Sabem os médicos, e o sabem por terem frequentado uma escola superior, que do diagnóstico depende muito do seu êxito profissional. Aprenderam que o entendimento do mal que afeta o paciente determina a conduta destinada a vencer a enfermidade. Esse mesmo fundamento e raciocínio deve ser objeto da atenção de outros estudiosos, seja qual for o ramo do conhecimento a que se dediquem.
Parecem-me desatentos os que identificam loucura ou ignorância como variáveis cultuadas pelos atuais governantes do País. Assim, o besteirol produzido pelo sinistro da Educação seria resultado de sua insanidade ou apenas da ignorância ostensiva revelada sempre que tenta tratar de algum dos assuntos postos sob sua guarda. Entendo, porém, que a aparente loucura e a ignorância mais crassa estão postas a serviço de uma causa suficientemente absorvida e compartilhada por Abraham Weintraub e seus pares – e superiores.
Nenhum dos que nos governam é louco. Tanto é, que sabem quais armas usar para chegar aos objetivos que os animam há décadas. Muito menos ignoram quais as decisões a serem tomadas, se desejam de fato pôr em prática o que é fruto de seu desejo, coincida este ou não com a satisfação das necessidades e a realização das aspirações da maioria dos brasileiros.
Todos os que se instalaram no Palácio do Planalto ou vivem à sombra dele são muito conscientes de seus objetivos. Conhecem-nos muito bem e farão tudo o que estiver ao seu alcance, para concretizá-los. Outra coisa é o conhecimento da realidade com que lidam e a compreensão das exigências dos cargos que ocupam.
O risco maior da atribuição de loucura ou ignorância pura e simples dos governantes é a consequência imediata desse juízo. Dos loucos não se pode cobrar qualquer racionalidade. Daí vem a obrigação de os considerarmos inimputáveis, seja o crime que cometam ou tenham cometido. Do ignorante não se pode pedir mais que se interesse por manter-se informado.
Dos governantes deve-se, ao contrário, não pedir o que quer que seja, mas exigir comportamento voltado para o interesse da sociedade. As decisões devem corresponder àquilo que os cidadãos entendem como desejável, não ao que parece agradar às próprias autoridades dirigentes ou aos grupos a que se vinculam.
Temos assistido, desde 01 de janeiro de 2019, a uma tragicomédia diariamente protagonizada pelos principais atores da cena política nacional. Nesse caso, os aspectos cômicos residem na conduta esdrúxula de muitos dos ocupantes de cadeiras no Planalto. Quando o sinistro da Educação profere reiteradas agressões à língua portuguesa, ou quando o próprio Presidente da República revela nível de compreensão inferior ao que os estudantes brasileiros registram nos exames do PISA, é como se estivéssemos diante de comediantes privilegiados. As consequências de suas palavras e decisões, todavia, promovem a infelicidade de milhões de brasileiros. Não falo, óbvio, dos que festejam a tragédia alheia, sempre motivo de riso para eles, hienas bem nutridas e satisfeitas.
As promessas e medidas tomadas ou anunciadas no setor da educação, se não chegam a constituir um programa de governo para o setor, contêm em si mesmas, por mais desconectadas que estejam, sérias ameaças às futuras gerações.
Muito do que se conquistou começa a ser destruído. Ao mesmo tempo em que é buscada a todo custo a submissão da escola superior pública aos interesses do mercado - e somente dele -, renuncia-se ao direito de produzir ciência e tecnologia nacionais. É bem o caso do chamado Future-se, mais bem denominado se o chamássemos Frustre-se. Ou Fature-se, para outros.
Trabalho de profissionais, tal conjunto de medidas simplesmente desmontará as universidades públicas, não apenas pela venda de ativos dos campi universitários. Se esse é aspecto revelador da gravidade da decisão, não é menor o desvio dos professores para a arena onde os interesses privados dão as cartas. Propositalmente mal pagos, desatendidas as suas necessidades profissionais (equipamentos, laboratórios, instalações, tecnologia etc.), ficarão eles à mercê de propostas cujo objetivo é apenas o de multiplicar lucros e tornar ainda mais ricos os que ricos já são.
