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Entrevista: Diretor do ICHL analisa aplicação do Reuni na Ufam



Entrevista completa com o diretor do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), Nelson Noronha, sobre as aplicações do Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (Reuni)  na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

1. Desde a criação do Reuni até agora, quais foram as principais mudanças motivadas por esse projeto na UFAM?


O REUNI foi crucial para a consolidação das Unidades acadêmicas criadas no interior do Estado do Amazonas. Quando a UFAM aderiu ao REUNI, o Conselho Universitário aprovou o REUNI, o Plano Diretor Físico (PDF III) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI / 2006 a 2015) da Ufam. A partir de 2007, esse tema ensejou a introdução de mudanças políticas e administrativas na UFAM que alteraram profundamente a forma de gestão da universidade.

O REUNI surgiu como uma grande promessa de expansão e modernização da Ufam. O PDF III, elaborado a partir do REUNI, projetou a construção de novos prédios para a abertura de bibliotecas, salas de aula, espaços administrativos e laboratórios no setor Sul e no setor Norte do Campus de Manaus, a construção do prédio do Museu Amazônico no Campus Universitário de Manaus, a edificação de prédios administrativos e de sala de aulas e laboratórios nos Campi do interior; a melhoria das instalações já implantadas, as redes de energia, água, telefone e internet.

O Plano de Desenvolvimento Institucional 2006-2015, seguindo as orientações do REUNI, propôs-se a definir para a Ufam uma estrutura organizacional para facilitar a gestão de pessoas e processos; definir matriz lotacional de docentes e técnicos em educação de forma a adequá-los quantitativamente às necessidades acadêmicas e a investir na qualificação de seu pessoal docente e técnico administrativo em educação, entre outras metas.
No que tange ao ensino, o PDI projetou a criação de 150 novas vagas anualmente, para os cursos de graduação no período entre 2006 a 2015. Para o período de 2008 a 2012, as vagas projetadas seriam de 3507 para alunos de graduação. Para a pós-graduação, o PDI propôs como meta a  criação de 100 vagas anuais, contando aí as vagas para os cursos de mestrado e doutorado.

No que tange à pesquisa, a proposta do PDI concentrou-se na meta de aumentar a produtividade científica, artística do técnica da instituição em 10% ao ano. Quanto à extensão, o Plano fixou a meta de ampliar em 100% o compromisso de parceria com o ensino e a pesquisa através dos programas institucionais já existentes.

Então, as mudanças deram-se, em primeiro lugar, no âmbito das diretrizes de trabalho no sentido de substituir os “processos tradicionais” de planejamento, gestão e execução de ações administrativas e acadêmicas por “processos modernos”, com vistas à racionalizar todas as fases do trabalho, diminuir custos e facilitar e execução dos fins da instituição.

No âmbito da infraestrutura, um número significativo de obras teve início, modificando substancialmente a paisagem dos Campi da UFAM. Realizaram-se concursos públicos para a contratação de professores de carreira, técnicos administrativos em educação; servidores contratados e estagiários. Ampliou-se a oferta de vagas para a graduação nos cursos antigos e com a criação de cursos novos.Novos programas de pós-graduação forma criados, ampliando em mais 100% a oferta de vagas para mestrado e doutorado.

2. Em sua opinião, entre essas mudanças, quais foram as maiores consequências negativas causadas pelo REUNI para a Universidade? Por quê?


Aprofundou-se a centralização das decisões; esvaziaram-se as decisões colegiadas; promoveram a eliminação dos Departamentos Acadêmicos como unidades administrativas; criaram duas formas de organização administrativa: uma para o interior e outra para a capital; criou-se uma instância de decisão anômala: o Comitê Gestor.

Tais mudanças tornaram possíveis tomadas de decisões à revelia da participação da comunidade universitária concernentes ao uso dos recursos financeiros, da execução de obras, gestão de pessoal. Por exemplo, o caso do Hospital Universitário Getúlio Vargas, que teve alterado o seu Regimento Interno sem que tenham sido feitas Audiências públicas para debater com a comunidade universitária e a sociedade.

