Elza (Guerreira) Soares escolheu o dia 20 de janeiro de 2022, aos 91 anos, no dia de São Sebastião ou Oxóssi, para transfigurar-se e imprimir no mundo celestial a beleza e a força da negra imanência.
Operária negra da música, partiu no mesmo dia e mês de seu anjo de pernas tortas, de pernas impossíveis, oficialmente fora dos quadros, inclusive a perna direita, porque ambas inclinadas à esquerda.
Filha e filho do Rio de Janeiro, negra e negro, Elza e Garrincha partiram sob a guarda do mártir romano flechado, santo protetor do povo contra a fome, a peste e a guerra.
Artista da voz e artífice dos dribles, Elza do Canto Negro e Mané Alegria do Povo, com notas e passes ao arrepio da falsa felicidade do mundo burguês, se fizeram verdade no palco do canto e no campo do jogo.
Com notas mordentes de destrutiva aderência aos moinhos de gente, Elza do Canto Negro reverberou para o mundo que a carne negra continua venalizada como a mais barata do vil mercado.
Sem Thiago de Mello a cantar luz contra a escuridão, sem Elza Soares a transpor seu grito negro em notas de irredenta música, resta mais triste e sombrio o Brasil a cada amanhecer.
Cantante do fim do mundo, mulher libertária do samba imune à tristeza, Elza do Canto Negro terá agora o universo por palco, e sua voz ecoará do além o grito de quem não cede o futuro à infâmia dos pervertidos.
Foto: Ricardo Moraes/Reprodução
*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, no dia 20 de janeiro do ano da virada de 2022.
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