A Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN divulgou, no último dia 2, análise sobre a Portaria nº. 1.030, de 1º de dezembro de 2020, que trata do retorno às atividades universitárias presenciais. O documento aponta os aspectos constitucionais e as limitações jurídicas à aplicabilidade da medida.
Para a AJN, a norma é passível de questionamento judicial tanto em seus aspectos de legalidade quanto de constitucionalidade. Mas, segundo a assessoria, mostra-se interessante aguardar o comportamento do Ministério da Educação (MEC) às reações das instituições federais de ensino, que rejeitaram a adesão aos termos da Portaria, e a manifestação pública do ministro no sentido da revogação da Portaria (1).
“Ainda que se mantenha em vigor, contudo, observa-se que a estratégia mais adequada para o combate do seu teor, a princípio, se daria a partir do enfrentamento específico de eventuais atos de cada instituição de ensino superior que aponte para o retorno presencial, tendo em vista as irregularidades apontadas e, ainda, efetiva violação dos direitos dos docentes que seriam desarrazoadamente expostos a um elevado risco de saúde”, analisa.
Aplicabilidade
De acordo com a AJN, a portaria nasce com a aplicabilidade praticamente nula, porque, ao buscar apontar uma obrigatoriedade quanto à decisão de retorno às aulas presenciais e de uso do ensino remoto de forma excepcional a partir de 4 de janeiro de 2021, fere diretamente a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição Federal.
“Descabe ao Ministro da Educação [MEC], diante do teor do texto constitucional, a decisão acerca da gestão administrativa das universidades, especialmente num momento de grave crise sanitária, com altos índices de contágio ainda observados pelo coronavírus (...) a Portaria demonstra, além de uma tentativa de ultrapassar as disposições constitucionais, uma completa falta de conexão do MEC com a realidade enfrentada no país”, afirma a nota técnica.
Houve um aumento significativo do número de casos e mortes por Covid-19 no país. Conforme dados do jornal Folha de São Paulo (2), a pandemia se encontra em estágio acelerado em nove unidades da Federação, com estabilidade em 11 unidades e ritmo desacelerado em apenas sete delas. Números de 2 de dezembro dão conta de 38,2 mil novos casos nas últimas 24 horas, com, pelo menos, 526 mortes registradas neste período. Segundo a AJN, qualquer decisão pelo retorno presencial das aulas contribui com o agravamento da crise sanitária.
Lei nº. 13.979/20
Conforma a análise, há também ilegalidade no texto normativo em face da determinação do § 1º, do art. 3º, da Lei nº. 13.979/20. O artigo 3º determina que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: I – isolamento e II – quarentena”, e no § 1º, que essas medidas “poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.
A Lei nº. 13.979/20 traz, portanto, a restrição de contato presencial como as duas primeiras medidas mais importantes a serem tomadas para a contenção do contágio pelo coronavírus. A norma é expressa, ainda, ao determinar que a cessação dessas medidas somente poderá ocorrer com base em evidências científicas e análises de informações estratégicas em saúde sob risco de comprometimento da coletividade. “A Portaria nº. 1.030 não apresenta quaisquer evidências científicas ou informações estratégicas de saúde para fundamentar a decisão de retorno às aulas presenciais”, ressalta a AJN.
Constituição
A Portaria 1.030 também viola o disposto no art. 196, da CF, que dispõe: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
“A medida aponta justamente para uma política governamental capaz de aumentar o risco de doença, comprometendo todos os esforços realizados pelas instituições de ensino superior para garantir, a um só tempo, a saúde da comunidade acadêmica e as adaptações necessárias já realizadas para a continuidade das atividades. Se configura, portanto, como política contrária à determinação constitucional”, afirma a AJN.
1 https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/12/02/apos-recusa-de-universidades-mec-desiste-de-retorno-das-aulas-em-janeiro
2 https://arte.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/aceleracao-covid-no-brasil/
Leia a análise da portaria completa aqui
Foto: Ufam/Reprodução
Fonte: ADUA com informações do ANDES-SN
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