A partir dos primeiros sinais do alastramento do novo corona vírus (Covid-19) no Brasil, em março de 2020, a ADUA e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) suspenderam ou interromperam parcialmente - dependendo das especificidades - suas atividades. Mas, pouco depois, a Ufam passou a instituir instrumentos de fiscalização do trabalho remoto docente durante este crítico período da saúde global, o que gerou a insatisfação de docentes e técnicos/as e com a intervenção do sindicato acabou sendo revogado pela universidade.
Os mecanismos de controle da Ufam haviam sido definidos nas Instruções Normativas (INs) 1/2020 e 2/2020 da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp) e perderam efeito com a publicação, no dia 13 de abril, da Portaria n. 750 da instituição. Antes mesmo da revogação, a ADUA alertou a categoria a não se submeter a tais estratégias de fiscalização e defendeu, juntamente com o ANDES-SN, a suspensão imediata do calendário de universidades, institutos federais e Cefets.
Em nota divulgada no dia 8 de abril, a Diretoria da ADUA esclareceu que a Portaria nº 703 da Ufam, de 31 de março, suspendeu, por prazo indeterminado, o calendário acadêmico de 2020; as atividades administrativas presenciais e as atividades acadêmicas de graduação presenciais ou não, além de ter determinado que as pró-reitorias orientassem as atividades remotamente no período de combate à Covid-19.
“Ou seja, em momento algum [a Portaria] determina a fiscalização do trabalho docente para a criação de instrumentos extras que não tenham sido definidos pelo Conselho Superior da Ufam de acordo com o princípio da autonomia universitária, consideramos que a portaria do reitor ad referedum do Consuni é bem clara: resguarda professores e professoras de possíveis intransigências de chefias imediatas com exigências de atividades pedagógicas virtuais, preenchimento de formulários não definidos em resoluções etc”, analisou o presidente da ADUA, professor Marcelo Vallina.
Para a Seção Sindical, a prioridade das universidades deve estar centralizada no combate à pandemia. “Vamos aproveitar esse período para repensarmos o sentido da universidade, conversarmos com Em meio a pandemia, trabalhadores lutam contra ataques do governo nossos e nossas colegas sobre a serviço de quem a universidade deve estar. Queremos uma universidade empresarial ou uma universidade aos serviços da grande maioria da população brasileira? Vamos participar de atividades lúdicas e de discussão de temas importantes e não sobre a elaboração de instrumentos de controle e fiscalização do trabalho docente”, afirma nota da diretoria da ADUA.
Foco deve ser a vida
Por defender que o papel da Universidade é a serviço da sociedade, a Seção Sindical apoia a defesa do ANDES-SN e do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) de suspender o calendário de todas as universidades. Na avaliação das entidades do setor de Educação, a suspensão nacional do calendário irá resguardar professores/as e técnicos/as de intransigências das administrações tanto em relação à presença nos campi quanto à obrigatoriedade de atividades remotas.
“Nossas instituições de ensino podem e devem cumprir um papel de vanguarda na preparação de material que ajude trabalhadores, trabalhadoras e o povo pobre a se proteger dessa ameaça. Suspender o calendário escolar e envolver a instituição na fabricação de produtos necessários ao combate ao corona vírus é a prioridade, pois, a defesa da vida está acima dos lucro”, afirma o coordenador geral do Sinasefe, David Lobão.
A meta dos sindicatos é encampar uma campanha nacional para docentes, técnicos/as e estudantes cumpram a orientação do isolamento social. “Neste momento de grande impacto no mundo, com a crise sanitária nos levando à situação de pandemia, muito mais importante do que discutir a continuidade do calendário escolar em condições precárias, para responder à irresponsabilidade do governo que quer acabar com o isolamento social, os reitores das Universidades, dos Institutos, da Escola Pedro II e os diretores dos Cefets devem estar todos empenhados em envolver a instituição que dirigem no combate ao coronavírus”, sinaliza o dirigente do Sinasefe.
EaD e a falta de estrutura
Desconsiderando a realidade de docentes e discentes e o impacto da medida, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Portaria nº 343, de 17 de março, liberou, por 30 dias (com possibilidade de prorrogação), as instituições de ensino superior federais a substituírem as aulas presenciais pela modalidade à distância. O ANDES-SN viu a medida com apreensão, pois há a preocupação que o governo se sirva do momento para implantar indefinidamente a medida.
