As vivências educacionais em tempos de pandemia desvelaram a realidade da saúde física e mental do docente, diante de casos que relatam exaustivas jornadas de trabalho no ambiente doméstico, nas adaptações profissionais e custos profissionais que ultrapassam o orçamento, em que o professor deve “obrigatoriamente” estar conectado para promover a aprendizagem de acadêmicos.
O medo, a insegurança e a doença abalaram sobremaneira as pessoas. Os docentes passaram a vivenciar a precarização do seu trabalho, quando tiveram que criar mecanismos voltados ao mundo digital para ministrar suas aulas, produzir conteúdos, ser tutor, fazer mentoria, orientar acadêmicos, cumprir prazos, propor estratégias e dominar as ferramentas necessárias para cumprir metas educacionais indefinidas e incertas, sem desmerecer o lado discente que também suscitava mudança. Contudo, a profissão docente vive processo de proletarização, em toda a trajetória da educação brasileira, e se agrava nos tempos atuais em função da decadência e do desprestigio, nesse sentido, destacamos que:
Tal precarização exibe a interface de uma imagem real do professor proletariado, que se divide entre a sua necessidade vital de alimentação e cuidados com a saúde para se tornar um ativo funcionário do sistema de ensino, uma vez que, muitos deles, acabam cumprindo exaustiva carga horária de até três turnos de trabalho (NOGUEIRA, 2017, p.195- 196).
No âmbito pessoal, as implicações e ajustes não foram menores, pois a sala de aula instalou-se nas salas de estar, com a necessidade de aquisição de equipamentos e ferramentas que comportassem plataformas digitais e acesso à internet. Segundo Trindade, Morcerf e Oliveira (2018), descrita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a pedagogia foi considerada uma profissão de alto risco, sendo a segunda categoria profissional, em âmbito mundial, a portar doenças ocupacionais. Os docentes, em geral, estão sendo vistos como pessoas submissas diante das problemáticas encontradas e exigências de seus trabalhos, mesmo que consigam chegar aos objetivos da academia.
De acordo com estudos da Unesco e autores aqui citados, os docentes começaram a apresentar características anormais em seu meio funcional e em suas relações sociais, em razão da exigência de produtividade e eficiência no ensino, no contexto de sempre estar ativo na atualização de conteúdo e disponibilidade para outras atividades relacionadas à função; exigências da comunidade acadêmica em ser questionado o motivo de não estar conseguindo alcançar os objetivos didáticos com alguns alunos, além de lidar com discentes que não tem o mínimo respeito pelo professor e abusam de seus direitos, resultando em um profissional que não consegue ter a dedicação para si, de poder se cuidar, de ter que estar conectado à formação contínua, ocasionando preocupação.
Lapolli (2010, p.16) discorre que a formação do professor é um processo tão abrangente que nunca está concluída. Em meio à competitividade do mercado de trabalho, que exige um currículo mais vasto e uma formação mais sólida, os professores, pela necessidade do emprego ou de manter-se atualizados, colecionam especializações e cursos. Por isso, compreendemos que:
O trabalho docente exige uma formação profissional agregada às boas condições de trabalho, qualificação, formação continuada, melhores salários, e não à desvalorização do profissional provocada pelo excesso de tarefas superficiais que vem desarticulando a formação e ação profissional deste trabalhador da educação (NOGUEIRA, 2917, p.45).
Trindade, Morcerf e Oliveira (2018) descrevem que esse estresse prolongado pode ou não levar a um desgaste geral do organismo, dependendo da sua intensidade, duração, vulnerabilidade do indivíduo afetado e sua habilidade em administrá-lo. Para Lima, Coelho e Ceballos (2017), a coleta de dados sobre a saúde dos docentes resultou 70% registram ausências de trabalho na intercalação de 5 a 12 meses, e 37,1% tinham algum transtorno.
