O Projeto de Lei (PL) 4306/12, que tornaria obrigatória a educação básica gratuita da pré-escola aos 17 anos, vem sendo analisado, em regime de prioridade, na Câmara dos Deputados. Segundo os defensores do texto, que provém da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê acesso universal unicamente ao ensino fundamental. Entretanto, o professor do Centro de Educação da Ufsm, Cláudio Dutra, explica que a obrigatoriedade do ensino básico universal, bem como outras medidas previstas pelo PL, já está contida em alguns documentos oficiais, como na própria Constituição Federal de 1988.
Para Dutra, os entusiastas desse projeto demonstram falta de conhecimento sobre a legislação educacional e, talvez, tentam criar um foco para desviar a atenção da população. “Pode-se citar a Constituição Federal de 88 que determina no seu artigo 208 ‘O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria’. Todas as propostas deste projeto de lei encontram-se detalhadas no projeto do ‘novo’ Plano Nacional de Educação (PNE), que aguarda aprovação há mais de dois anos”, explica o professor. Outra medida supostamente assegurada no PL é o acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria, o que inclui, por exemplo, adultos que não foram alfabetizados.
A garantia de acesso a programas suplementares de material-didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde também estaria prevista. Contudo, mais uma vez, Dutra cita um artigo da Constituição, no qual este direito já aparece contemplado. “Art. 212. [...]. § 4º. Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no Art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários”, aponta o docente.
Ainda na avaliação de Dutra, chegou o momento de se efetivarem, com mais rigor pelas instâncias competentes, as determinações constitucionais, já que o documento oficial é bastante claro. “Porque a CF/88 estabelece: Art. 208. [...]. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Art. 60 (ADCT). [...]. XI - o não-cumprimento do disposto nos incisos V e VII do caput deste artigo importará crime de responsabilidade da autoridade competente”, esclarece.
Atribuições da escola
Segundo o texto do PL, o poder público deve recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar e os jovens e adultos que não concluíram a educação básica. Além disso, a escola deve zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência às aulas daqueles que estiverem na faixa etária do ensino obrigatório. Uma vez mais, tal redação aparece praticamente idêntica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – 1996), conforme elucida Dutra: “Art. 5º. [...]. I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso; II - fazer-lhes a chamada pública; III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência a escola Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, exemplifica.
O educador analisa que, com o passar do tempo, a escola deixou de ter a responsabilidade educativa como foco principal, agregando outras funções de assistencialismo, enquanto a família transfere para a escola as suas atribuições sociais, culturais e educacionais. “Talvez um dos motivos desta mudança de comportamento familiar deva-se a sua baixa conscientização política e social, motivada pela ausência de uma educação de qualidade na sua formação como cidadão. O professor tem que ser responsável pela qualidade de suas aulas, bem como participar ativamente na elaboração, aplicação e revisão periódica do Projeto Político Pedagógico da Escola”, opina.
Tendo em vista todas essas medidas, que parecem estar sendo propostas nesse momento, mas apenas reescrevem direitos já previstos, seria necessário um maior investimento no setor da educação, o qual vem sofrendo com sucessivos cortes orçamentários. O professor critica a falta de transparência na aplicação de recursos financeiros da União, Estados, Distrito Federal e municípios, explicando que o discurso de falta de dinheiro é uma mentira tantas vezes repetida e que, com o passar dos tempos, acabamos acreditando em sua versão.
“Até a presente data (janeiro/2013), o Congresso Nacional não teve tempo e preocupação na votação de outro PNE, este que foi debatido com toda a sociedade brasileira e encaminhado ao Governo Federal em abril/2010”, constata o docente, que acredita que basta um olhar sobre os resultados alcançados nas avaliações nacionais a que são submetidas às escolas do ensino fundamental e médio para se constatar que a maioria ainda está distante de uma educação de qualidade, principalmente nos estabelecimentos localizados fora do perímetro urbano central.
“Sabemos que a população sem acesso a educação de qualidade, com certeza, terá enorme dificuldade de entender a sua realidade e de desenvolver a sua consciência política sobre o seu contexto social. Igualmente, penso que o conhecimento é a única riqueza que ninguém pode tirar de nós”, conclui o professor Cláudio Dutra.
Fonte: Sedufsm - Seção Sindical |