A 2ª vice-presidente da Regional Rio de Janeiro do ANDES-SN e coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE), Elizabeth Barbosa, explicou que a entidade defende o ensino à distância enquanto ferramenta metodológica complementar e não como conteúdo de disciplina. “Ou seja, eu enquanto docente posso utilizar ferramentas virtuais para fazer um trabalho com meus estudantes, mas não que a disciplina seja pautada por isso”, esclareceu.
Para a docente, o governo deveria estar pautando a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95 do Teto dos Gastos Públicos. “A gente já vive com cortes absurdos nas universidades, institutos e Cefets, que não são de agora, mas que se intensificaram principalmente nesse último governo e depois da EC 95”, afirma Elizabeth Barbosa.
A falta de infraestrutura para o Ensino a Distância (EaD) é um fator que deve ser considerado. Docentes e estudantes têm condições diversas de acesso a equipamentos, materiais virtuais e conexão à internet, o que “impõe uma cobrança injusta e pode acarretar doenças laborais e emocionais, em um momento em que a sociedade já se encontra fragilizada”, destacaram o ANDES-SN e o Sinasefe.
“Não temos condição de garantir que o conteúdo à distância chegue a todo o corpo discente, nós temos hoje na universidade pública muitos alunos vindos da classe trabalhadora, como essa população vai ter acesso a essas ferramentas para dar conta de uma disciplina? Eu vejo com muita apreensão isso, porque acentua a precarização de nosso trabalho e também da qualidade de ensino ofertada”, comentou a 2ª vice-presidente da Regional Rio de Janeiro do ANDES-SN.
Outra questão é a sobrecarga de trabalho doméstico e os cuidados com crianças e idosos durante a quarentena, um período extremamente sensível. “Entendemos que nesse período de pandemia não há como obrigar os profissionais nem os estudantes a manterem algum tipo de normalidade e a suspensão do calendário escolar vai, inclusive, garantir uma redução na pressão que houve inicialmente para que as atividades pudessem ser realizadas a distância, substituindo o ensino presencial”, disse a secretária-geral do ANDES-SN, Eblin Farage.
Em nota técnica sobre Portaria nº 343, a AJN do ANDES-SN declarou que “tal situação não pode ser utilizada como pretexto para a formatação de ferramentas de controle que ultrapassem os limites da razoabilidade”. Para a assessoria, as medidas vão de encontro ao previsto no art. 471, § 3º, da Lei nº 9.394, de 20.12.96, que prevê no ensino superior a frequência obrigatória de alunos e professores, salvo nos cursos à distância. “Ao autorizar a substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e tecnologia de informação e comunicação, a Portaria nº 343/20 viola expressamente essa disposição legal e, por sua vez, o Princípio da Legalidade, insculpido nos arts. 5º, II e 37, da Constituição”.
A AJN pontua que a implementação do EaD traz prejuízos à igualdade de condições como forma de assegurar o acesso ao direito fundamental básico à educação, ressaltando que para essa modalidade de ensino, há a necessidade de infraestrutura de tecnologia adequada, o que várias Ifes não dispõem, além de qualificações especiais do corpo docente. “A modalidade de ensino à distância não se configura numa simples gravação em vídeo ou conversão em texto daquilo que seria trabalhado presencialmente, de modo que, sem a capacitação específica do docente para tanto, é possível que a simples determinação de conversão em ensino à distância seja danosa ao ambiente de aprendizado”, afirma.
Considerando todos estes aspectos, o Sindicato Nacional publicou, no dia 18 de março, uma nota de repúdio à proposta do MEC de EaD em substituição ao ensino presencial. “Ao defender aulas on-line, o governo desconsidera a sobrecarga já existente e intensificada pela qual passam o(a)s docentes e o(a)s discentes no processo de reestruturação da vida cotidiana que a quarentena está exigindo. Desconsidera o fato de que aulas on-line exigem internet e equipamentos de qualidade, o que não é realidade para milhares de estudantes de origem popular, que hoje cursam as instituições públicas de educação, desconsidera o caráter pedagógico das aulas presenciais e as especificidades de cada disciplina e curso, entre outros”, diz trecho da nota.