Porém, a pesquisa levantou que esses tratamentos só vão começar quando a maioria dos professores chegarem ao seu extremo. Eles passam por outras etapas de desgastes emocionais e precariedade no seu local de trabalho e, por consequência, acabam deixando sequelas graves pelos constantes pensamentos agressivos sobre si, agressões verbais e até mesmo agressões físicas em suas conexões sociais no ambiente escolar e social, se desenvolvendo em um dos transtornos mentais encontrados atualmente nas escolas, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e, o mais comum, a síndrome de Burnout.
Esta síndrome se desencadeia em três tipos de sintomas e pensamentos: a) exaustão emocional, interligado ao cansaço, a desmotivação de dar continuidade e sobrecarga de não poder lidar com exigências que vão além do que ele é capaz; b) despersonalização: seria a desconstrução de sua personalidade atual, contendo o distanciamento, ansiedade e desmotivação; c) baixa realização profissional, no olhar negativo sobre suas ações profissionais em sala de aula e suas metodologias aplicadas, tendo como consequência a insatisfação e decrescente desempenho.
Outro transtorno presente no meio docente é a ansiedade. Castilho (2000) define que é um sentimento vago e desagradável de medo, apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho. As violências escolares fazem com que esse docente comece a faltar, indicando estar adoecendo.
Dentre os distúrbios psíquicos, a atenção volta-se à depressão. Considerada “doença do século” por Lima e Leite (2017), é uma doença crônica que afeta nas alterações dos circuitos neurais, apresentando características mais pesadas e difíceis de lidar, como falta de interesse em atividades, alterações emocionais, mentais e físicas, variando de cada pessoa e seu sistema biológico. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define depressão como um transtorno mental comum, caracterizado por tristeza, perda de interesse, ausência de prazer, oscilações entre sentimento de culpa e baixa autoestima, além de distúrbios do sono ou do apetite. Também a sensação de cansaço e falta de concentração. Tanto os professores como os alunos vêm sofrendo com a depressão. Os que não procuram o tratamento podem desenvolver a forma negativa e alarmante, em tentativas de acabar com a dor e sofrimento, através de situações psicológicas como autodepreciação e autocrítica até chegar às questões físicas como automutilação e, o extremo, o suicídio.
Parreira, Goulart, Haas, Silva, Monteiro e Sponholz (2017) asseveram que o Transtorno Mental Comum (TMC) é definido por sintomas manifestados por meios depressivos, estados de ansiedade, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de memória e concentração e queixas somáticas. Está presente na maioria das definições aqui apresentadas, mostrando a necessidade de atendimento desses sintomas iniciais para serem tratados adequadamente por profissionais da área da saúde. Porém, não pode ser contada somente a questão de tentar ajudar esse profissional, mas também melhorar o ambiente adoecido das escolas e universidades.
A docência vem perdendo o seu valor e credibilidade no Brasil pelos baixos salários, agravado pelas perdas de direitos já conquistados e altas exigências da própria sociedade, mudanças nas legislações educacionais e enfrentamento de situações consideradas de perigo. Essa luta constante de provar para todos que é uma área que deveria ser valorizada, acaba sendo desgastante e, nessa tentativa, adoece. É notável que a qualidade de vida de boa parte dos docentes é baixa e se apresenta na falta de cuidado e autocuidado, na manifestação de sintomas psicológicos, físicos e mentais de transtornos que os afetam com frequência ou por certo período. A necessidade de atendimentos dedicados aos professores poderia reverter esses processos, promovendo melhora significante e a manutenção da saúde mental.
Portanto, a conexão educativa estabelecida pela pandemia entre alunos, professores, comunidade e instituição de ensino sinalizam abalo na estrutura emocional dos interagentes. Como o foco deste artigo é centrado no docente, há implicações sérias nas condições de trabalho das instituições de ensino, cuja precarização se tornou latente. As análises teóricas e a revisão literária apresentadas neste estudo endossam que a saúde mental e física do docente necessita de um suporte clínico, profissional e pessoal.
* Jocélia é professora do Departamento de Administração e Planejamento da Faced e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
** Deborah é egressa do curso de Pedagogia da Faced.
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