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  20/03/2020 - por Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz



Uma perspectiva matemática




Nós ouvimos bastante a afirmação de que 80% das pessoas infectadas se sairão bem e que só uma pequena porcentagem (em torno de 2%) precisará de hospitalização. As estastísticas mostram isso de fato, o que pode parecer relativamente tranquilizador. Mas a aparente inocência desta afirmação esconde uma realidade que pode se tornar bem mais nefasta.

 

A esta conclusão podemos chegar com simples simulações matemáticas. A propagação de doenças infecciosas é um fenômeno que pode ser analisado com métodos matemáticos. Com as observações disponíveis sobre a epidemia podemos ter uma idéia bastante razoável do que ocorrerá nas próximas semanas, subsidiando a tomada de decisões pelos gestores neste momento de crise.

 

Os cálculos que seguem são bem básicos e fáceis de acompanhar. Simplificamos e arredondamos alguns parâmetros para fins didáticos e de clareza.

 

Supomos que a COVID-19 possui as seguintes características sobre o público suscetível: 80% terão sintomas mínimos, 20% precisarão de atendimento médico, 2% de hospitalização em leito de UTI com ventilador (intubação) e 1% chegam a óbito [1], [2].

 

As evidências mostram que os casos de infectados por este novo coronavírus dobram a cada 6 dias [3], se as providências tomadas são insuficientes. Isto é, se hoje há um caso, em 6 dias haverá 2, em 12 dias haverá 4, em 18 dias haverá 8 casos etc.

 

Ora, sexta-feira, dia 13/03/2020 foi confirmado o primeiro caso em Manaus. Porém existem estimativas que haja para cada caso confirmado, aproximadamente 9 casos que permanecem ocultos. Isto é, sexta-feira, dia 13/03, provavelmente já havia 10 casos em Manaus. Se as medidas destinadas ao controle forem insuficientes, os casos podem dobrar a cada 6 dias. Podemos calcular que em 66 dias teremos então 20.480 casos e em 72 dias, 40.960 casos.

 

Vamos olhar mais de perto o que acontece entre o dia 66 e o dia 72: Nestes 6 dias haverá 20.480 = 40.960 - 20.480 novos casos! Destes casos, 2% (410 casos) precisarão de hospitalização em leito de UTI. Em Manaus há 271 leitos de UTI disponíveis [4]. Portanto, não haverá leitos suficientes para os pacientes que chegarão neste intervalo de 6 dias (claro que a situação é ainda pior, pois alguns leitos já estarão ocupados por outros pacientes da COVID-19 que ingressaram nessas dependências ao longo das semanas anteriores e as estadias em UTI tendem a ser longas [5]). Fazendo uma analogia, não haverá paraquedas suficientes para todos os passageiros em um avião que está caindo. Os médicos terão que decidir quem ocupará os leitos de UTI disponíveis, isto é, eles terão que decidir quem viverá e quem morrerá. Isso é uma perspectiva assustadora.

 

Ademais, o que acontecerá depois do dia 72? Poucos dias depois podemos precisar de muito mais leitos de UTI ainda (mais que 1.000 leitos). Em uma cidade com mais do que 2 milhões de habitantes, onde provavelmente quase todos estarão suscetíveis a esta infecção, o número de infectados poderá crescer ainda bastante, antes de começar a diminuir.

 

Infelizmente a falta de leitos em UTI já é uma realidade na Itália [6]. Não sabemos com serão os desdobramentos aqui na nossa cidade. Poderá ser pior ou poderá ser melhor. Existem variáveis locais que poderiam interferir nessa dinâmica; por exemplo, a temperatura média de Manaus é maior que a da Itália. Mas não temos evidências claras quanto isso realmente dificulta a propagação. Além disso, existem outras diferenças: a população do Amazonas é mais jovem que a da Itália. Mas isso não garante a suficiência da capacidade de leitos existentes em UTIs em Manaus.

 

Para diminuir as chances de um desfecho tão assustador, sugere-se que medidas urgentes sejam tomadas por toda a população.

 

Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz

 

Manaus, 18/03/2020

 

* Este texto possui muitas simplificações para fins didáticos.

Última atualização: 19/03/2020 às 15:23 horário de Manaus

[1] https://www.the-scientist.com/news-opinion/modelers-struggle-to-predict-the-future-of-the-covid-19-pandemic-67261

[2] https://www.epicentro.iss.it/coronavirus/bollettino/Infografica_16marzo%20ITA.pdf

[3] https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30260-9/fulltext

[4] http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_Ind_Tipo_Leito.asp?VEstado=13&VMun=130260

[5] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8404197

[6] https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/03/17/interna_internacional,1129623/coronavirus-na-italia-vitimas-acima-de-80-anos-serao-deixadas-morrer.shtml

 

Publicado orginalmente em http://dmice.ufam.edu.br/

 

**Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz é graduado em Matemática pela Universidade de Oxford no Reino Unido, mestre e doutor em Matemática pela Universidade de Paris-Sud (Orsay) e professor do Departamento de Matemática da Ufam.







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