A Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI), da qual a ADUA faz parte, publicou um manifesto em repúdio à publicidade divulgada em que o Governo do Amazonas afirma “agora podemos voltar a sorrir”. Há, conforme o documento, um contraste desrespeitoso entre o foco publicitário e a realidade dos povos do Amazonas.
“Não podemos voltar a sorrir! Porque a morte, pelo coronavírus, continua. Todos os dias, nos entristecemos com pessoas queridas, lutadoras e lutadores do direito à vida, do respeito aos direitos da pessoa humana, mortas por esse vírus e por falta da atenção médica em tempo hábil”, afirma trecho da nota da FAMDDI.
Leia o manifesto completo:
COMO VOLTAR A SORRIR AGORA?
Em peça publicitária divulgada em canais off e online de veiculação de mídia, o Governo do Amazonas afirma “agora podemos voltar a sorrir”. A peça publicitária integrou um elenco de medidas para justificar a reabertura do comércio, como preconiza o decreto nº 42.330, de 28 de maio de 2020, que dispõe sobre o cronograma de retomada gradual das atividades econômicas em Manaus a partir do dia 1º de junho.
A publicidade governamental ocorre em momento que os casos de contaminação e de mortes entre os povos indígenas aumentam. Há contraste desrespeitoso entre o foco publicitário e a realidade dos povos do Amazonas.
Não podemos voltar a sorrir! Porque a morte, pelo coronavírus, continua. Todos os dias, nos entristecemos com pessoas queridas, lutadoras e lutadores do direito à vida, do respeito aos direitos da pessoa humana, mortas por esse vírus e por falta da atenção médica em tempo hábil.
Não podemos voltar a sorrir! Porque a dor causada por essas perdas sequer pode ser mensurada. Dói e dói muito. São milhares de pessoas na orfandade.
Não podemos voltar a sorrir! Porque mesmo à distância estamos em luto. Pedimos respeito a nossa dor, a dor das famílias enlutadas.
Não podemos voltar a sorrir! Porque são mais de 2,5 mil vidas ceifadas até agora. E mais de 50 mil pessoas doentes, muitas deles sobreviventes de uma subvida onde estrutura adequada de habitação, alimentação, renda, saúde e educação são como sonhos impossíveis.
Não podemos voltar a sorrir! Porque seria festejar a morte e dizer sim a uma maneira de governar que é excludente em relação aos mais pobres, aos povos indígenas, aos negros e aos quilombolas.
Não podemos voltar a sorrir! Porque as redes sociais estão ainda lotadas de apelos para ajudar a salvar vidas, da fome e da doença, em Manaus, e nas outras cidades do Amazonas.
Nós, membros da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI), chamamos atenção do Governo do Amazonas à realidade maior da população amazonense. Nela não há motivo de sorriso, a não ser pelo sarcasmo e pela falta de respeito à agonia das pessoas, das famílias, das comunidades.
A propaganda governamental, em momento tão diferente e doloroso vivido pela humanidade, como é esse, poderia ter foco em outros elementos agregadores do enfrentamento da grave crise na saúde que permanece e do valor da busca conjunta e solidária da superação dessa terrível experiência produzida pela Covid-19. A criatividade publicitária é capaz de produzir campanhas espetaculares e, por meio delas, impulsionar condutas positivas, amorosas, incentivadoras da superação de situações difíceis. Neste caso, o voltar a sorrir tripudia sobre os doentes, as famílias e os amigos enlutados, para valorizar o aspecto econômico que se impõe sobre todas as vidas e todas as dores.
A negligência governamental com as vidas indígenas é uma marca da postura de que vidas indígenas não importam. Por isso, as providências tomadas acontecem lenta ou tardiamente. Que palavras de solidariedade, de apoio e da presença foram pronunciadas? Quantas vezes o Governo do Amazonas e ou sua propaganda disseram “sinto muito” ou “sentimos muito” por essas perdas? A peça publicitária passa, feito um trator, sobre os mais vulneráveis.
Comunicar é ato de fazer chegar, transmitir uma mensagem, uma informação, uma ideia. Talvez, o Governo ao aceitar esse perfil de publicidade, não faça ideia do tamanho da responsabilidade que a mesma assume, ainda mais quando é o dinheiro público que banca os custos dela.
As organizações que integram a FAMDDI repudiam essa conduta e como cidadãs e cidadãos, contribuintes, reivindicamos respeito no trato dos doentes, das famílias que diante da morte de um, dois ou três de seus membros ainda buscam respostas e consolo, aos indígenas em situação de desespero em Manaus e nas comunidades mais distantes. Não podemos voltar a sorrir porque o que está diante de nós e da sociedade é o resultado de uma política de abandono, cúmplice da doença e da morte.
A VIDA é mais que uma peça de propaganda!
VIDAS INDÍGENAS IMPORTAM!
Manaus, 19 de junho de 2020
Assinam este manifesto, como membros da FAMDDI:
Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN)
Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi Norte I)
Federação Kokama TWRK
Fórum de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas
Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (Foreeia)
Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (MUSAS)
Mandato Popular Deputado Federal José Ricardo
Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas
Serviço de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental na Amazônia (SARES)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas (SJP-AM)
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