Biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção ou eliminação de riscos que possam comprometer a saúde humana, dos animais e do meio ambiente. Essa estratégia foi estruturada no Brasil somente a partir de 1970, com o advento da incorporação de novas tecnologias na área da saúde humana e animal e nas ações específicas no meio ambiente.
Na década de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou esses riscos como bioló-gicos, químicos, físicos, radioativos e ergonômicos. Sua regulamentação no Brasil foi formalizada apenas em 1995 com a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Com foco na saúde humana, foi criada, dentro do Ministério da Saúde, a Comissão de Biossegurança em Saúde, que tem como objetivo definir estratégias de atuação, avaliação e acompanhamento das ações de biossegurança, assim como efetivar a articulação de áreas afins ao tema.
Para os riscos inerentes a agentes biológicos, definidos por um elenco de indicadores, a Comissão de Biossegurança em Saúde adotou a estratificação em quatro níveis, de acordo com o potencial de risco à saúde da população. Daremos ênfase para o risco 4, que compreen-de agentes biológicos que oferecem alto risco individual ou coletivo, alta transmissibilidade (respiratória ou desconhecida) e que causam doença humana, quase sempre sem disponibilidade de tratamento específico, portanto de alta letalidade. Dentro deste contexto, enquadra-se o SAR-S-Cov2, responsável pela atual pandemia no mundo.
Lutar contra o desconhecido é sempre um enfrentamento desigual, exige habilidade, observação, produção de conhecimento e, acima de tudo, muita prudência na definição de estratégias e ações direcionadas ao seu controle ou eliminação.
O novo corona vírus chegou surpreendendo o mundo, trazendo em sua bagagem, características desafiadoras como: modo de transmissão de alta eficiência no que tange a taminação de pessoas, alta virulência para a determinação de quadros graves e óbitos, a não responsividade a drogas atualmente utilizadas contra agentes virais e, o mais importante, ter o homem como reservatório e fonte de infecção, possibilitando-o circular livremente em alta velocidade e eficiência, frente a uma popula-ção altamente susceptível a infecção.
Após seis meses de convivência com esse novo vírus, a produção do conhecimento, apesar dos esforços, não foi suficiente para alcançarmos um enfrentamento mais efetivo. Pra-ticamente nos mantemos na defensiva, sem sair para o ataque por falta de armas eficientes.
Falar em biossegurança no contexto da Covid-19 é reunir o conhecimento atual para o estabelecimento de estratégias e ações que possam minimizar os riscos em determinada população e/ou espaço geográfico. Com a epidemia em curso, a primeira pergunta que nos vem à mente é: qual é o nosso atual cenário em relação à susceptibilidade à infecção da nossa população enquanto indicador de vulnerabilidade? Novamente emerge a incerteza decorrente do dinamismo da infecção, da baixa testagem, baixa representatividade da notificação de casos, bem como de dados sobre internações e óbitos de casos confirmados. Ademais, ainda não dispomos de resposta concreta sobre o grau de imunidade deixado pela infecção/doença.
O conhecimento de algumas características do novo corona vírus, como sua transmissibilidade, patogenicidade, infectividade, virulência e sua resistência ao meio ambiente, nos traz subsídios para interferirmos na cadeia de transmissão e no processo evolutivo da doença.
Portanto, à luz do conhecimento atual, nossas armas devem estar voltadas para ações direcionadas ao impedimento do contato efetivo entre o vírus e o homem susceptível, caracterizadas pelo uso de máscaras e/ou protetores faciais, intensificação da limpeza e higienização de superfícies e ambientes, intensificação de hábitos de higiene pessoal como lavar as mãos com técnica e frequência e utilização do álcool a 70%. Dentre as medidas coletivas, contamos com o distanciamento social e isolamento de casos suspeitos. Deve-se manter a atenção especial aos grupos de maior risco, representados pelos indivíduos com 60 anos de idade ou mais, os portadores de doenças crônicas, obesos, mulheres grávidas, entre outros.
O estabelecimento e o grau de exigência na aplicação dessas medidas deverão ser proporcionais a avaliação do risco definido em ambientes ou populações expostas à infecção. Portanto, é importante que tenhamos noção da variação do risco em diferentes contextos, definindo-se estratégias e ações que possam ser mais efetivas. Fa-tores e influências externas também devem ser levados em consideração como a capacidade local na atenção à saúde direcionada à Covid-19, percentual de leitos de retaguarda e, principalmente, percentual de ocupação de leitos de terapia intensiva.
Não menos importante, no processo de construção de um Plano de Biossegurança, é estabelecer um sistema de monitoramento da ocorrência de casos suspeitos na população alvo, compreendendo a detecção precoce, definindo fluxos para encaminhamentos, realizando acompanhamentos individuais e coletivos. A socialização de informações técnicas sobre a dinâmica de transmissão da doença, evolução, predição e sinalização de eventos são elementos fundamentais para uma firme adesão da comunidade alvo.
Por fim, é importante e mandatório que cada instituição, unidades e serviços, elaborem o seu plano de biossegurança visando o retorno parcial ou universal de suas atividades, buscando desta forma minimizar os riscos até que tenhamos medidas mais efetivas de prevenção como a imunização da população através da vacina.
*Bernardino é médico infectologista, professor da Ufam, pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado e presidente do Comitê de Enfrentamento do corona vírus na Ufam.
Imagem: Getty Images/Reprodução
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