Veremos, então, mais que hoje, aumentar a frequência aos campi de pessoas desinteressadas na educação, porque aos seus olhos não agradam as letras inexistentes nos livros diário, caixa e razão.
Será a consumação da preponderância do negócio sobre a educação, da forma mais indigna e oprobriosa.
Não é outra a razão para substituir reitores sem respeito à manifestação da comunidade acadêmica respectiva. Diferentemente do que alguns incautos admitem, não é a ignorância sobre a legitimidade e a sabedoria em levar à direção da Universidade pessoas escolhidas pelos comunitários que motiva a transformação de reitores em meros delegados. O que incomoda os governantes e os faz contrariar os acadêmicos (professores, alunos e servidores) é a liberdade mantida no ambiente universitário.
Em certo sentido, isso tem muito a ver com a proposta de escola sem partido. Primeiro, porque homem nenhum um dia será imparcial. Tomar parte e tomar partido, seja lá em que for, é próprio e indissociável do ser humano. Não obstante sua própria natureza parcial, o homem pode ser isento.
Essa diferença entre isenção e imparcialidade talvez seja ignorada por alguns, desde que um dia não tenham sido apresentados a Descartes, o fundador da ciência moderna. Há métodos científicos, desde que o pensador francês escreveu seu discurso. É com o uso do método que a paixão própria dos homens pode ser amenizada, se não removida.
Ponha-se método científico na pesquisa e verdades antecipadas ruem, desde que haja honestidade intelectual. A hipótese sendo rejeitada pelo conhecimento.
Ao contrário do que pensam (?) Weintraub e sua turma, a escola é onde a presença do partido, do interesse difuso, das preferências individuais afinal, deve ser exigida. Porque é lá o melhor ambiente para a discussão metódica, a abordagem sistemática, a aproximação com a verdade. Sabendo-se sempre ser qualquer verdade sujeita à veracidade/legitimidade provisória.
Basta, para exemplificar, lembrar que alguns alimentos antes foram considerados nocivos aos seres humanos, para algum tempo depois serem considerados a panaceia que tudo curará. Não fosse o avanço da ciência...
As autoridades da (des)educação falam em educação conectada, aparentando apostar mais nas máquinas que no homem, transformando o que deveria ser mero instrumento em ponto fundamental do processo educacional. Seria maluco quem dispensasse os instrumentos de que dispõe a tecnologia eletrônica para tornar o processo educativo mais abrangente e inclusivo. Isso não quer dizer, todavia, que computadores em toda sala de aula e conexão com a internet em todo lugar supririam todas as necessidades do alunado. E dos professores - por que não?
Na sala de aula é estabelecido o diálogo do qual se nutre a educação, a não ser que se pretenda devolvê-la aos tempos em que a considerávamos apenas instrução.
Num certo sentido, é a isso que remete o pretendido Programa Nacional de Escolas Cívicas e Militares. Menos por preconceito que pela inadequação das práticas exitosas na caserna, ou pelas peculiaridades nas relações entre alunos/professores, vis-a-vis as que se estabelecem entre oficiais e subordinados.
Tenderá a baixar o rendimento qualquer escola que paute a conduta dos alunos e professores pelas mesmas regras que ditam o comportamento de oficiais e soldados. No ambiente castrense, a hierarquia é a pedra de toque; a criatividade é exigível na escola civil. Além do que, civismo não é prestar continência à bandeira, entoar melodiosamente os hinos de exaltação da pátria ou marchar de passo certo. É, sobretudo, cultuar os valores da civilidade, que em seu conjunto correspondem ao que conhecemos por civilização. Esta, como se sabe, precisa muito mais de educação e criatividade que de hierarquia e disciplina. O lugar destas é, com vantagens para todos, o quartel.
É da democracia o hábito (será mau?) de promover o mais amplo debate, sempre que um assunto de interesse público vem à tona. Também é exigência do sistema que Churchill considerava o pior, salvo todos os demais, estimular a discussão, tolerar adversidades e adversários, decidir segundo o deseja o distinto público.
Por que não se faz assim?
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