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  24/08/2021


"Estão matando o que resta das raízes brasileiras", afirma indigenista



 

 

Sucessivos ataques físicos a Terras Indígenas (TIs), movidos a incêndios e balas, e no campo jurídico a tentativa de aprovação de leis que permitirão o início de mais um genocídio indígena. Essa é a atual realidade dos povos originários brasileiros, que precisaram intensificar a resistência secular com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, aliado declarado de garimpeiros, madeireiros e ruralistas e um dos principais responsáveis por esse criminoso cenário.

 

Sobre essa conjuntura de feroz perseguição aos povos indígenas, a ADUA entrevistou o coordenador geral da Associação Serviço e Cooperação com Povo Yanomami (Secoya), Silvio Cavuscens. O indigenista falou também sobre o avanço da exploração do meio ambiente em TIs, pauta defendida pelo governo federal, e a negligência de assistência aos povos indígenas durante a pandemia da covid-19. Confira!

 

ADUA: A história dos povos indígenas brasileiros sempre foi sinônimo de luta e resistência, mas, com a chegada da extrema direita ao poder no Brasil, os ataques aos povos indígenas se tornaram mais intensos e constantes. Quais têm sido, de maneira geral, os principais impactos e consequências para essa população destes anos de governo Bolsonaro e de pandemia?

 

Silvio: Bolsonaro nunca escondeu qual era o seu projeto de poder. Foi eleito porque soube captar o ódio de setores da sociedade ao pobre, ao diferente, à diversidade, à pluralidade étnica. Isso é negar o Brasil, é negar quem somos em nome do capital. Esse pensamento é fruto de um individualismo presente na lógica neoliberal que retira o poder de decisão da coletividade e baseia as relações em consumo, onde cada um pensa em si e o outro passa a ser objeto que deve corresponder às minhas expectativas. Dessa forma, vemos a escalada programática de retirada de direitos, de discursos que fomentam o ódio e a agressão aos povos originários, que representam tudo o que é contrário a essa lógica, à lógica de exploração dos recursos naturais, representam um entrave à ideia que se tem de progresso. Em uma democracia enfraquecida, onde as instituições falham, fica mais fácil orquestrar esse desmonte, casos específicos da Funai e da Sesai. Os principais aspectos desse modus operandi ficaram evidenciados com a chegada do coronavírus nas aldeias, levado justamente por equipes de saúde que deveriam protegê-los. Não houve um protocolo, um planejamento, uma ação coordenada por parte do Ministério da Saúde. Dessa forma, os profissionais entraram sem cumprimento de quarentena, sem realização de testes, sem orientação de uma política de combate à covid-19. E essa situação transcorreu ao longo de todo o ano de 2020, praticamente. Não podemos nem dizer que ainda não ocorra. Se não há uma ordenação das regras, não há fiscalização, não há o que cobrar. Em um contexto em que também há sucateamento, falta de profissionais, de reciclagem, isso só acentua problemas que já eram característicos como a falta de compromisso e de entendimento de profissionais acerca do atendimento e acompanhamento humanizado de uma cultura diferente, falta de insumos, de controle e de dados. A situação da malária e da desnutrição infantil, por exemplo, entre o povo Yanomami, nunca esteve pior e isto porque já enfrentamos uma calamidade em termos de mortalidade nas décadas de 1980 e 1990. Perdemos as mais importantes lideranças de vários povos como Aruká Juma, o último de seu povo; Amado Menezes, entre os Sateré; Aritana Yawalapiti e Paulinho Paiakan. Hoje, os povos indígenas estão cercados fisicamente dentro de suas aldeias; juridicamente com a negação de seus direitos constitucionais, e politicamente por serem minoria no Congresso, onde reina a Bancada da Bala.

 

A defesa do próprio governo federal em relação à exploração de Terras Indígenas (TIs) e o descaso com as leis ambientais têm propiciado o avanço dos ataques de garimpeiros, madeireiros e grileiros sobre os indígenas, como o recente incêndio em uma aldeia Munduruku e a destruição da sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũnno, no Pará. Além desse caso, quais povos e em que regiões tem se registrado agressões como essas e de que forma as populações indígenas têm buscado proteção para sobreviver a essas perseguições?

 

 

