O futuro, como nos diz Peccei (1981), não é obra do acaso, ao contrário, o futuro é constituído por nós, homens e instituições, e depende essencialmente da percepção clara do presente e das ações com que respondemos a estas percepções nos tempos atuais: tempos difíceis, turbulentos, de crises, mas também de esperança e que exigem homens e mulheres não apenas com capacidade de fazer, mas principalmente com vontade de fazer. O homem fez sua carreira espetacular no mundo graças à reflexão, à criatividade de seu cérebro e à destreza de suas mãos.
Essas mesmas capacidades precisam ser utilizadas por cada um de nós para suscitar formas eficazes de ação diante de tal realidade, tanto no contexto mundial quanto no contexto nacional para recuperar o sentido real da vida humana que, concordo com Peccei, se não tomar outra direção, caminha para o desastre visto que os problemas de hoje são derivados dos erros de ontem, e os erros de hoje multiplicarão os problemas do amanhã.
Em tal contexto, a ética e a educação como maior patrimônio individual e social da humanidade, precisam estar sempre presentes em nosso dia a dia para que possam criar pelo conhecimento do mundo interior e exterior, formas melhores de vida e construir uma consciência viva para orientar e reger as comunidades humanas. A crise da humanidade refletida na violência, no egoísmo e na indiferença pela vida do semelhante, reflete o espírito do nosso tempo e está alicerçada na perda dos valores morais básicos de orientação do comportamento e das ações. Por conta disso é preciso, mais que nunca, que a ética (ethos), conjunto de princípios (a priori) que atua na esfera dos fundamentos e dos valores que devem nortear o comportamento do homem em sociedade, tendo em vista os seus semelhantes, seja reabilitada. Enquanto a ética indica às pessoas o dever-ser da existência humana, um saber viver sustentado na alteridade, a moral (mores), objeto próprio da ética, se expressa nas atitudes, nas ações de uma vontade subjetiva individual, que pode ser boa ou não, verdadeira ou falsa, dependendo da vontade, do fundamento e do sentido que norteiam as ações individuais ou coletivas.
Contudo, não basta ter consciência dessa problemática, é necessário transformar a consciência em conscientização, ou seja, é preciso encontrar ou traçar caminhos que levem a colocar em prática a ética como orientação da ação fundada nos valores morais de que tanto falamos, mas quase sempre não praticamos. A inversão dos valores leva os indivíduos a olharem e valorizarem os outros não pelo quem SÃO, mas pelo que TÊM (dinheiro, posição, poder). Ao distorcerem a realidade e substituírem a VERDADE pela MENTIRA, a ALTERIDADE pela VONTADE pessoal, impedem que a JUSTIÇA se concretize.
Desde 2018 vimos aflorar em uma grande parcela da população brasileira o abandono dos princípios éticos que devem nortear a ação e a conduta do ser humano. A partir de então assistimos a consciência reflexiva, principal condição da racionalidade, quase extinguir e, em seu lugar, brotar a “irracionalidade”, a “consciência de rebanho” que aceita como sua a opinião dos outros sem qualquer reflexão sobre a sua veracidade e o seu sentido. A prevalência da irracionalidade, da não reflexão, da mentira, destrói os princípios da alteridade, da verdade e da justiça e pode levar a sociedade brasileira à barbárie, se é que já não levou.
Estamos não apenas assistindo, mas também convivendo com uma plêiade de eleitores “bolsonaristas” que estão fechando ruas, estradas, fazendo ameaças e pedindo “golpe militar” por conta do resultado de uma eleição presidencial legal e limpa, mas que foi desfavorável ao Sr. Jair Bolsonaro. Por que as pessoas que apoiaram o candidato do PT e perderam as eleições não fizeram contestações em 2018? Por que não estão fazendo baderna pelo resultado de eleições estaduais no: Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, etc. onde o atual mandatário do país foi vitorioso? No caso das eleições dos governadores o resultado não veio das mesmas urnas e da mesma eleição? Por que somente o resultado da eleição para a Presidência da República no segundo turno não é legítimo e correto?
A não aceitação do resultado, a construção de mentiras, de manifestações golpistas e os pedidos de “golpe militar” demonstram a falta de reflexão sobre a realidade e a falta de respeito pela verdade, pela justiça e pela democracia e, com isso, querer impor a qualquer custo e de forma aética e ilegal, que a vontade individual de um grupo prevaleça sobre a vontade da maioria. Essa atitude demonstra, sem qualquer sombra de dúvida, a prevalência da “irracionalidade”. Infelizmente uma máquina de fazedores de mentiras está levando uma parte da população a agir como “gado”. Alguém toca o berrante e a manada sai do pasto na direção que o boiadeiro quer. Por conta disso torna-se indispensável, segundo entendo, que nós, professores/educadores, resgatemos no processo educativo os valores éticos que devem orientar o existir dos indivíduos, das pessoas e dos cidadãos. Nossos ensinamentos precisam, urgentemente, não adestrar como diz o presidente, mas possibilitar o desenvolvimento da consciência crítica dos educandos para que possam, por eles mesmos, a partir de suas reflexões, encontrar o sentido, o valor da VERDADE, da JUSTIÇA, da ALTERIDA[1]DE, da SOLIDARIEDADE.
A VERDADE é a condição sine qua non para que a JUSTIÇA se concretiza. Somente a verdade que se apresenta na ação ou no fato pode levar à Justiça, falseá-la é promover a mentira e, consequentemente, a INJUSTIÇA. Do mesmo modo que Kant e Hegel (século XVIII e XIX), acreditamos na necessidade de uma educação moral-antropológica que resgate o valor da pessoa humana, do SER individual, social e político.
A reflexão é o fundamento e o sustentáculo da nossa racionalidade, de nossa diferença entre os seres e os demais seres vivos. Por conta disso, o Ser, o Pensar, o sentir diferente não podem levar ao conflito, mais ao diálogo em busca da Verdade e da Justiça, alicerces da convivência pacífica entre as pessoas. É Kant quem afirma: “Age de tal modo que o motivo que te levou a agir assim seja uma lei universal”. Isto significa que as nossas ações devem ser verdadeiras e justas, pois aquilo que não quero para mim, não devo querer para os outros.
É nisso que acredito. E foi esta consciência que guiou o meu fazer educativo até aqui!
* Rosa Mendonça de Brito é professora pesquisadora Titular da Ufam, sindicalizada à ADUA. É Pós-Doutora em Filosofia da Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Membro titular da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.
Foto: DIVULGAÇÃO/BRASIL DE FATO - PAM SANTOS
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