O que explica que numa mesma sociedade, num mesmo momento, convivam um grupo de 65 indivíduos que acumulam cerca de 220 bilhões de dólares e outro de indivíduos que não dispõem de recursos suficientes para saciar sequer suas necessidades de alimentação?
Talvez se possa responder a essa pergunta retomando o argumento de Keynes acerca das motivações estimulantes do que ele cunhou como sendo o "espírito animal do empresário". Esse "espírito", esse modo de compreender a realidade e de agir, se pauta pelo compromisso com a busca de lucratividade. Isto é, toda situação social deve - está-se no campo de uma ética muito particular - ser tratada como uma possibilidade, como uma oportunidade de ampliar a lucratividade das empresas.
Portanto, em sociedades capitalistas, não há contradição nenhuma no fato de que aumente o número de bilionários ao mesmo tempo em que o desemprego, a precarização das condições de trabalho, de moradia, enfim, de vida leve outros à fome.
Em boa medida, inclusive, a base desse incremento da riqueza de uns poucos está, precisamente, na miséria de milhões cujas vidas são afetadas pelo avanço da substituição dos trabalhadores por máquinas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, quando não, pela destruição de direitos sociais e trabalhistas fundamentais para assegurar padrões dignos de vida a todos.
Em síntese, há uma íntima e perversa relação entre bilionários e esfomeados, e ela se materializa em leis e políticas anti-sociais.
Vê-se, portanto, que atualizado o pensamento de Keynes, chega-se â conclusão de que no capitalismo dos bilionários do século XXI predomina o espírito predatória da águia e do abutre... Com a diferença de que estes não são dotados, pela natureza, da consciência ética que seus congêneres humanos enterraram no solo frio da exploração implacável de seus semelhantes.
*Marcelo Seráfico é professor de Ciências Sociais da Ufam.
**Imagem: @designativista na campanha @temgentecomfomeoficial
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