Manaus figura entre as 25 cidades mais violentas do mundo. O que a generosidade da natureza lhe concedeu a perversidade da cultura do capital cuidou de arruinar.
Não existe ameaça de catástrofe. Para seguir a objetivação dialética do filósofo Paulo Eduardo Arantes, já vivemos na era pós-catástrofe. Manaus é parte dessa totalidade trágica.
No Brasil, já é da norma, os abutres dos podres poderes se alimentam das tragédias sociais e fraudam a política como espaço de afirmação de direitos coletivos.
A tragédia de ontem, 12 de março de 2023, em Manaus, sem nenhuma gênese natural ou resultante de vingança sobrenatural, é mais um efeito cruel de uma catástrofe socialmente planejada e normalizada como um evento a mais da natureza.
A catástrofe (ou tragédia maior) é também a não objetivação política da catástrofe. As mãos sujas de sangue do capital seguirão ainda invisíveis e inimputáveis.
O poder das instituições e seus governantes em todas as esferas usam e abusam das tragédias para promoção pessoal e, com astúcia isenta de escrúpulos, meter as mãos no erário. Tragédias abrem cofres.
Manipulam a consciência coletiva com ações emergenciais diante dos efeitos imediatos da tragédia social enraizadamente estruturada.
É uma forma bem arquitetada de ocultar para assim jamais enfrentar a tragédia estrutural que produziram. Segundo o salmista, um abismo chama outro abismo.
É um espetáculo cruel da burguesia assassina, sempre à custa da miséria real da classe trabalhadora. No Brasil, aporofobia (aversão aos pobres) e nerofilia (culto à destruição) consumam a aliança do mal.
Mercadores da infâmia. E aliadas à infâmia, as grandes corporações mediáticas reproduzem e reforçam, com criminosa omissão, a sensação falsificada das respostas paliativas e imediatas dos governantes de plantão.
Governantes que agem como verdadeiros cães de guarda sob o controle do capital sem controle.
A rapidez das falsas respostas diante da tragédia seguem o tempo curto, politicamente calculado, para impedir a tomada de consciência de classe dos subalternizados.
Nada mais perverso e trágico do que a naturalização da tragédia humana produzida pela desigualdade social inseparável da ordem do capital.
Numa de suas muitas cartas o Mouro de Trier afirmava, movido a indignação: somente a luta de classes porá fim a toda essa merda.
Estamos sempre diante da aporia orwelliana: os pobres não se rebelam porque não têm consciência e não têm consciência porque não se rebelam.
* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe.
Em Manaus, AM, 13 de março de 2023.
Foto: Raphael Alves
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