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  22/06/2020


Colegiado Negro, Indígena, LGBTQIA+, de Programa de Pós-Graduação da Ufam assina carta de repúdio contra Portaria nº 545 do MEC



Os colegiados Negro, Indígena, LGBTQIA+, de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) assinaram uma carta de repúdio contra a Portaria nº 545/2020 do Ministério da Educação (MEC), de 18 de junho. Com este último ato de antes de deixar o Ministério da Educação (MEC), Abraham Weintraub revogou a Portaria Normativa nº 13, de 11 de maio de 2016, que garantia a política de cotas na pós-graduação.

 

No documento divulgado no dia 19 de junho, o grupo afirma que a decisão do MEC ataca frontalmente as convenções estabelecidas entre o governo federal e agências internacionais de apoio às populações e segmentos sociais cujos direitos humanos não eram e não são reconhecidos plenamente, assegurado pela Convenção nº 169, da qual o Brasil é signatário.

 

Leia a carta na íntegra

 

‘Carta de Repúdio e em Defesa do Conhecimento Negro, Indígena e da Diversidade Frente ao Obscurantismo e Necropolítica no Brasil’

 

“Nós, Colegiado Negro, Indígena, LGBTQIA+, discentes, egressas e egressos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/PPGAS, da Universidade Federal do Amazonas, vimos a público repudiar a mais uma ação excludente e racista do governo federal realizada por meio da Portaria nº 545, de 16 de junho de 2020 que revoga a portaria normativa nº 13, de 11 de maio de 2016, do Ministério da Educação. A revogação nos inquieta, preocupa e agride, pois, a portaria anulada, como último ato do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, destituído do cargo dois dias depois, é fruto de lutas sociais históricas que asseguravam ações afirmativas em cursos de pós-graduação, como o acesso da população negra, indígena e pessoas com deficiência.

 

A Portaria nº 545/2020-MEC, se mantida, irá desregulamentar conquistas de uma relação de décadas de discussões e de estreitamento entre as pessoas afetadas com um determinado padrão da  universidade brasileira; ataca frontalmente as convenções estabelecidas entre o governo federal e agências internacionais de apoio às populações e segmentos sociais cujos direitos humanos não eram e não são reconhecidos plenamente, assegurado pela Convenção nº 169, da qual o Brasil é signatário; precariza as relações dos povos indígenas, negros e pessoas com deficiência (PcD) com entes gestores das universidades ao favorecer condutas de ódio e discriminação a povos e segmentos da sociedade brasileira ampliando obstáculos à implementação, ampliação e consolidação de políticas públicas e da progressiva reparação histórica que o Brasil deve assumir.

 

Cada um dos nossos Colegiados é produto das ações afirmativas do nosso programa, o qual tem como compromisso além da demarcação étnica-racial-gênero na universidade, para além de corpos, constituir espaços legítimos de pesquisas e na produção do conhecimento pela percepção desses autores. Firmamos nossa missão em desenvolver pesquisas qualitativas importantes para o desenvolvimento do país e, em especial, da Amazônia brasileira que se expressa pela participação da diversidade e das diferenças no objetivo em promover reconstruções e reavaliações teóricas e práticas.

 

Enquanto Colegiados defendemos a emergência da revogação da Portaria nº 545/2020 pelo MEC. Para isso, estamos dispostas e dispostos a empreender novas mobilizações em nome da defesa dos discentes atuais e dos futuros discentes que serão atingidos pela medida que representa afronta ao Estado de Direito Democrático brasileiro.

 

O ato efetuado pelo ex-ministro da Educação está na contração do combate ao fascismo, ao racismo, a LGBTransfobia, e ao direito de acesso de pessoas com deficiência e de grupos sociais que têm garantias constitucionais diante de um país onde as desigualdades socioeconômicas e política permanecem elevadas e determinantes de filtragens violentas, perversas e inaceitáveis.

