A população pobre será a parcela mais atingida pelo Coronavírus no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. Sem acesso à saúde, ao saneamento e sem emprego, um grande número de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros está muito mais suscetível à contaminação. A observação é do professor da área de Teoria Econômica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), José Menezes.
O docente analisa que aprovação da Emenda Constitucional 95, que limitou os recursos para saúde e educação públicas, a Contrarreforma Trabalhista, que ampliou a terceirização e precarização dos contratos de trabalho, o alto índice de informalidade e desemprego de milhares de trabalhadoras e trabalhadores pavimentaram o caminho para a pandemia se alastrar no país.
"A destruição do serviço público e a privatização de tudo deixaram o caminho aberto [para a pandemia]. Temos que construir caminhos para colocar em xeque essas políticas. Temos uma população que não pode cumprir a coisa mais básica para combater o coronavírus que é lavar as mãos com água e sabão. Grande parte da população brasileira não dispõe de água e sabão, grande parte está na informalidade, sem local determinado de trabalho, está na bicicleta entregando pizza, grande parte da população brasileira está à margem", explica.
Menezes critica as atitudes do governo federal, que ao invés de adotar ações que revertam o quadro de colapso social, tentam impor medidas neoliberais como as contrarreformas administrativa e tributária, que irão aprofundar ainda mais a desigualdade e o desmonte dos serviços essenciais para a população, especialmente, nesse momento de crise.
Na última quinta-feira (19), foi divulgado, por exemplo, que o Ministério da Cidadania tirou famílias carentes do programa Bolsa Família: 158 mil benefícios foram cortados no mês de março, revelou o portal UOL, e mais de 61% estavam na região com mais famílias vulneráveis do país, o Nordeste.
"Temos que, nesse momento, pensar o combate ao novo coronavírus através do combate às desigualdades e à miserabilidade da população brasileira. Para combater o Coronavírus, vamos ter que resolver o problema de quem sempre ficou à margem e não aprofundá-lo", afirmou o docente em palestra disponibilizada pelo Observatório de Políticas Públicas e Lutas de Classe da Ufal.
Menezes propõe a suspensão imediata do pagamento da dívida pública para que haja recursos disponíveis para serem investidos em políticas sociais. Além disso, cobra a revogação da EC 95 e a auditoria da dívida pública, que consome anualmente cerca de 40% do orçamento público, montante três vezes maior do que o investido em saúde e educação públicas. "Para pensar o combate ao coronavírus temos que repensar exatamente toda a política neoliberal", acrescenta.
Crise do Neoliberalismo
O professor alerta que a pandemia do novo Coronavírus não é responsável pela nova crise do Capital, como muitos tentarão fazer crer. Ao contrário, o impacto da Covid 19 na saúde da população mundial é consequência das políticas neoliberais implementadas ao longo dos anos, e que levaram à situação de colapso mundial, agora escancarada pela doença.
Menezes lembra que o discurso nos anos 1980 era que o neoliberalismo deveria ser implementado porque o Estado era ineficiente e que a livre iniciativa era capaz de gerir as relações sem interferência estatal. No entanto, o desmonte das políticas públicas levou ao cenário atual, que mais uma vez demanda a intervenção dos Estados.
"A crise de 2008 foi exatamente o momento em que todas as políticas neoliberais produziram uma das maiores crises da História. Uma questão muito importante: se o neoliberalismo foi colocado durante quase 40 anos como alternativa e produz exatamente uma crise como de 2008: qual a saída encontrada para os Estados resolverem essa crise?" questiona.
Segundo o professor, em 2005, as bolsas do mundo estavam com valorização de US$ 43 trilhões. Em 2007, subiram para US$ 64 trilhões, mas em 2008 tiveram uma queda para US$ 34 trilhões. "É muito importante esse dado porque a crise de 2008 foi contida temporariamente, mas ela continua a se manifestar. Porque US$ 30 trilhões simplesmente desapareceram do mercado de ações, e isso significou a falência de grandes bancos e grandes empresas", explica.
Após a crise de 2008, as ações voltaram a subir, mas não houve grandes investimentos produtivos. Os Estados se endividaram para salvar as empresas e cobrir o rombo das perdas provocadas nas bolsas de valores. "A dívida pública de todos os países cresceu em torno de quase 20 trilhões, em 2011", aponta. E, o que vivemos hoje, é ainda consequência daquele momento. "Tudo estava pegando fogo em 2008, mas a prioridade era salvar bancos e empresas. E isso pode acontecer novamente", alerta.
O docente aponta que, de acordo com Instituto Internacional de Finanças, o choque provocado pelo novo coronavírus nos mercados internacionais coincide com um cenário financeiro perigoso, marcado pelo forte crescimento do endividamento mundial. Atualmente, as dívidas representam 322% do PIB mundial, quando em 2008 eram cerca de 70 a 80% do PIB.
"Essa dimensão da crise [neoliberal] não pode ser tratada como algo meramente determinado pelo coronavirus. [No entanto], claro que a pandemia traz outro cenário. Por exemplo, como a crise começa na China, que passou a ser o grande centro produtor e consumidor para a economia mundial, tudo que acontece na China tem repercussão mundial. Como a China paralisou a produção, praticamente está paralisando grande parte da produção mundial. Está em xeque também a estruturação produtiva, baseada no toyotismo, que deu à China essa tarefa", conclui.
Fonte: ANDES-SN
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