre os povos indígenas – aos irredentos Sete ensaios..., escritos pelo mais importante pensador marxista da América Latina, José Carlos Mariátegui. Dedicamos estas sete notas aos dois movimentos brasileiros de maior esperança revolucionária: o Indígena e o dos Trabalhadores sem Terra (MST).
* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru, AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana, CE). Escrito em Manaus, AM, no Dia da Amazônia, 05 de setembro de 2023.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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