Temos dito que a crise econômica e social atual, amplamente propagada pelos veículos de comunicação, não é oriunda da pandemia. A crise estrutural que afeta o Brasil (e o mundo) é do modelo societário que, sem dúvida, se agudizou no contexto pandêmico em curso. Isso nos revela um processo de esgotamento dos recursos da natureza e das relações de exploração do trabalho e de opressão-dominação das pessoas em todas as dimensões da vida.
É alarmante a desigualdade social no Brasil. O desemprego, a informalidade, a redução de renda, que já se mostravam em alta antes da pandemia, são assustadores. Dados da PNAD de 2020 apontam o número de 13,5 milhões de desempregados no país. Apesar de atingir todos, essa crise afeta de forma particular as mulheres pobres, em sua maioria, mulheres racializadas (não brancas e imigrantes).
A pandemia escancarou nossas feridas e evidenciou como o capitalismo explora as mulheres. Conforme destaca Silvia Federici, escritora feminista, o trabalho reprodutivo é uma forma de opressão econômica e a exploração sobre a qual o sistema capitalista se sustenta. Esse trabalho não diz respeito apenas à reprodução da vida (ter filhos), mas a todo o trabalho relativo à manutenção da vida – o comer, o vestir, o limpar, o cuidar.... Trabalho que de tão banalizado é, em sua maioria, não remunerado e desconsiderado pelas economias e governos.
Essa é a lógica da chamada “divisão sexual do trabalho”, que opera de forma articulada com o patriarcado e o racismo, determinando lugares, oportunidades, expectativas e destinos desiguais para homens e mulheres. Apesar de avanços no campo do acesso das mulheres às estruturas de poder, o trabalho reprodutivo é um trabalho das mulheres, como revelou a pandemia. Somos nós as cuidadoras pelos acometidos pela Covid, as responsáveis pelo acompanhamento dos filhos, e estamos na linha de frente nos hospitais e serviços de saúde (nas diversas atividades, da limpeza ao atendimento de saúde).
As consequências da ausência de políticas públicas de acesso à renda e à proteção social que considerem essas desigualdades são trágicas. O aumento dos preços do gás de cozinha e da cesta básica levam milhares de famílias à situação de pobreza extrema no país e, em especial, em regiões que historicamente estão nas margens dos investimentos e políticas nacionais.
Para as mulheres que têm algum rendimento (em sua maioria, de serviços informais e precarizados), resta o malabarismo da dura tarefa de repartir o pão. À grande maioria sem renda, a luta, as sobras, a caridade e a morte pelo vírus que não é da Covid-19, mas da desigualdade, que mata com crueldade e dimensões avassaladoras, empurrando para as valas e lixões o direito à vida.
Que a luta das mulheres trabalhadoras para existir e resistir em todo o globo seja inspiração e força para construção de um mundo melhor e a certeza de que “dias mulheres virão” (como nos alerta as companheiras do Fórum de Mulheres de Pernambuco).
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