“Quem não quer falar do capitalismo deveria calar-se sobre o fascismo.” A frase do filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer, um dos principais nomes da Escola de Frankfurt, foi lembrada pelo ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, ao comentar o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil.
O contexto da frase de Horkheimer é o da Segunda Guerra Mundial. A semelhança que o presente guarda com esse período é o crescente clima de insegurança social, política, econômica e ambiental que marca o mundo hoje. Neste cenário, como já fizeram no passado, as grandes corporações capitalistas e suas instituições não hesitam em se aliar com as formas de autoritarismo mais bárbaras.
A nova emergência do fascismo no mundo, particularmente no caso do Brasil, assinalou Tarso Genro, “anda de mãos dadas com os seres mais desqualificados das burguesias nativas, vestidos de papagaios e financiadores de milícias”. O desprezo pela democracia já não é mais escondido por muitos grandes empresários e suas entidades (em especial, do “agronegócio é pop”) que nem procuram disfarçar mais.
Defender a democracia, seus princípios e valores, hoje no Brasil (e em vários outros países) tornou-se, de certa forma, uma posição anticapitalista, tal é o envolvimento desse sistema econômico hegemônico global com as mais variadas formas de autoritarismo, violação de direitos e destruição ambiental.
A condução desastrosa e criminosa que o governo Bolsonaro teve durante a pandemia, que custou a vida de algumas dezenas de milhares de pessoas que poderiam ter sobrevivido fossem outras as medidas, e o retorno do Brasil ao Mapa da Fome não foram suficientes para garantir a vitória de Lula no primeiro turno. As razões para isso são diversas e ainda precisam ser melhor entendidas.
O fato é que uma parcela significativa da sociedade brasileira, entre elas setores importantes do nosso “empresariado”, não enxergou essas condutas como razão suficiente para rejeitar a possibilidade de continuidade do atual governo, que encarnou um discurso de ódio e intolerância que parece guardar profundas raízes na sociedade brasileira.
Durante algum tempo, muita gente se perguntou como isso foi possível, uma pergunta similar àquela feita em relação ao que aconteceu com a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. O fato é que Bolsonaro não é um ponto fora da curva do ponto de vista histórico. Ele ecoa o que há de pior na ancestralidade brasileira, para usar uma expressão que vem sendo trabalhada pelo neurocientista Sidarta Ribeiro.
“Ao lado das mais belas joias culturais do passado, herdamos também um enorme estoque de lixo tóxico, neuroses atávicas, poluição mental e miséria comportamental”, escreve ele em seu mais recente livro Sonho manifesto (Cia. das Letras, 2022, 200 p.).
Fazem parte desse pacote de lixo tóxico, entre outras coisas, o patriarcado, a misoginia, a homofobia, a violência contra as mulheres, o não reconhecimento da existência do outro e das futuras gerações.
Do outro lado, ainda seguindo o caminho proposto por Sidarta Ribeiro, temos a nossa melhor ancestralidade, caracterizada pela consciência de coletividade, de solidariedade, de amor e respeito às formas de vida, pela recusa do consumo e do “ter” como critérios de vida.
O segundo turno da eleição presidencial brasileira, portanto, é muito mais do que uma eleição. Estamos diante de uma encruzilhada civilizacional. A população brasileira decidirá se o país prosseguirá neste mergulho no pior de sua ancestralidade, marcada pela violência e pelo desprezo do outro, ou se buscará retomar seus melhores valores e práticas históricas.
E isso acontecerá no momento em que o mundo também se encontra em uma encruzilhada. No horizonte do cenário internacional para 2023, há nuvens que podem formar uma tempestade perfeita, alimentada por uma recessão global, pelo recrudescimento da guerra na Ucrânia e na Europa e pelo agravamento da crise climática.
*Marco Weissheimer é jornalista. Escreve mensalmente o Extra Classe.
**Artigo publicado originalmente no dia 14 de outubro de 2022 no site Extraclasse.
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