Governo na contramão
Na nota sobre as IN 1/2020 e 2/2020 da Progesp, a ADUA questiona: “quais os objetivos da criação destes instrumentos? Pretendem controlar a vida de professores e professoras em tempos de pandemia? Não é suficiente os tempos difíceis que estamos atravessando? O objetivo seria colocar falta e corte de salário?”. Essas indagações surgem uma vez que, durante a crise na saúde pública, Bolsonaro e o ministro da educação, Abraham Weintraub - ao invés de buscarem soluções para amenizar os problemas do povo brasileiro – têm tomado uma série de medidas que potencializam o estado de alerta de docentes e servidores/as públicos.
Em vídeo publicado em suas redes sociais no dia 17 de março, o ministro criticou governadores e reitores que, segundo ele, se "anteciparam" ao anunciar a suspensão das aulas e ainda pediu que estudantes de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia retornassem às instituições de ensino para combater a pandemia, sendo que alunos residentes em instituições que oferecem atendimento a pacientes estão atuando normalmente.
O ANDES-SN repudiou as declarações de Weintraub. “O(A)s estudantes, ainda em processo de formação, não estão preparado(a)s para as tarefas que cabem à(o)s profissionais da saúde. Além do extremo desrespeito que isso representa à vida da população e desse(a)s estudantes, essa sugestão mascara a falta de investimento no SUS, que necessita, mais do que nunca, de investimentos públicos para, entre outras questões, contratação de profissionais da saúde e garantia de equipamentos de proteção individual e insumos, para dar conta das demandas sanitárias, intensificadas no quadro da pandemia”, afirma trecho da nota do Sindicato Nacional.
Na ocasião, o presidente do ANDES-SN, Antonio Goncalves, afirmou que já era hora de o ministro reconhecer a importância das Universidades, mas faz isso de forma enviesada. "Ele dá orientações como uma autoridade sanitária, o que ele não é, e orientações erradas. Não podemos colocar estudantes em processo de formação na linha de frente, eles ficariam vulneráveis a uma contaminação. Temos que proteger os nossos estudantes", disse.
- Adicionais ocupacionais e remanejamento de férias
Outro ataque partiu do governo por meio da Instrução Normativa (IN) nº. 28, de 25 de março de 2020, que trata da suspensão dos adicionais à(o)s servidore(a)s durante a pandemia. As orientações são destinadas às/aos servidores ou empregados públicos que estejam exercendo suas atividades remotamente ou em função da IN 19/2020, de 12 de março, que estabelece, aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal (Sipec), orientações quanto às medidas de proteção para enfrentamento da emergência de saúde pública.
Entre outras questões, a IN 28/2020 impôs vedação quanto ao pagamento de auxílio-transporte, adicional noturno e adicionais ocupacionais (insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por atividades com raios X ou substâncias radioativas). Em nota técnica, a Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN destacou que as orientações ao não pagamento dos adicionais relacionados à presença do servidor na repartição pública podem ser explicadas pela ausência de regulamentação sobre o trabalho remoto e como se daria o recebimento dos adicionais.
“Portanto, temos certa preocupação quanto ao êxito de possível demanda judicial que verse sobre a restituição desses adicionais. É claro que a impossibilidade de percepção dos adicionais referidos guarda relação com o fato de que esses servidores não mais estariam submetidos ao contato com o agente insalubre ou perigoso, na medida em que o trabalho seria realizado de maneira remota, mas não podemos olvidar que há uma quebra do equilíbrio financeiro individual por circunstância anômala e imprevista”, esclareceu o jurídico.
A IN 28/2020 impossibilitou, ainda, o cancelamento, prorrogação ou adiamento de períodos de férias já marcados. “Quanto ao ponto, é clara a ausência de razoabilidade, uma vez que a Administração impossibilita que o servidor possa ter autonomia sobre o seu planejamento de férias que, diante da reconhecida pandemia, pode não corresponder aos propósitos que orientaram o seu planejamento inicial”, comenta a AJN do Sindicato Nacional que emitiu uma nota de repúdio ao corte de auxílio e adicionais durante a pandemia.
- Cortes de salários
Os/as servidores/as públicos estão tentando que lidar também com a tentativa de corte de salários. Em meio a pandemia, o Congresso analisou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10/2020, conhecida como Orçamento de Guerra, que trazia propostas de redução de salários de servidores das três esferas (federal, estadual e municipal). Mas, as emendas sugeridas pelo partido Novo acabaram sendo rejeitadas durante votação no dia 3 de abril, na Câmara dos Deputados, graças a intensa pressão das categorias docente e de servidores, que se mobilizaram enviando e-mails para os parlamentares, nas redes sociais e votando na pesquisa disponibilizada pela Câmara.
