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  24/02/2021 - por Jesem Orellana



Do início da 2ª onda ao trágico episódio das mortes por asfixia em Manaus



Nada do que aconteceu em Manaus foi ao acaso, mas consequência da má gestão da epidemia

 

Manaus, depois de ter horrorizado a humanidade na primeira onda da epidemia de Covid-19 apresentou desaceleração nos meses seguintes. Em junho, o Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, minimizou a situação epidêmica ao dizer que “O estado do Amazonas é completamente diferente da curva da região Norte e do Brasil. Uma curva muito mais clara, onde o pico já passou e o número tende a normalidade no final da curva”.

 

Os perigos da segunda onda de contágio e mortalidade por Covid-19 foram alertados em revistas científicas de renome internacional e na imprensa, especialmente a partir de agosto, momento em que se observou clara e sustentada reversão na tendência de queda da incidência por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em Manaus.

 

O nítido agravamento da epidemia em setembro, levou o ex-Prefeito a propor “Lockdown”, classificado como “absurdo” pelo Presidente Jair Bolsonaro e descartado pelo Governador Wilson Lima. O erro de avaliação conjunto, bem como a falsa promessa de imunidade de rebanho pela via natural, parecem ter sepultado a resposta sanitária que poderia ter limitado a evolução da segunda onda para níveis catastróficos. Fruto da má gestão da epidemia no Amazonas e da baixa adesão da população às medidas de controle da epidemia, em outubro de 2020, os indicadores de adoecimento e morte por Covid-19 atingiram os piores níveis registrados até então.

 

Ironicamente, mesmo novembro sendo mês de eleições municipais, quando mais de um milhão de manauaras foram às urnas no primeiro e no segundo turno, em plena segunda onda e no momento em que a variante P.1 pode ter começado a circular, o Amazonas fez o menor número mensal de exames RT-PCR da epidemia, com menos de 3.600 diagnósticos para aproximadamente 4,3 milhões de habitantes. Em novembro a senhora “Noeme Tobias de Souza” (Procuradora de Justiça do Amazonas), em parecer descolado dos fatos, indeferiu o pedido de tutela de urgência impetrado pela Defensoria Pública do Estado (Processo n.º 0657137-02.2020.8.04.0001), em que requeria, acertadamente, a ampliação da testagem.

 

 

Em linha com a suposta eficiência da testagem no Amazonas, em 2 de dezembro de 2020, o Ministro Pazuello defendeu que a mesma estava sendo feita de forma adequada no país, em contexto de queda na demanda desses recursos nos estados devido a “fase de desaceleração das infecções”. Na mesma ocasião, o Ministro, assim como o Presidente Jair Bolsonaro, criticou o “Lockdown” dizendo que ele havia sido implementado sem preparo e “na base do medo”. Embora a tragédia sanitária tenha começado a ficar nítida naquele mês, diante do aumento ainda maior do número de casos novos, de internações e de mortes, as repetidas proposições de “Lockdown” em Manaus seguiram sendo ignoradas.

 

Em 14 de janeiro de 2021, Manaus, maior metrópole da Amazônia, protagonizou o episódio mais dramático de toda a pandemia de Covid-19 até então, marcado pela morte de dezenas de pessoas por asfixia dentro de hospitais, transformados em “câmaras de asfixia”, pelo esgotamento do suprimento de oxigênio medicinal. Como consequência, além de outros fatores, entre 14 e 31 de janeiro de 2021 foram confirmadas 1.813 mortes por Covid-19, um número 66% maior do que o total de mortes pela doença (1097) ocorridas entre agosto e dezembro de 2020, no município, ou 300% maior do que todas as mortes por Covid-19 (444) notificadas no Uruguai até 31 de janeiro de 2021.

 

Embora o Ministro Pazuello e o Governo Federal aleguem desconhecimento da previsível falta de oxigênio em Manaus, é preciso lembrar que em 07 de janeiro de 2021, o Governador Wilson Lima esteve reunido com ele em Brasília, dias depois do colapso de rede médico-hospitalar e da urgente necessidade de instalar mais 60 leitos de UTI ter ficado escancarado. Ademais, em 11 de janeiro de 2021 o Ministro Pazuello esteve em Manaus para acompanhar a crítica situação sanitária e humanitária, retornando à Brasília, um dia antes do fatídico 14 de janeiro de 2021.

 

Saliente-se que o Governo estadual, na presença de técnicos do Ministério da Saúde, imediatamente após 14 de janeiro, apresentou gráficos do consumo de oxigênio medicinal no Amazonas ao longo da epidemia. Portanto, como a evolução dessa série, obrigatoriamente, é acompanhada com a de internações hospitalares, não parece plausível alegar desconhecimento da iminência de tamanha tragédia, sobretudo porque as autoridades sanitárias, tanto da gestão estadual como federal, já vinham acompanhando a explosão da demanda por leitos hospitalares desde o fim de dezembro de 2020.

 

Essa tragédia evitável, além de ter resultado na perda de milhares de vidas (direta e indiretamente) e no vultuoso desperdício de recursos públicos, em tempos de crítico subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), deixará sua marca mais imediata não apenas nas vítimas diretas que sobreviveram à Covid-19, seja por meio de traumas psicológicos ou de um vasto leque de sequelas físicas, como também acarretará outros efeitos residuais de médio e longo prazo, como na redução da expectativa de vida da população ou aumento das desigualdades, devido a piora de indicadores como o do Índice de Desenvolvimento Humano [IDH], por exemplo.

 

Finalmente, nada que aconteceu em Manaus foi ao acaso, mas consequência da má gestão da epidemia pelos diferentes níveis da gestão. Por isso, os órgãos de controle e a justiça, precisam agir e responsabilizar os culpados, sob a pena de deixarmos a sensação de impunidade ser solidificada no imaginário e no cotidiano do brasileiro.

 

* Jesem Orellana é epidemiologista e atua na Fiocruz-Amazônia

** Este artigo foi publicado originalmente no site da CSP-Conlutas no dia 18 de fevereiro de 2021.







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