Já estamos nos aproximando da etapa final da vigência do PDI 2006-2015 e muitas das promessas que ali foram feitas com base no REUNI não foram cumpridas. Os campi do interior encontram-se em situação precária, sem infraestrutura, professores e sem técnicos administrativos em educação suficientes para atender a todos os cursos. Aliás, hoje eles já estão sendo pressionados para ampliarem mais ainda o seu processo de expansão sem que tenham sido executadas as metas projetadas no REUNI. Não foi por acaso que a maioria  dos seus professores, técnicos e alunos apoiaram as greves docentes e de técnicos sem grandes restrições.

Não foram construídos, até agora, os prédios para as bibliotecas do Setor Norte e do Setor Sul do Campus de Manaus; ainda não foram concluídas as obras da área de convivência do setor Norte. Não há previsão para a inauguração do restaurante universitário.

A capacidade de trabalho dos docentes e técnicos da instituição atingiu seu limite. O que implica a impossibilidade de darmos conta de numerosos problemas de gestão, como a administração dos bens patrimoniais, o apoio às atividades de ensino, pesquisa e extensão - por falta de pessoal técnico qualificado -, a promoção de processos administrativos disciplinares e comissões de sindicância. Todos os semestres, muitas turmas permanecem sem professores, pois a carga horária de trabalho deles já está cheia e, em muitos, casos, já transbordou.

Um sintoma evidente desse fato foi o aumento do contingente de trabalhadores terceirizados em todos os setores da UFAM. Muitas perdas podem ser contabilizadas por conta desse processo. Entre elas, a deteriorização das instalações prediais, dos sistemas de fornecimento de água, eletricidade, telefone e internet dos Campi, Manaus, inclusive. O número de pessoas que passou a frequentar o Campus Universitário aumentou muito sem que se tenha ampliado as estruturas de alimentação, banheiros, áreas de convivência, segurança e transporte. A qualidade do trabalho acadêmico foi prejudicada, uma vez que docentes e técnicos administrativos foram sobrecarreados. Já se tornou comum formarem-se turmas com 50 alunos ou mais.

Talvez o maior prejuízo sobrevindo com o REUNI tenha sido a assimilação pela comunidade universitária do princípio da produtividade e da competição como diretrizes de suas atividades. Tornou-se evidente que o principal valor simbólico adotado entre os membros da comunidade acadêmica, entre nós, passou a ser a carteira contabilizando o número de turmas, número de orientandos, número de publicações, número de projetos de extensão, projetos aprovados pelo CNPq, CAPES ou FAPEAM.

Paralelamente a isso, esse espírito também promoveu a disputa pelo acesso a bolsas e a outras formas de complementação salarial mediante a adesão a programas paralelos de ensino, como o PARFOR e outros similares. A disseminação desse espírito tem contribuído seriamente para o desvanecimento da Autonomia  como valor fundamental da Universidade Pública.

Com ele, instalou-se um clima de competição entre as Unidades Acadêmicas e até mesmo entre os Departamentos e as Coordenações de curso. Por falta de recurso, briga-se por vaga para professor, por espaço físico, por pessoal técnico administrativo, por cargos comissionados, por bolsas, por estagiários, pela prioridade no atendimento dos serviços prestados pela Prefeitura do Campus Universitário, etc. O que abre espaço para a odiosa prática do favorecimento, da troca de favores e a formação de alianças inconfessáveis com fins eleitorais.

No mesmo sentido, a adoção da produtividade e da competição como princípios retira da ação universitária o exercício da crítica e a capacidade de resistir às políticas de desqualificação da universidade como instituição de promoção da cultura, do conhecimento e da cidadania. Em decorrência disso, consolida-se a prática da transformação da educação em mercadoria, passando a ser o diploma o indicativo de sua tangibilidade.
Enfraqueceu-se a capacidade política da UFAM frente aos órgãos governamentais responsáveis pelas políticas públicas de educação superior, pesquisa, extensão e saúde, uma vez que, ao adotar o REUNI, nossa instituição aceitou as diretrizes da política do governo federal sem restrição alguma e tornou-se refém dos compromissos ali firmados.

Para atestar isso, basta verificar que as medidas de expansão de vagas para a graduação continuam a ser adotadas, mesmo tendo sido cumpridas pela UFAM todas as metas projetadas no documento inicial do Programa. No mesmo sentido, veja-se a postura tomada pelo CONSAD frente à proposta de adoção da EBHCT.

