O atraso socioeconômico do Brasil se deve, em grande parte, à exacerbação das atividades primárias da mineração e do agrobusiness, exercidas de forma predatória em relação ao meio ambiente e voltadas exclusivamente para a exportação de commodities.
Enquanto a indústria brasileira encolhe, agravando-se o processo de desindustrialização, principalmente em decorrência dos juros abusivos praticados no país, as atividades primárias da mineração e do agrobusiness se expandem em escala geométrica, garantindo lucros extraordinários para as grandes corporações transnacionais que atuam nesses ramos.
Apesar da grande capacidade industrial já instalada e das potencialidades para avançar, o Brasil está se tornando um país primarizado e atrasado, porque os juros altos impedem a expansão industrial e seduzem muitos industriais a optarem pelo rentismo.
Os setores primarizados da mineração e do grande agronegócio pouco contribuem para o financiamento do Estado, uma vez que praticamente não pagam tributos, pois a exportação de commodities é isenta, e, adicionalmente, recebem inúmeros incentivos fiscais, tributários e creditícios; exploram a classe trabalhadora, geram poucos empregos e de baixa qualidade, mal remunerados e com elevadíssimo grau de exploração que em casos extremos chega a ser análoga a trabalho escravo!
Por outro lado, geram imensa devastação ambiental e ecológica, avançando sobre o cerrado, matas, rios e florestas; consumindo grandes volumes de água bruta, contaminando águas e solos, ameaçando povos originários, deixando o dano ambiental por onde passam.
Além disso, os imensos lucros auferidos com a atividade de exportação de produtos primários podem permanecer no exterior, de acordo com os interesses das corporações exportadoras, e, assim, sequer trazem divisas para o país.
Brasil retorna ao Mapa da Fome e o agronegócio bate recordes
Vergonhosamente, o Brasil retornou ao Mapa da Fome, segundo a FAO, e mais da metade da população brasileira se encontra em situação de insegurança alimentar.
Isso prova que o lucrativo agrobusiness – que tem comemorado sucessivos recordes de faturamento, safra e exportação de commodities, principalmente de carnes e grãos – não tem nada a ver com a alimentação do povo brasileiro, que disputa ossos e lixo de supermercado para sobreviver.
Esse paradoxo mostra claramente que o grande agronegócio de exportação não tem relação com a alimentação do povo brasileiro: é um grande negócio!
O que de fato alimenta a população é a produção de alimentos pela pequena agricultura familiar, que ocupa a menor parte das terras, recebe a menor parte dos financiamentos estatais, e tem recebido pouca ou nenhuma atenção dos sucessivos governos, enquanto o grande agronegócio recebe quase toda a verba pública destinada à área da Agricultura, além de subsídios tributários e creditícios, com acesso a empréstimos subsidiados, investimentos em infraestrutura, uso indiscriminado de água bruta, etc.
Importante estudo acadêmico mostra que o Agro não é pop, o agro não é tech, e muito menos tudo.
Enquanto analistas conservadores dizem que não haveria alternativa diante do aumento dos preços de alimentos no mercado internacional, na realidade o problema está nas políticas agrária e agrícola do governo, que nos últimos anos desmontou as políticas de armazenamento de estoques reguladores de alimentos e se recusa a tributar as exportações, o que seria uma medida básica a ser tomada para redirecionar a produção para o mercado interno.
A falta de uma Reforma Agrária no país consolida este modelo, ao manter a agricultura familiar com a menor fatia das terras.
Os inúmeros erros de política agrícola e agrária comprometem a soberania alimentar do povo brasileiro e acarretam uma série de consequências ligadas à devastação territorial, contaminação do solo e dos rios devido ao uso exacerbado de venenos, além de provocar inflação, tendo em vista que a preferência do grande agronegócio pela exportação isenta de impostos, em dólares, acaba acarretando a elevação dos preços internos desses produtos.
A atual dependência do Brasil na área de fertilizantes, por exemplo, decorre de opção do governo brasileiro pelo desmonte da estrutura que possuíamos, privatizando ou sucateando diversas fábricas de fertilizantes pertencentes à Petrobras.
A imprensa anuncia os recordes de safras e de exportações, mas tudo isso tem beneficiado somente os grandes latifundiários do agronegócio e as trading companies, pois o nosso povo passa fome, no país da abundância!
Aumento da depredação ambiental de forma alarmante
Tanto o grande agronegócio como a mineração têm acumulado lucros crescentes à custa de devastação brutal, na contramão da necessidade de preservação ambiental.