 

Esta carta reforça a necessidade do combate à discriminação e ao racismo estrutural presente nas instituições públicas e privadas, mascarados muitas vezes com jargões relacionados a “meritocracia”. A sociedade civil e a comunidade acadêmica têm o dever fundamental de não deixar que seja concretizada a destruição dessas conquistas na educação, e se manifesta como reivindicação a deputados e senadores para que apoiem propostas de projetos de lei no Congresso Nacional que assegurem a efetiva participação dos indígenas, dos negros e das pessoas com deficiência nas universidades, e pessoas LGBTQIA+.

 

Este ano, a área da Antropologia e de outros campos das Ciências Humanas e Sociais acompanharam, com perplexidade, a revogação das Portarias Nº 34/2020, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e 1.122/2020, ambas publicadas no mês de março e que tratavam de corte nos investimentos públicos nessas áreas científicas. Não se faz ciência sem recursos financeiros, permanentemente assegurados. Os cortes e o clima de instabilidade provocados pelo governo federal e o ex-ministro da Educação geram prejuízos de longa duração no ambiente científico, na formação de novos pesquisadores e, atinge, duramente, regiões como a Amazônia que precisa ser percebida pela sua diversidade, como riqueza científica, e jamais encarar como um problema ou um simples gasto.

 

O PPGAS/Ufam possui um corpo docente envolvido com ações e projetos de extensão de forte inserção social, e mobiliza os cursos de licenciatura para a formação permanente de indígenas e comunidades tradicionais. Qualifica recursos humanos para atuação em outras instituições de ensino superior e em diversos setores, públicos e privados, relacionados ao ensino, pesquisa, assessorias, consultorias e coordenadorias de organizações e movimentos sociais, produção de textos didáticos e paradidáticos, organização de eventos, entre outros.

 

Destacamos um marco histórico: Desde de 2010, o PPGAS/Ufam iniciou a proposta de política de ação afirmativa. Naquele momento contemplando a participação de indígenas no processo de seleção e assegurando vagas específicas para indígenas. No ano de 2016, o processo de seleção passou a adotar vagas reservadas para negros, pardos e pessoas com deficiência (PcD). Em 2017, por meio de edital específico à população indígena, acessou à pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, com possibilidade de desenvolver um processo de seleção diferenciado que levou em consideração as particularidades epistemológicas, culturais e políticas dessas populações. De 2010 a 2019 somam-se trinta e nove (39) alunos indígenas de diferentes procedências étnicas, culturais e regionais. Dezessete (17) alunos com o Mestrado, finalizado, e sete (7) alunos com o Doutorado, concluído.

 

O ingresso desses discentes tornou possível algumas conquistas como a Coleção “Reflexividades Indígenas”, constituída por 4 (quatro) volumes de autoria de alunos indígenas do Alto Rio Negro, resultado de suas dissertações de mestrado no PPGAS/UFAM, publicada em 2018 pela Editora da UFAM. Foi publicada também, pelo grupo de pesquisadores do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI), a obra “Omerõ – Constituição e Circulação de Conhecimentos Yepamahsã/Tukano”, de autoria coletiva entre alunos indígenas, os professores e integrantes do NEAI. Ainda, foram publicados o livro “Músicas da Floresta do povo Apurinã” e “Grafismos Paumari”, do projeto “Rios e Redes na Amazônia Indígena” que contou com apoio da Natura Cosméticos e da FAPEAM. O PPGAS/UFAM tem sido visto como uma “janela de possibilidades”, a partir do entendimento que na região Norte expressa como mais relevância a questão INDÍGENA.