Tais posturas indicam que, em nossos dias, entre nós, o critério do pragmatismo sobrepujou o da autonomia e o caráter público e gratuito da universidade. Parece que já se admite, sem maiores escrúpulos, que a cobrança de taxas pela prestação de serviços à sociedade e o pagamento de vantagens a uma parte dos membros da comunidade universitária, além das que constam em seus contracheques, serão aceitas como pertencentes à rotina da instituição.

3. Especificamente, no ICHL, quais foram as mudanças provocadas pelo REUNI? Qual a sua análise sobre essa alteração?

Embora o CONDEP do ICHL tenha se manifestado contra a adoção do REUNI, ele foi vencido nas instâncias superiores e, em decorrência disso, tivemos que assumir alguns compromissos no âmbito desse programa na UFAM. Entre eles, destacam-se a abertura de novos cursos e a ampliação de vagas dos cursos antigos.

Ou seja, todos os cursos do ICHL contribuíram para que a UFAM atingisse a meta de ampliação das vagas de graduação. Podemos incluir a criação de novos Programas de Pós-graduação como parte do esforço do ICHL para a implementação das metas do REUNI, mesmo que a decisão de criá-los tenha sido tomada antes da adoção do programa. Da mesma forma, a oferta de turmas para a disciplina LIBRAS, a abertura dos cursos do PARFOR e a implementação dos cursos à distância devem ser incluídos nessa conta.

O impacto desses eventos atingiu a capacidade da gestão administrativa e acadêmica da Unidade. A área física do ICHL cresceu muito, bem como o seu quadro de pessoal docente. O quadro de pessoal técnico administrativo também aumentou, mas em proporção bem menor do que a do quadro docente e, principalmente, a do número de alunos.

A ampliação da área física não foi suficiente para abrigar os novos alunos. Até 2012,  tivemos de pedir emprestado, a cada semestre, dez salas de aula à FES, à FACED e à FD. Um prédio com 27 salas de aula nos foi entregue em 2012, mas, para podermos abrigar as novas coordenações de cursos de graduação, secretarias de pós-graduação, salas de professores e núcleos de pesquisa, tivemos de transformar 16 dessas salas em áreas administrativas.
 
Na projeção da ampliação do quadro docente, o REUNI calculou somente a carga horária que seria dada na graduação, embora já se soubesse que os novos professores teriam de dedicar-se à pesquisa, à pós-graduação e à extensão, uma vez que as avaliações do INEP, da CAPES e do CNPQ, às quais a UFAM tem de se submeter, levam em conta a atuação dos docentes em todas essas dimensões.

Nesse item o ICHL foi muito prejudicado, uma vez que, além de ter ampliado a sua própria oferta de vagas para a graduação, viu-se comprometido com a oferta de vagas para cursos de praticamente todas as demais áreas de conhecimento disponibilizadas pela UFAM, uma vez que a Unidade é responsável por uma parte significativa de disciplinas básicas.

O ICHL também foi prejudicado pelas disputas que se deram entre as unidades acadêmicas pelas vagas para a contratação de docentes de carreira. Nas duas primeiras etapas do REUNI, o critério para a distribuição de vagas entre as unidades consistia na liberação de vaga docente proporcionalmente à abertura de vagas discentes ofertadas para os cursos de graduação. Em 2012, adotou-se um novo critério a partir de ponderações “técnicas” que, a meu ver, pretenderam corrigir distorções que já existiam antes do REUNI.

Com isso, o ICHL deixou de receber pelo menos 04 vagas de docentes de carreira. Além disso, quando examinamos a planilha com o estudo que fundamentou a escolha do novo critério de distribuição de vagas docentes, constatamos que as distorções entre as unidades, no que tange à relação aluno x professor, aprofundaram-se e geraram um grande constrangimento e a desconfiança que atingiu até mesmo as relações entre Departamentos da mesma Unidade.

Um dos efeitos perniciosos desses eventos é a constatação de que as Unidades acadêmicas terão de rever a sua política de oferta de cursos de graduação, adotar novos critérios para a liberação dos docentes que pretendem atuar na pós-graduação e dificultar a saída dos docentes e técnicos administrativos para realizarem a sua capacitação a fim de viabilizar as condições para o atendimento das exigências das agências avaliadoras.

