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  06/07/2020 - por Paulo Berti



Retomada econômica durante a pandemia da Covid-19



A medida de combate a pandemia a partir do relaxamento do distanciamento social para a “retoma” da economia está sendo posta como uma urgência. No sentido de avaliar essa questão em perspectiva faço uso do “World Economic Outlook” de junho do FMI e do Boletim de Informações da Fipe do mês de junho a respeito do Nível de Atividade da economia brasileira.

 

Segundo o FMI o “crescimento global” será de -4,9% para o ano de 2020. É importante apontar que houve uma revisão para baixo de 1,9% na previsão feita em abril pela mesma instituição. O “Outlook”, ao longo de todo o documento, toma como base a seguinte declaração “A comunidade global deve agir agora para evitar essa catástrofe (a pandemia) por meio da manutenção de estoques globais de suprimentos essenciais e equipamentos de proteção, financiamento de pesquisas e apoio aos sistemas públicos de saúde, e ajustar de modo efetivo as modalidades de alívio e apoio aos que mais precisam. (pg 1).” É reconhecido no documento que os gastos públicos devem aumentar e que o déficit público vai aumentar em relação ao PIB. Os efeitos inflacionários de curto prazo são rechaçados na medida em que a média de inflação entre os países desenvolvidos caiu de 1,3% para 0,4% e de 5,4%para 4,2% entre os emergentes. A relação dívida pública e PIB vai aumentar, mas efeitos muito mais dramáticos de curto prazo serão evitados.

 

De acordo com o documento são apontadas duas estratégias básicas de combate à transmissão do COVID-19: a) distanciamento social e políticas de apoio econômico e financeiro para trabalhadores e empresas; b) aplicação de testes em massa, localizar infectados e traçar o trajeto do contágio e promover isolamentos específicos. Os países fazem essas políticas, ou uma combinação delas, ou ainda nenhuma delas. Me pergunto qual delas o Brasil está adotando.

 

Do ponto de vista do FMI as incertezas com relação à retomada da atividade econômica podem ser resumidas em 8 pontos principais:

 

1) A extensão do tempo da pandemia e os lockdowns necessários para restringir a continuidade de sua expansão.

2) O distanciamento social voluntário que afeta os gastos em consumo.

3) As possibilidades de trabalhadores desempregados conseguirem novos empregos.

4) O medo de trabalhadores e firmas ainda em funcionamento para o retorno das condições normais de operações pré-pandemia.

5) O impacto das mudanças no ambiente de trabalho no sentido de garantir a segurança sanitária.

6) Reconfiguração das cadeias produtivas globais de suprimentos que afetam a produtividade das empresas de modo a aumentar a sua resistência diante de disjunções de suprimentos.

7) O problema da extensão do transbordeamento das fronteiras, demanda externa fraca assim como dificuldade de financiamento externo.

8) O problema de ajustes de valoração de ativos desconectados da atividade econômica atual.

 

Esse nível de incerteza projeta, segundo o FMI, pela primeira vez a expectativa de experimentar “crescimento negativo” em todas as regiões. No entanto, para 2020 a China ainda vai experimentar um crescimento positivo de 1%.

 

Para os países emergentes, a redução do PIB parece ser menos dramática, não tanto para o Brasil e o México, como podemos ver na tabela abaixo:

 

O FMI aponta também que países que dependem do comércio global para manter suas economias, como o turismo, estão sujeitos a uma retração da ordem de 11,9%.

 

Os aspectos relacionados aos trabalhadores, como por exemplo o elevado nível de informalidade nos países emergentes e pobres, é uma constante em todo o documento. A consciência que o mercado de trabalho é segmentado, que os trabalhadores menos especializados são os primeiros a serem despedidos e os que têm mais dificuldades de conseguirem novos postos de trabalho. O documento aponta que as pequenas e médias empresas são as que mais empregam e as que maior dificuldade tem para sobreviver à pandemia. Em resposta a todas essas questões, o FMI propõe o Estado e os governos como articuladores. Não podemos esquecer os “estabilizadores automáticos” da macroeconomia, ou seja, o seguro desemprego, a previdência social, o bolsa família, o FGTS, a tributação progressiva que são apontados como elementos essenciais para reduzir o impacto da pandemia. Não surpreende a retomada da discussão do programa de renda mínima em todo o mundo.

 

E o Brasil? O Boletim de Informações da Fipe do mês de junho, de Vera Martins da Silva, mostra de modo organizado os dados mais recentes do nível de atividade do Brasil liberados pelo IBGE. De início podemos dizer o seguinte, a projeção do crescimento econômico sem a pandemia estava estimado em 1,0% até 1,5%. Com a pandemia, podemos apontar que o primeiro trimestre de 2020 teve uma queda de 1,5% em comparação com o mesmo período de 2019. De acordo com o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, tivemos queda de 5,9% entre fevereiro e março desse ano. Para que a gente possa ter uma ideia no efeito das finanças públicas, a arrecadação de ICMS das regiões Sul e Sudeste teve uma perda de receita entre janeiro e maio de 2020 da ordem de R$ 8 bilhões em relação ao mesmo período de 2019.

 

No caso do Amazonas, e de Manaus em particular, a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE é especialmente importante porque figura como o Estado que teve a maior retração da atividade industrial em todo o Brasil no último mês, como podemos ver na tabela abaixo:

 

Verificamos que para o Brasil como um todo entre março e abril tivemos uma queda de 18,8%. No acumulado de janeiro até abril de 2020 em comparação com o mesmo período do ano anterior tivemos uma queda de 8,2% e se considerarmos o acumulado de 12 meses temos uma queda de 2,9%. No entanto, os setores mais atingidos pela pandemia são os serviços, em especial o comércio. A queda do comércio varejista do mês de abril em relação a março foi de 16,8%. A mais acentuada queda da série histórica do IBGE. O curioso é que quando comparamos com o mesmo período do ano passado a queda foi de “apenas” 3%.

 

E como fica o trabalhador? Na pesquisa PNAD COVID-19 do IBGE, com o apoio do Ministério da Saúde, chegamos aos seguintes resultados até a última semana de maio:

 

 

a) São estimados 10,9 milhões de desocupados que procuram trabalho e não encontram.

b) 17,7 milhões de pessoas não conseguiram procurar trabalho por causa da pandemia.

c) O que implica em 28,6 milhões de pessoas sem trabalho.

d) 29,1 milhões de pessoas estão na informalidade.

 

E aqueles que se declararam ocupados? Assim segue a ladainha:

 

a) São estimados que 84,4 milhões estão ocupados.

b) Destes, 17,6 milhões estão afastados do trabalho.

c) 14,6 milhões em quarentena ou férias coletivas (17,3%).

d) 8,8 milhões em trabalho remoto (10,4%).

e) O que significa 43,4 milhões estão em atividade (51,4%).

 

Se essas informações estão corretas e as considerações do FMI são válidas, podemos considerar que a recuperação econômica depende muito mais de uma articulação e planejamento econômico com gastos governamentais do que uma retomada da “normalidade” dos negócios como o próprio FMI aponta. Não se trata apenas de abrir as portas. Sem contar que a estratégia de combate à pandemia nunca ficou clara. E como podemos perceber com os dados acima do mercado de trabalho a política do isolamento social não pode ser acompanhada por todos os trabalhadores o que significa que os níveis de incerteza quanto à permanência da pandemia ainda são muito altos.

 

*Paulo Berti é doutor em teoria econômica pela Unicamp e professor do Departamento de Economia e Análise (DEA) da Ufam.







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