Quase seis meses após a chegada do coronavírus ao Brasil, a Covid-19 segue se espalhando pelas comunidades indígenas e provocando mortes. A cada dia, dois indígenas morrem em decorrência da doença nas aldeias.
Dados da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) apontam 352 mortes de índios em decorrência da Covid-19 nas aldeias e um total de 21.064 casos confirmados da doença, até o dia 21 de agosto. A cada hora, cinco indígenas são contaminados.
Os números, no entanto, podem ser maiores. De acordo com balanço da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), foram 700 os indígenas que perderam a vida pela Covid-19 e há um total de 26.615 contaminados.
Os dados são discrepantes porque a Sesai contabiliza apenas os indígenas que vivem em comunidades. O órgão não soma aqueles que são de cidades ou de áreas não demarcadas.
Considerando os dados da Apib, a mortalidade por 1 milhão de habitantes dos indígenas é maior do que a registrada no Brasil como um todo. O índice brasileiro é de 510, enquanto o dos indígenas, de 855.
A pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do grupo de trabalho de saúde indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Ana Lúcia Pontes, destaca que a Covid-19 se torna mais preocupante nas aldeias porque os indígenas são grupos de múltiplas vulnerabilidades.
Ela explica que eles têm dificuldade de acessar as políticas públicas, o serviço de saúde é precário e não existe assistência médica para remoções de doentes. Com isso, já chegam às cidades em situação mais grave. "É uma população que também sempre teve seu território ameaçado, está cada vez mais confinada", diz Pontes.
Descaso
Mesmo com a gravidade, o governo ainda está na fase de discussão de projetos para proteger a população indígena, apesar de decisões que o obrigam, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Além da situação de vulnerabilidade, líderes indígenas apontam a falta de ações do governo federal. "Não estamos sentindo essas medidas chegarem às comunidades. A gente está na fase ainda de discussão do plano", afirma Luiz Henrique Eloy Terena, representante da Apib.
Nas comunidades, indígenas reclamam da pouca assistência da Sesai. Dizem ainda que muitos profissionais de saúde acabaram levando o vírus para as aldeias.
Cleiton Ramos Macedo é representante da etnia jiahui, do sul do Amazonas. Ele conta que a Covid-19 chegou no fim de maio à aldeia e os que foram diagnosticados acabaram tratados com remédios tradicionais.
"A situação é preocupante com os anciões, há muitas pessoas do grupo de risco. A remoção é difícil, o município de Humaitá fica a 106 quilômetros, sendo necessário pegar uma balsa e, até chegar no hospital, já houve mais complicações", disse.
Foto: Raphael Alves/Reprodução
Fonte: Folha de São Paulo com edição da ADUA
|