Antônio Cattani fala da existência de uma economia-bandida que integra a "economia". Há conjunção e não disjunção. A fórmula clássica, digamos assim, desse processo de integração entre atividades econômicas legais e ilegais é aquilo a que Marx, retomando Adam Smith, qualificou como "a assim chamada acumulação primitiva de capital", isto é, toda forma de espoliação, exploração e brutalidade que quebra barreiras e prepara o "terreno" pra exploração propriamente capitalista, racionalizada, mas ainda assim irracional por seus fins últimos.
Há um jogo-de-empurra entre os agentes e camadas sociais diretamente vinculados a esse processo cujo fim é tornar aquilo que o move, invisível. Isso nem sempre é intencional, mas me parece bastante claro.
Sem uma imagem da situação mais abrangente que cria as circunstâncias para essa "ocupação predatória" dos rios, dificilmente chegaremos a uma compreensão mais objetiva do que se passa.
Enfim, o problema de fundo é o da desigualdade e de suas consequências sociais. A perversidade é o uso da pobreza e da miséria como forma de ampliar a degradação das pessoas e de suas condições de vida, estejamos falando da maioria dos garimpeiros, dos ribeirinhos ou dos indígenas.
Os Ronehlt (empresário da mineração que atua há mais de cinco décadas na Amazônia) da vida verbalizam isso quase que explicitamente. Os militares podem tentar negar, mas foram cúmplices e permanecem cúmplices, muitos, dessa barbárie mobilizada em nome do "progresso". Há uma mistura de cinismo, hipocrisia e pragmatismo de dar nó na tripa.
Foto: Bruno Kelly/Reprodução
*Marcelo Seráfico é professor de Ciências Sociais da Ufam.
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