O avanço de queimadas, a derrubada de florestas, a ganância que leva ao uso de barragens de alto risco e uso de venenos têm provocado danos ambientais devastadores e irreversíveis em nosso país, à custa de vidas humanas e de todos os demais seres vivos, chegando a aniquilar importantes rios, conforme vimos nos crimes de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, por exemplo, que comprometeram de forma definitiva os rios Doce e Paraopeba, entre inúmeros outros casos.
Só a Vale – privatizada por Fernando Henrique Cardoso por R$ 3,1 bilhões – teve, em 2021, lucro superior a R$ 121 bilhões!
Este modelo também alimenta o Sistema da Dívida, pois, quando os exportadores optam por trazer os recursos advindos das exportações para o país, essa moeda estrangeira é usada inclusive para o pagamento de juros da dívida “externa” e “interna”, devido ao livre fluxo de capitais financeiros internacionais.
Qualquer investidor estrangeiro ou brasileiro, de qualquer parte do mundo, pode trazer moeda estrangeira para o Brasil, trocá-la por reais, ganhar com os juros da dívida “interna”, converter tais ganhos novamente em moeda estrangeira e remetê-los para o exterior, sendo que os estrangeiros ainda contam com isenção de Imposto de Renda nessas operações.
Apesar dos elevados lucros, esses setores primarizados pouco contribuem para o financiamento do estado.
A análise dos orçamentos públicos de todas as esferas – federal, estadual e municipal – mostrou que a participação do agronegócio e da mineração no financiamento do estado é negativa, devido às inúmeras isenções e subsídios, incentivos fiscais etc. de tal maneira que os tributos arrecadados do setor são próximos de zero.
Apesar das atividades de agronegócio e de indústrias extrativas minerais representarem, em 2020, participação, respectivamente, de 5,91% e 2,49% do PIB, as receitas diretas dessas atividades nos orçamentos públicos são praticamente nulas.
Em 2020, as receitas agropecuárias e industriais representaram, respectivamente, apenas 0,00060% e 0,04379% das receitas líquidas em âmbito federal. Nos estados, 0,00499% e 0,10713% das receitas líquidas estaduais. Nos municípios, 0,00128% e 0,00142% das receitas líquidas municipais.
As receitas de exploração de recursos naturais (minerais, água, florestais e outros) aparecem também de forma irrisória nos orçamentos públicos. Em âmbito federal, somaram, em 2019, apenas 0,25432% das receitas líquidas. Nos estados e municípios, 0,02322% e 0,08884%, respectivamente.
Assim, tais atividades trazem recursos escassos aos cofres públicos e provocam imenso dano ambiental e ecológico, com tragédias cada vez mais impactantes para a sociedade e o ambiente, o que exige a urgente erradicação desse modelo exploratório irresponsável, e a sua substituição por outro que utilize práticas de economia solidária e uso respeitoso para com a Natureza.
Conclusão
Os privilégios das atividades do grande agronegócio e mineração voltados para exportação de commodities, são obtidos através de legislação aprovada por uma grande bancada de parlamentares que apoia esses setores.
No dia 9/2/2022, por exemplo, 301 deputados (59% do total) aprovaram o Projeto de Lei 6.299/2002, que visa flexibilizar o controle e a autorização de agrotóxicos, e, no dia 9/3/2022, nada menos que 279 deputados votaram favoravelmente ao regime de urgência para o Projeto de Lei 191/2020, que permite a mineração em terras indígenas.
Estamos próximos das Eleições 2022 e você precisa escolher parlamentares comprometidos com a revisão deste modelo econômico que tem aprofundado as desigualdades sociais e os danos ambientais em um dos países mais ricos do planeta.
É urgente rever completamente os eixos desse modelo econômico, rompendo esse ciclo de escassez que já se provou insustentável tanto para o ambiente como para a imensa maioria das pessoas e a economia como um todo, e, para isso, é necessário escolher bem os candidatos(as) aos quais você dará o seu voto.
A Auditoria Cidadã da Dívida fez a sua parte e elaborou carta aberta aos partidos, acompanhada de questionário a ser respondido por candidatos(as). Seu candidato(a) já respondeu?
A participação cidadã durante o período eleitoral é fundamental e precisa ocorrer de forma qualificada e consciente. Afinal, iremos escolher quem irá dirigir o país e todos os estados nos próximos quatro anos!
* Maria Lucia Fattorelli é coordenadora acional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.
** Este artigo faz parte da série “Eleições” publicada na página www.extraclasse.org.br
Foto: Daniel Marenco/Reprodução
|