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  04/01/2023 - por Ivânia Vieira



Indígenas desafiam a estrutura racista do governo



 

 

O Ministério ou a Secretaria Especial dos Povos Indígenas (MPI/SEPI) é tema de articulações intensas, tensas e segue como uma das áreas de disputas por grupos e movimentos indígenas e não indígenas. O arranjo prestes a ser anunciado pelo presidente eleito envolve rede diversa, da representação de organizações indígenas, de indígenas, das mulheres indígenas, parlamentares e professores-pesquisadores. A participação direta dos indígenas é um dos elementos demarcadores desse processo, feita antes, durante e depois das eleições. No trabalho das equipes de transição, indígenas participantes conjugaram a presença na primeira pessoa do plural: nós, indígenas, estamos em ação.

 

Como ministério ou secretaria, a futura instância da estrutura administrativa do governo federal do Brasil estará no primeiro time da equipe governamental de Lula. Pela primeira vez, 200 anos depois da independência do país de Portugal e 522 anos do fim da colonização portuguesa, não da colonialidade, os indígenas serão parte no organograma da administração federal.

 

Trata-se de lidar com operação complexa. É percebida, por uma porção dos integrantes do poder e da sociedade, como desnecessária e aventura arriscada e, por outra, fundamental para avançar na necessária e reparadora inclusão dos indígenas como sujeitos e protagonista da história do Brasil. Um pequeno passo diante da dívida do Brasil para com os povos originários e no exercício de pensar sobre o Estado plurinacional e intercultural.

 

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 12 anos atrás, registram 256 povos indígenas, 160 línguas diferentes e aproximadamente 900 mil pessoas. Os governos do Brasil têm historicamente atuado para levar adiante um projeto baseado em dois mecanismos, o da integração e o da civilização dos indígenas, por meio dos quais o racismo, a violência ampla e irrestrita e o extermínio são realizados como expressões da política de desenvolvimento socioeconômico, notadamente na Amazônia, região que concentra a maior população indígena e o maior número de etnias.

 

Nesse momento, como resultado de longo tempo de lutas e de resiliência, a sociedade brasileira, racista, e o mundo racista e de movimentos antirracistas assistem a dança dos indígenas do Brasil sobre pedras, pontas de faca e tiroteios na busca de um lugar de posição e de interlocução mais direta no poder executivo. É anúncio de um beliscão na arquitetura do poder nacional que, aguardamos, seja materializado e se revele em outra historiografia.

 

Muitas conquistas aguardam pela materialidade. Reivindicações amparadas pela Constituição permanecem no papel e, nos últimos quatro anos, ameaças passaram a aterrorizar aldeias e comunidades, promoveram fugas e mortes. Territorialidade, demarcações e homologações, saúde, educação e culturas indígenas seguem como pautas fundamentais e da esperança de realizar mudanças concretas no Brasil. São elementos que poderão ser a boa novidade.

 

A indigenização do Brasil encharcado pela dominação de culturas europeia e estadunidense, oferece uma série de elementos saudáveis tanto para os estudos e releituras acerca da formação social do País quanto à vida cotidiana e a relação com a Natureza. Um país mergulhado na desigualdade, adoecido e brutalizado tem, nesse legado presente dos povos indígenas a possibilidade de decidir pelo cuidado, pelo respeito às diferenças e pela construção de novas sociabilidades se os indígenas foram incluídos, de fato, nas suas diferenças e pela porta da frente.

 

* Ivânia Vieira é jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutora em Doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).

 

*Texto publicado originalmente em www.ihu.unisinos.br em 02 de janeiro de 2023.







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