Apesar dessa vitória, o fantasma do corte das remunerações ainda ronda, uma vez que o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) já havia protocolado, no dia 24 de março, um Projeto de Lei (PL) inconstitucional para reduzir os salários dos servidores públicos. "Esse PL fere o artigo 37 da Constituição, que trata da vedação de redução de subsídios dos servidores públicos, ou seja, o princípio constitucional da irredutibilidade de salários, o que também é previsto no artigo 7º da Carta Magna para os trabalhadores da iniciativa privada", declarou a 1ª vice-presidente da regional do Rio de Janeiro do ANDES-SN e encarregada jurídica da entidade, Mariana Trotta.
A advogada ressaltou que o ANDES-SN defende a revogação da EC 95 para que sejam garantidos investimentos para Saúde, Educação, Ciência Públicas e demais políticas de assistência à população. O Sindicato Nacional defende, ainda, a criação de um plano emergencial popular para enfrentar a crise com a aprovação, por exemplo, do Projeto de Lei Complementar 183/2019, em tramitação, que regulamenta o dispositivo constitucional para taxação das grandes fortunas.
Em análise, a AJN do ANDES-SN adiantou que o PL não possui força imperativa e ainda será submetido à apreciação pela Câmara dos Deputados, Senado Federal e presidência da república. “Com isso, nenhuma das medidas aqui anunciadas possui aplicabilidade imediata e tampouco são imutáveis, haja vista que no transcurso do projeto é possível que ocorram retiradas ou inclusões de texto, mais benéficas ou prejudiciais, pelos parlamentares”. Diante disso, a AJN orientou a utilização da nota técnica apenas para esclarecimentos, não sendo recomendado o uso para decisões como, por exemplo, a opção pela aposentadoria precoce.
- MP 927
A classe trabalhadora de maneira ampla sofreu um duro golpe com a edição, no dia 22 de março, da MP 927. Entre outras medidas benéficas a banqueiros e empresários, a medida de Bolsonaro possibilitava a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem pagamento de salário. Com intensa mobilização nas redes sociais e críticas na imprensa, os/as trabalhadores/as conseguiram derrubar o artigo 18 da MP.
Na ocasião, o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, comentou que as medidas do governo brasileiro vão na contramão do que tem sido feito por governantes de outros países neste momento de pandemia. “Os países centrais têm tentado garantir ao máximo o salário dos trabalhadores, mesmo que seja o próprio Estado pagando, a gente precisa viabilizar renda, tranquilidade para que as pessoas possam ficar em casa”, disse.
A ADUA e o ANDES-SN se manifestaram em relação a MP 927. Em nota, o Sindicato Nacional afirmou que “a citada MP é um gravíssimo ataque contra a classe trabalhadora e contém inúmeros absurdos. Dentre eles, a mais impopular das medidas, que foi retirada após forte pressão proveniente de todos os lados, mas especialmente da classe trabalhadora: suspender o salário de trabalhadoras e trabalhadores por até quatro meses (artigo nº 18). Porém, precisamos continuar lutando para garantir a revogação integral da MP nº 927/2020”.
Já a ADUA afirmou em nota que a MP “expressa a face distorcida de um governo que fez a opção por destruir qualquer réstia de proteção do mundo do trabalho e que, considerando o perfil da classe trabalhadora brasileira, tal MP é um ataque com orientação de classe, é racista, é misógina. Por tudo isso, a ADUA repudia veementemente esta medida e o conjunto destrutivo de política que o atual governo busca avançar aproveitado a conjuntura marcada por pandemia”, expressou a Seção Sindical.
A conjuntura expõe que governo Bolsonaro e o Congresso tentam usar de subterfúgios para aprovar medidas prejudiciais em um momento já tão sensível para o povo brasileiro que tenta literalmente sobreviver à pandemia. Mas, apesar dos sucessivos ataques, as categorias docente e de servidores públicos e a classe trabalhadora como um todo estão atentas e lutam em diferentes frentes, seja em embates jurídicos ou mobilizações virtuais (lives, postagens em rede sociais, disparo de e-mails etc) ou não (como os “barulhaços”). Nesta luta, ADUA e ANDES-SN fazem sua parte e conclama a todas e todos a continuar de casa mobilizados/as.
Fontes: ADUA e ANDES-SN
Fotos: Ufam/Reprodução
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