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  05/10/2020


Docente da Ufam contesta dados do governo do AM sobre as mortes por covid-19



No final do mês de junho, o governo do Amazonas comemorou, com um vídeo no Facebook, o registro de nenhuma morte por Covid-19 em Manaus. Conforme reportagem da The Intercept Brasil, o dado era falso. O erro foi identificado pelo professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Alexander Steinmetz, em uma reunião no dia 11 de setembro.

 

O Intercept teve acesso a uma gravação em que a própria diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), Rosemary Pinto, admite erro nos gráficos com o número de mortes apresentados no boletim epidemiológico divulgado pela instituição, durante encontro convocado pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM), após denúncias de pesquisadores e epidemiologistas.

 

De 1º a 2 de setembro, um dos gráficos divulgados pela FVS registrava 164 novas mortes por covid-19, enquanto outro gráfico, no mesmo boletim, informava quatro mortes. Havia ainda um terceiro gráfico no site da Fundação informando seis novas mortes no Estado nas mesmas 24 horas. “Nós temos um erro aí, precisamos rever”, admitiu Pinto ao ser confrontada com as planilhas, prometendo uma retificação, mas a correção não foi realizada. Seis dias após a reunião, o gráfico foi apenas removido do boletim.

 

O problema é que, sem uma base de dados confiável, não há como estimar a real situação da pandemia em Manaus. “São muitos erros que ajudam a pintar uma imagem artificialmente positiva da pandemia e me fazem questionar todas as outras análises da FVS”, me disse Steinmetz em entrevista ao The Intercept Brasil, por telefone.

 

Um levantamento exclusivo feito pelo epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, tomando como base o Infogripe, mostra que a FVS-AM deixou de registrar ao menos 373 mortes por covid-19 entre o início da pandemia e 22 de agosto – um total de 24% a menos que o total de mortes pela doença divulgado pelo Estado. Isso ocorreu também no período em que o governo comemorou “zero morte”. Nos dias 24 de junho e 4 de julho, foram registrados, respectivamente, sete e três óbitos em Manaus, segundo o levantamento.

 

Os dados do sistema também mostram que a diferença entre o número de mortes divulgadas pela FVS e as registradas no Infogripe aumentou mais a partir de junho – depois que foi anunciado pelo governo do Amazonas o plano de retomada das atividades. Do dia 1º de junho, quando o comércio e as igrejas puderam reabrir, até o dia 10 de agosto, com a volta das aulas de ensino médio em escolas públicas, o boletim epidemiológico mostra 254 mortes por covid-19 na capital. Já o Infogripe revela um número 56% maior, de 397 óbitos.

 

Dados "confusos"

 

Após o professor apontar o erro nos boletins, a FSV mudou os gráficos – para pior. A partir de 13 de setembro, alguns óbitos simplesmente desapareceram do boletim diário, enquanto em outros gráficos do mesmo boletim eles aumentaram inexplicavelmente. A soma dos óbitos por dia, só em Manaus, agora é muito maior do que o total de mortes informadas em todo o Estado, por exemplo. “Se um aluno meu fizesse esse trabalho, eu mandaria refazer. São erros óbvios e estranhos”, diz Steinmetz.

 

Além de embaralhar dados, reduzir a quantidade de testes parece ser uma estratégia utilizada pelo governo do Estado para esconder o aumento de casos da covid-19. Gráficos do boletim epidemiológico da FVS mostram que os exames de RT-PCR – padrão ouro de diagnóstico –, foram substituídos gradativamente pelos menos confiáveis testes rápidos a partir de maio. Naquele mês, foram realizados 11.243 exames de RT-PCR. Já em agosto, esse número caiu quase 300%, para 3.832, embora o Estado diga que tem capacidade para fazer mil testes por dia.

 

Em vez da imunidade de rebanho, tão defendida por Bolsonaro e seus apoiadores, afirma o epidemiologista Orellana, o que está acontecendo em Manaus é uma segunda onda de contágio, provocada pela retomada precoce das atividades – deliberada a partir de dados falsos. “Há tendência de aumento dos casos de SRAG em Manaus a partir do início de agosto, há dados de adoecimento, de mortalidade e de internações que ratificam a segunda onda. Não temos dúvidas de que ela já começou”, afirma.

 

Em agosto, o cientista Lucas Ferrante, doutorando em biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também alertou sobre esse risco. Ele publicou na Nature Medicine – uma das revistas científicas mais importantes do mundo – um texto intitulado “Políticas do Brasil condenam a Amazônia a uma segunda onda de Covid-19“. Para ele, “o governo do Estado foi negligente quando determinou a abertura do comércio, a volta às aulas, a abertura de bares, de templos e igrejas de maneira precoce e, aliado a isso, reduziu a quantidade de testes”.

 

O governador Lima e as autoridades sanitárias da FVS se negam a reconhecer a segunda onda de contágio. No site da Fundação, o maior destaque até o dia 15 de setembro era para notícias que mostram a quantidade de recuperados, em uma estratégia semelhante ao “placar da vida”, usado pelo governo Bolsonaro para ocultar as milhares de mortes causadas pela covid-19 no Brasil.

 

No dia 24 de setembro, o governo do Estado recuou um pouco e decretou o fechamento de bares, casas de show e balneários devido à “tendência de alta de casos da covid-19″ em Manaus. No mesmo dia, porém, o governador Lima anunciou a volta das aulas presenciais no ensino fundamental para o dia 30 de setembro. “Não é o retorno do ano letivo que está promovendo esse aumento da covid”, disse em entrevista coletiva, sem citar dados que atestem essa afirmação – nem mesmo os números contestáveis da FVS.

 

Foto: Secom

 

Fonte: The Intercept Brasil com edição da ADUA

 



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