 

Outro marco importante se deu com as realizações do I Seminário do Colegiado Negro do PPGAS/UFAM, em 2018, com o tema “Quem disse que não há negras, negros e quilombolas no Amazonas não sabe o que é axé e dendê: seminário de articulação e estratégias para a visibilidade negra no Amazonas”, e com o II Seminário do Colegiado Negro do PPGAS e II Seminário de Antropologia e Direito, com o tema: “  Conversa de pretas e pretos e Povos de Terreiro: religiosidades, territórios tradicionais e resistências”, ocorrido em 2019. Esse último evento, foi uma articulação entre o Colegiado Negro do PPGAS/UFAM e o Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDHA) da Faculdade de Direito/UFAM. A atividade recebeu a presença do representante dos haitianos em Manaus/Pastoral do Migrante; representante dos estudantes africanos na UFAM; e da Sacerdotisa do Candomblé da Nação Angola e integrante do Fórum das Mulheres do Amazonas. O seminário recebeu como convidados como o servidor do TRF 4 e pesquisador do Núcleo de Estudos para Paz e Direitos Humanos da UNB. A atividade recebeu ainda, a professora, assistente social e coordenadora do Fórum Permanente do Amazonas (FOPAAM). Importante ainda destacar a participação de discentes da graduação em Ciências Sociais da UFAM, com pesquisas de temáticas relacionadas a gênero e questões raciais. A atividade contou com a participação de 269 alunos da graduação e 42 pós-graduandos, fruto da relação com ODSDHA.

 

O Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Gênero, Família, Conflitos e Sexualidade – (AZULILÁS), foi criado em 2008 e tem aglutinados projetos de pesquisa e extensão relacionados aos temas: gênero e violência; violência sexual contra crianças e adolescentes; arranjos familiares; gênero no mundo rural amazônico. Constituindo parcerias com a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente do Amazonas e outras instituições como Uninorte, Rede um Grito pela Vida, Tribunal de Justiça do Amazonas e outros.

 

O Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidades e Interseccionalidades (GESECS), também realizou iniciativas que colaboram com a ampliação de debates e apresentações com abordagens científicas. O GESECS tem realizado palestras, conferências, grupos de estudos e projetos de extensão que envolvem a formação de alunos da graduação e pós-graduação, tanto da UFAM quanto de outras Instituições de Ensino Superior. Em 2019 podemos destacar a realização do II Seminário Gênero e Sexualidades em Debate: políticas e agenciamentos, em parceria com a Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Estiveram presentes representantes do Baque Mulher Manaus, pesquisadores do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), e Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ, e docentes da Escola de Ciências da Saúde e Escola Normal Superior da UEA.

 

Outras iniciativas do GESECS também foram realizadas como a participação no projeto “Biblioteca Humana”; o projeto de extensão Roda de Quinta onde ocorreram exibições de audiovisuais e debates com convidados. Ainda foram realizadas atividades como o I Simpósio TransEducação, envolvendo docentes e discentes da UFAM e UEA, somadas a parceria com a Faculdade de Direito/UFAM e movimentos LGBTQIA+ do Amazonas. A participação no 9º Fórum da Internet no Brasil e na I Mostra da Pesquisa Científica do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), realizando apresentações de pesquisas desenvolvidas pelo grupo.

 

O resumo histórico aqui apresentado demonstra a relevância das ações afirmativas e a exigência da imediata anulação da Portaria nº 545-MEC/2020. Os Programas de Pós-Graduação no país têm como pressuposto que as pesquisas das e dos discentes contribuem para a melhor compreensão de sua complexa realidade sociocultural e com as transformações necessárias para o desenvolvimento da produção intelectual de seu contexto. Desafiam-nos a manter articulações importantes com centros nacionais e internacionais de pesquisa, contemplando a presença dos agentes sociais locais que são participantes da e na produção do conhecimento.

 

Na certeza de que a Universidade Federal do Amazonas está aliada e mobilizada para a revogação da Portaria nº 545, bem como disposta a realizar ações institucionais, firmamos nosso compromisso pelas conquistas adquiridas e o compromisso com as lutas pela garantia de um ensino público, gratuito e de qualidade em uma instituição de ensino superior centenária na Amazônia, na perspectiva dinâmica, plural e inclusiva”.

 

Assinam:

Colegiado Indígena do PPGAS/Ufam

Colegiado Negro do PPGAS/Ufam

Colegiado LGBTQIA+ do PPGAS/Ufam

Discentes do Mestrado e Doutorado do PPGAS/Ufam

Egressas e Egressos do PPGAS/Ufam

 



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