Mesmo que venhamos a fazer esse esforço, é preciso lembrarmos que todas as etapas do REUNI já perderam a vigência e que o governo federal já deu por encerrado o compromisso com esse programa. A UFAM não divulgou até agora quais foram as promessas que o governo federal não cumpriu, mas entre elas se encontra, certamente, a contratação de professores e de técnicos administrativos em educação em número menor do que o que foi projetado.
 
Isso significa que a execução de algumas das metas pela UFAM tornaram-se incertas, uma vez que não se deu continuidade a contratação de todo o quadro docente para garantir o funcionamento dos novos cursos, não foram executadas as obras das bibliotecas e dos laboratórios bem como não se contratou pessoal técnico administrativo em educação para atender à necessidade de apoio técnico e pedagógico decorrente da expansão das atividades acima mencionadas.

4. A expansão da Educação Superior pelo Brasil é usada como bandeira de defesa do REUNI pelo governo. No site do MEC, o governo afirma que o objetivo do programa é a “expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior”. O senhor acredita que isso está realmente sendo feito e de maneira plena e correta? Quais seriam as falhas do programa, em sua opinião?

De fato, houve uma expansão do número de vagas ofertadas aos alunos de graduação e de pós-graduação nas universidades públicas graças ao REUNI. Defendo a ideia que sejam ampliadas as oportunidades de acesso ao ensino público e gratuito em todos os níveis. Entendo, porém, que isso precisa ser feito de modo a garantir a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão bem como a assegurar condições dignas de trabalho aos professores e aos técnicos administrativos em educação.

Do contrário, não vejo como a Universidade pública possa cumprir o seu papel como instituição de formação. O REUNI consistiu em um programa avesso a esse propósito na medida em que suas diretrizes visavam atingir metas estatisticamente concebidas em conformidade com exigências de organismos de regulamentação e gestão da economia que são indiferentes às condições políticas, econômicas e sociais em que vivem os indivíduos. Ao adotar o REUNI, a UFAM associou-se a esses organismo e contribuiu para a legitimação de uma política de desqualificação do projeto de uma universidade pública, gratuita e de excelência, comprometida com os anseios da sociedade.

Somente podemos falar em falhas se adotarmos um ponto de vista ético, pois, do ponto de vista da estratégia política adotada pelo governo federal, o REUNI não as cometeu. Houve ampliação da rede federal de educação superior. Muitas cidades do interior foram beneficiadas econômica e politicamente com a criação de novos campi.

Por outro lado, muitos deles estão sendo abandonados, isto é, deixados à própria sorte, com o risco de terem de fechar cursos, perder seus bens fundiários ou de tornarem-se vulneráveis aos desmandos de prefeitos e coronéis locais. O mesmo pode ocorrer até mesmo nos campi que já existiam antes do REUNI. Não creio que esse processo seja fruto de incompetência, mas sim, de um projeto político bem arquitetado, o qual vislumbra, em primeiro lugar, o uso dos recursos públicos para fins eleitorais e, em seguida,  a renúncia do Estado a suas obrigações com o ensino público superior.

5 – Quais seria as reais demandas que o governo federal deveria atender na UFAM para atender plenamente ao objetivo de expansão das universidades federais?

Do ponto de vista da infraestrutura, a UFAM carece de obras de saneamento, segurança, acessibilidade e de expansão de seus espaços para o ensino, a pesquisa, a extensão e as atividades administrativas. Para dar conta da atual expansão das vagas, é necessário redimensionar o quadro de docentes para assegurar uma relação adequada entre o número de alunos e o número de docentes, mas para garantir também a diversidade de orientações teóricas e metodológicas e o cumprimento dos projetos políticos e pedagógicos dos cursos, os quais foram recentemente reformulados para ajustarem-se às Diretrizes Curriculares Nacionais.

Além disso, é preciso que o Governo Federal ajude a comunidade universitária a buscar a sua autonomia e promova o respeito pelas decisões colegiadas, a valorização dos servidores e o espírito público da instituição.

Fonte: Adua



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