Todas as terras indígenas hoje correm perigo. Alguns casos são mais explícitos e completamente absurdos, a exemplo da comunidade Yanomami Palimi ú, em Roraima, onde garimpeiros ligados a uma facção criminosa vêm atacando diariamente, à base de tiros, indígenas, mulheres, crianças, sem qualquer receio da lei, até porque ela não existe. A proteção e o socorro pedido pelos indígenas demoraram a chegar, não ficaram tempo suficiente, e os ataques continuam. Estão relegados à própria sorte. Temos conhecimento ainda de ameaças à TI dos Uru-Eu-Wau-Wau que culminaram, em abril de 2020, com o assassinato de um indígena do grupo de vigilância; registro das mortes em sequência entre os Guajajara, no Maranhão, inclusive com caso de esquartejamento; e tem ainda o caso histórico emblemático dos Guarani e Kaiowá que vêm sofrendo ofensivas ao longo dos anos de seguranças de fazendeiros na região de Mato Grosso do Sul, apenas para citar alguns. O último relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta um aumento de 150% nos registros de violências diversas contra os povos indígenas no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Além disso, a omissão do poder público na garantia dos direitos desses povos resultou aumento de casos de suicídio e mortalidade infantil nas aldeias: foram 133 suicídios em todo o país em 2019, 32 a mais que os casos registrados em 2018, e os estados do Amazonas (59) e Mato Grosso do Sul (34) foram os que tiveram mais ocorrências. Estamos todos em perigo, estão matando o que resta das raízes brasileiras. Veja agora o que está em jogo: a legalização de um crime. O Projeto de Lei nº 490/2007, que propõe o fim das demarcações bem como a anulação da ampliação das que já foram demarcadas, abrindo vários precedentes, entre eles, a facilitação da exploração, do desmatamento e da flexibilização de contato com povos isolados. É uma bandeira ruralista, uma medida inconstitucional representando um novo genocídio aos povos indígenas.

 

Em relação à covid-19, os povos indígenas têm enfrentado não apenas o descaso dos governos com a falta de assistência sanitária, mas também ações como a ida de uma comitiva interministerial, em 2020, a uma aldeia Yanomami em plena pandemia, expondo a população, que deveria ficar isolada, ao contágio. Quais estratégias práticas as entidades indigenistas têm adotado para denunciar estes episódios e evitar a sua invisibilidade?

 

 

Cada organização tem sua forma de fazer ecoar o pedido de socorro dos povos originários. Nós, da Secoya, trabalhamos muito com grupos de apoio internacionais que conseguem fazer com que as notícias que mandamos cheguem até veículos de comunicação impressos, on-line e radiofônicos, tornando públicas as atrocidades cometidas. Além disso, esses grupos circulam boletins de informação próprios regularmente a partir do que reportamos daqui. A situação em 2020 escancarou tanto todas as omissões e violências que tivemos a presença de uma equipe da TV suíça. Isso ajuda a traduzir a importância da solidariedade do Norte Global para com os povos tradicionais do Sul.

 

Em termos de vacinação, como pode ser avaliada a atual situação de imunização dessa população? A diferenciação dada pelo governo entre os indígenas que vivem dentro e fora das aldeias tem impactado nesse processo?

 

Isso faz parte da estratégia de invisibilização dos povos indígenas. Não existe meio indígena ou indígena fora da cidade. A dinâmica hoje envolve temporadas na cidade, para aqueles que estudam, desenvolvem alguma atividade ou que já têm parentes ou mesmo se estabeleceram nos centros urbanos, mas que retornam para suas terras ou que as visitam com alguma frequência. Ser índio não vem do lugar que habita e sim do sangue, está na cultura, na crença e na autodenominação. O Brasil respalda a diversidade cultural e étnica em sua Constituição, bem como o direito de ir e vir, de cada um poder escolher como e onde habitar, independente de raça, cor e origem. A vacinação nos territórios caminhou bem, considerando a experiência dos profissionais nessa área, onde a influência de missionários protestantes não chegou ou é fraca. Em muitas comunidades, a vacinação foi prejudicada por fake news espalhadas entre indígenas a respeito das consequências da vacina, da mesma forma como acontece entre os brancos.

 

Frequentemente estão sendo divulgadas campanhas de solidariedade de arrecadação de alimentos e materiais para auxílio no combate à pandemia nas aldeias. Essas têm sido as principais fontes de recursos financeiros dos povos indígenas neste momento? De que outras maneiras essa população tem conseguido sobreviver e como a sociedade pode ajudar?

 

As atividades de sobrevivência durante a pandemia partiram da organização em rede dos próprios indígenas. Temos muito o que aprender com eles. Segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em 2020, a Funai gastou apenas 52% dos recursos destinados ao enfrentamento do novo coronavírus entre povos indígenas. Além disso, gastos com o programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”, que deveria ser intensificado durante a pandemia, teve a execução de apenas 46% do orçamento ano passado. Não fosse a organização de luta histórica do movimento indígena, por meio de suas associações, aliado ao apoio indigenista, esta tragédia poderia ter sido maior. Existem iniciativas da Apib e da própria Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), bem como de organizações indigenistas como a Secoya. Nós desenvolvemos um trabalho de fortalecimento da governança Yanomami, em Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, para que façam frente na luta por seus direitos junto ao sistema dos brancos. Quem quiser contribuir, temos uma associação constituída somente para recebimento e gestão desses recursos desenvolvidos pelos programas da Secoya: a Associação de Assessoria aos Povos da Floresta (Aflora), que recebe contribuições pela conta 34.261-0 do Banco do Brasil, agência: 3378-2. 

 

*Silvio Cavuscens é sociólogo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM); indigenista e coordenador-geral da Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya)

 

Fotos: Apib/Divulgação



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